A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais,
CONSIDERANDO ser dever do Estado assegurar assistência a todos os integrantes da família, pela implementação de instrumentos voltados à harmonização e pacificação em casos de litígio, nos termos do art. 226, § 8º, da Constituição Federal;
CONSIDERANDO ser atribuição do poder público desenvolver políticas para garantia dos direitos fundamentais das mulheres nas relações domésticas e familiares, resguardando-as contra práticas de discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, nos termos do art. 3º, § 1º, da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006;
CONSIDERANDO a competência desse órgão de coordenar a elaboração e a execução de políticas públicas relativas às mulheres em situação de violência no espaço jurídico de atribuições do Poder Judiciário;
CONSIDERANDO a necessidade de adequação da atuação do Poder Judiciário para consideração da perspectiva de gênero na prestação jurisdicional;
CONSIDERANDO a importância de se assegurar tratamento adequado aos conflitos decorrentes de prática de violência contra a mulher, especialmente quanto aos crimes enquadrados na Lei nº 13.104/2015 e nos demais crimes provocados em razão de gênero;
RESOLVE:
CAPÍTULO I
DA POLÍTICA JUDICIÁRIA NACIONAL DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES
Art. 1º Instituir a Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, definindo diretrizes e ações de prevenção e combate à violência contra as mulheres e garantindo a adequada solução de conflitos que envolvam mulheres em situação de violência física, psicológica, moral, patrimonial e institucional, nos termos da legislação nacional vigente e das normas internacionais sobre direitos humanos sobre a matéria.
CAPÍTULO II
DOS OBJETIVOS DA POLÍTICA JUDICIÁRIA
Art. 2º São objetivos da Política Judiciária estabelecida nesta Resolução:
I – fomentar a criação e a estruturação de unidades judiciárias, nas capitais e no interior, especializadas no recebimento e no processamento de causas cíveis e criminais relativas à prática de violência doméstica e familiar contra a mulher baseadas no gênero, com a implantação de equipes de atendimento multidisciplinar, nos termos do art. 29 da Lei nº 11.340/2006;
II – estimular parcerias entre órgãos governamentais, ou entre estes e entidades não governamentais, nas áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação, para a efetivação de programas de prevenção e combate a todas as formas de violência contra a mulher;
III – fomentar a promoção de parcerias para viabilizar o atendimento integral e multidisciplinar às mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar;
IV – motivar o estabelecimento de parcerias com órgãos prestadores dos serviços de reeducação e responsabilização para atendimento dos agentes envolvidos em situação de violência doméstica e familiar contra a mulher;
V – impulsionar parcerias com Instituições de ensino superior, objetivando a prestação de serviços de apoio técnico especializado;
VI – fomentar a celebração de Termos de Acordo com o Poder Executivo, visando incorporar aos currículos escolares conteúdos relativos aos direitos humanos, em todos os níveis de ensino, a igualdade de gênero e de raça ou etnia e a questão relativa a todos os tipos de violência contra a mulher; (art. 8º, IX, da Lei n. 11.340/2006);
VII – fomentar a política de capacitação permanente de magistrados e servidores em temas relacionados às questões de gênero e de raça ou etnia por meio das escolas de magistratura e judiciais (art. 8º, VII, da Lei n. 11.340/2006);
VIII – promover campanhas para a expedição de documentação civil às mulheres para permitir e ampliar seu acesso a direitos e serviços;
IX – favorecer o aprimoramento da prestação jurisdicional em casos de violência doméstica e familiar por meio do Programa Nacional “Justiça pela Paz em Casa”, destinado à realização de esforços concentrados de julgamento de processos cujo objeto seja a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher;
X – aperfeiçoar os sistemas informatizados do Poder Judiciário para viabilizar o fornecimento de dados estatísticos sobre a aplicação da Lei Maria da Penha, o processamento e o julgamento de ações cujo objeto seja feminicídio e das demais causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher baseadas no gênero;
XI – estimular a promoção de ações institucionais entre os integrantes do sistema de Justiça, para aplicação da legislação pátria e dos instrumentos jurídicos internacionais sobre direitos humanos e a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres;
XII – aprimorar a qualidade dos dados sobre as diversas formas de violência contra as mulheres fomentando a integração da comunicação entre o Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Polícia Civil e Polícia Militar, por meio de sistemas tecnológicos dotados de interoperabilidade.
CAPÍTULO III
DA IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA
Seção I
Dos Tribunais
Art. 3º Os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal deverão dispor, em sua estrutura organizacional, de Coordenadorias Estaduais da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, como órgãos permanentes.
§ 1º Os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal discriminarão os recursos destinados à execução dos projetos apresentados pelas Coordenadorias Estaduais, voltados à prevenção e ao combate à violência contra a mulher e os recursos para a criação e a manutenção da equipe de atendimento multidisciplinar, nos termos do art. 32 da Lei nº 11.340/2006.
§ 2º Os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal deverão publicar em seus sítios eletrônicos balanço anual das ações empreendidas, para fins de monitoramento pelo Conselho Nacional de Justiça, até o mês de fevereiro de cada período anual.
Seção II
Das Coordenadorias estaduais da Mulher em Situação de Violência
Art. 4º As Coordenadorias Estaduais da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar terão atribuição, dentre outras, de:
I – contribuir para o aprimoramento da estrutura e das políticas do Poder Judiciário na área do combate e da prevenção à violência contra as mulheres;
II – organizar e coordenar a realização das semanas de esforço concentrado de julgamento dos processos no Programa Nacional “Justiça pela Paz em Casa” e garantir apoio material e de pessoal aos juízes competentes para o julgamento dos processos relativos ao tema, aos servidores e às equipes multidisciplinares para a execução das ações do programa;
III – encaminhar ao Conselho Nacional de Justiça relatório de ações e dados referentes às semanas do Programa Nacional “Justiça pela Paz em Casa” até uma semana após o encerramento de cada etapa;
IV - apoiar os juízes, os servidores e as equipes multidisciplinares para a melhoria da prestação jurisdicional;
V – promover articulação interna e externa do Poder Judiciário com outros órgãos governamentais e não-governamentais para a concretização dos programas de combate à violência doméstica;
VI – colaborar para a formação inicial, continuada e especializada de juízes, servidores e colaboradores, na área do combate e prevenção à violência contra a mulher;
VII – recepcionar, em cada Estado e no Distrito Federal, dados, sugestões e reclamações referentes aos serviços de atendimento à mulher em situação de violência, promovendo os encaminhamentos e divulgações pertinentes;
VIII – entregar ao Conselho Nacional de Justiça os dados referentes aos procedimentos sobre violência contra a mulher, de acordo com a parametrização das informações com as Tabelas Unificadas do Poder Judiciário, propondo mudanças e adaptações necessárias aos sistemas de controle e informação processuais existentes;
IX – manter atualizado o cadastro dos juízes titulares das Varas e dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, incluídos os especializados e os que dispõem de competência cumulativa;
X – apoiar a realização da Jornada Lei Maria da Penha e o Fórum Nacional de Juízes com competência especializada para processar e julgar os casos cujo objeto seja atos de Violência Doméstica;
XI - identificar e disseminar boas práticas para as unidades que atuam na temática da violência contra a mulher.
§ 1º As Coordenadorias Estaduais da Mulher em Situação de Violência serão compostas por, no mínimo, 3 (três) juízes com competência jurisdicional na área da violência contra a mulher e poderá contar com 1 (um) Juiz Auxiliar da Presidência e com 1 (um) Juiz Auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça.
§ 2º A Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar poderá atuar com a colaboração ou a assessoria de outros juízes.
§ 3º A coordenação caberá a magistrado designado pela presidência do Tribunal de Justiça, podendo ser indicado mais de 1 (um) magistrado para a função, observado o critério de alternância de mandato a ser fixado pelos Tribunais.
§ 4º A Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência deverá contar com estrutura de apoio administrativo e de equipe multidisciplinar, preferencialmente do quadro de servidores do Judiciário.
§ 5º Os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal adotarão as medidas necessárias para proporcionar aos membros da Coordenadoria as condições adequadas ao desempenho de suas atribuições.
CAPÍTULO III
DO PROGRAMA NACIONAL JUSTIÇA PELA PAZ EM CASA
Art. 5º O Programa Nacional “Justiça pela Paz em Casa” objetiva aprimorar e tornar mais célere a prestação jurisdicional em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher por meio de esforços concentrados de julgamento e ações multidisciplinares de combate à violência contra as mulheres.
Art. 6º O Programa é contínuo, incluindo 3 (três) semanas por ano de esforço concentrado de julgamento de processos decorrentes da prática de violência doméstica e familiar que se acumularem, em razão da imperiosa necessidade de se oferecer jurisdição especialmente rápida para solução dos litígios colaterais sociais gerados por este tipo de conflito.
Parágrafo Único. As Semanas Justiça pela Paz em Casa serão realizadas, respectivamente:
I – Na segunda semana do mês de março;
II – Na penúltima semana do mês de agosto;
III – Na última semana do mês de novembro.
Art. 7º A Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência de cada Tribunal de Justiça dos Estados e do Distrito Federal será responsável por organizar e coordenar a realização das semanas de esforço concentrado do Programa Nacional “Justiça pela Paz em Casa” com o apoio do Conselho Nacional de Justiça.
Art. 8º A Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência fornecerá à Comissão Permanente de Acesso à Justiça e Cidadania os dados e relatórios de ações até uma semana após o encerramento de cada semana programática de esforço concentrado.
CAPÍTULO IV
DA VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL CONTRA AS MULHERES
Art. 9º Configura violência institucional contra as mulheres no exercício de funções públicas a ação ou omissão de qualquer órgão ou agente público que fragilize, de qualquer forma, o compromisso de proteção e preservação dos direitos de mulheres.
§ 1º Para a adequada solução dos conflitos mencionados no art. 1º, garantia da prevenção e repressão da situação configurada no caput e resguardo do princípio do devido processo legal, fica vedada a participação de juízes como mediadores, facilitadores ou qualquer outro tipo de atuação similar, nos processos em que atuem como julgadores, em observância ao princípio da confidencialidade.
§ 2º O atendimento às mulheres em situação de violência, para fins de concessão de medidas protetivas de urgência, deve ocorrer independentemente de tipificação dos fatos como infração penal.
Art. 10. Os órgãos do Poder Judiciário deverão adotar mecanismos institucionais para coibir a prática de ato que configure violência ou que possa atingir os direitos à igualdade de gênero.
Art. 11. Os Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas deverão encaminhar mensalmente ao Conselho Nacional de Justiça as informações relativas às mulheres e adolescentes gestantes e lactantes custodiadas no sistema prisional ou internadas, por meio de sistema de cadastramento disponibilizado pelo Conselho Nacional de Justiça.
Parágrafo único. As informações de que trata este artigo deverão ser prestadas mensalmente, até o quinto dia útil do mês subsequente ao vencido e, em nenhuma hipótese, deve expor o nome do lactente.
CAPÍTULO V
DA COLETA DE DADOS
Art. 12. Os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal encaminharão ao Conselho Nacional de Justiça, periodicamente, as informações relativas à estrutura das unidades judiciárias especializadas em violência contra a mulher e os dados sobre litigiosidade.
§ 1º As informações relativas à estrutura das unidades judiciárias especializadas em violência contra mulher serão encaminhadas anualmente, pelo sistema Justiça em Números, no prazo definido pelo Conselho Nacional de Justiça.
§ 2º As informações sobre litigiosidade referentes a cada serventia judiciária (vara ou juizado especializado) serão encaminhadas semestralmente pelo sistema Módulo de Produtividade Mensal, nos prazos definidos pelo Conselho Nacional de Justiça.
§ 3º Os dados das Semanas Justiça pela Paz em Casa serão encaminhados por sistema específico do programa nacional, no prazo de uma semana após o encerramento de cada semana de esforço concentrado.
Art. 13. O Conselho Nacional de Justiça, por meio do Departamento de Pesquisas Judiciárias, publicará anualmente Relatório Analítico sobre a Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres.
Art. 14. O Conselho Nacional de Justiça, por meio do Departamento de Pesquisas Judiciárias, publicará em seu sítio eletrônico relatório sobre cada semana de esforço concentrado do Programa Nacional “Justiça pela Paz em Casa”.
CAPÍTULO VI
DISPOSIÇÕES GERAIS
“Art. 8º. ...
§ 6º Na hipótese do § 5º, a autoridade policial será cientificada e se a vítima de violência doméstica e familiar contra a mulher não estiver presente na audiência, deverá, antes da expedição do alvará de soltura, ser notificada da decisão, sem prejuízo da intimação do seu advogado ou do seu defensor público.”
Art. 16. Compete à Presidência do Conselho Nacional de Justiça, indicar Conselheiro supervisor para acompanhar e monitorar a Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e um Juiz da Presidência, que o auxiliará.
Art. 17. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Ministra CÁRMEN LÚCIA