Dispõe sobre diretrizes e normas gerais para a criação da Central de Vagas no Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo, no âmbito do Poder Judiciário.
Cumprdec n. 0007235-76.2022.2.00.0000
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais,
CONSIDERANDO que a Constituição Federal de 1988 estabelece a prioridade absoluta na garantia dos direitos da criança e do adolescente e o princípio da convivência familiar e comunitária (art. 227), bem como a dignidade da pessoa humana (art. 1º , III) e a não submissão à tortura ou tratamento desumano e degradante (art. 5º , III);
CONSIDERANDO a Convenção sobre os Direitos das Crianças, de 20 de novembro de 1989, que dispõe que todas as crianças privadas de sua liberdade sejam tratadas com a humanidade e com o respeito que merece a dignidade inerente à pessoa humana, e levando em consideração as necessidades de uma pessoa de sua idade (art. 37);
CONSIDERANDO a Convenção Internacional de Todas as Formas de Discriminação Racial, Decreto nº 65.810, de 08 de dezembro de 1969, especialmente no tocante à obrigação dos Estados Partes de proibir e eliminar a discriminação racial em todas as suas formas, a garantir o direito de cada uma à igualdade perante a lei sem distinção de raça, de cor ou de origem nacional ou étnica e o direito a um tratamento igual perante os tribunais ou qualquer outro órgão que administre a justiça (art. V, a);
CONSIDERANDO as Regras da Organização das Nações Unidas para Administração da Justiça Juvenil (Regras de Beijing), de 29 de novembro de 1985;
CONSIDERANDO os princípios Orientadores da Organização das Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil (Princípios de Riad), de 1990;
CONSIDERANDO as Regras Mínimas da Organização das Nações Unidas para Proteção de Jovens Privados de Liberdade (Regras de Havana), de 14 de dezembro de 1990;
CONSIDERANDO o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 13 de julho de 1990, estabelecendo que é direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral e que a medida socioeducativa de internação deve ser aplicada considerando-se os princípios da excepcionalidade e da brevidade da medida (arts. 19, 112, § 2º);
CONSIDERANDO o disposto no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, que é direito do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa ser incluído em programa de meio aberto quando inexistir vaga para o cumprimento de medida de privação da liberdade (no art. 49, II);
CONSIDERANDO a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus nº 143.988, em 25 de agosto de 2020, que determinou que as unidades de execução de medida socioeducativa não ultrapassem a capacidade projetada e estabeleceu a adoção do princípio numerusclausus como estratégia de gestão para estas unidades, com a liberação de nova vaga na hipótese de ingresso de adolescente;
CONSIDERANDO os procedimentos para melhoria do atendimento socioeducativo dispostos na Resolução CNJ nº 165/2012, que dispõe que nenhum adolescente poderá ingressar ou permanecer em unidade de internação ou semiliberdade sem ordem escrita da autoridade judiciária competente (art. 4);
CONSIDERANDO as disposições da Resolução CNJ nº 214/2015, que instituiu o Grupo de Monitoramento e Fiscalização (GMF) e delimitou que cabe ao GMF fiscalizar e monitorar a condição de cumprimento de medidas de internação por adolescentes em conflito com a lei, adotando providências necessárias para assegurar que o número de internados não exceda a capacidade de ocupação dos estabelecimentos (art. 6º, X);
CONSIDERANDO a Resolução Conanda nº 119, de 11 de dezembro de 2006, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo e dá outras providências;
CONSIDERANDO a decisão Plenária tomada no julgamento do Ato Normativo nº 0010268-45.2020.2.00.0000, na 79ª Sessão Virtual, realizada em 18 de dezembro de 2020;
RESOLVE:
Art. 1º Estabelecer diretrizes e procedimentos a serem observados pelo Poder Judiciário e seus serviços auxiliares para a implementação e funcionamento da Central de Vagas no âmbito do sistema socioeducativo.
Art. 2º Entende-se por Central de Vagas o serviço responsável pela gestão e coordenação das vagas em unidades de internação, semiliberdade e internação provisória do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo.
Parágrafo único. A Central de Vagas, de competência do Poder Executivo, será responsável por receber e processar as solicitações de vagas formuladas pelo Poder Judiciário, cabendo-lhe indicar a disponibilidade de alocação de adolescente em unidade de atendimento ou, em caso de indisponibilidade, sua inclusão em lista de espera até a liberação de vaga adequada à medida aplicada.
Art. 3º O Poder Judiciário atuará de forma cooperativa com o Poder Executivo para garantir a criação, a implementação e a execução da Central de Vagas nos Sistemas Estaduais de Atendimento Socioeducativo.
§ 1º Nas unidades federativas em que a Central de Vagas já esteja regulamentada e implementada, caberá ao Tribunal de Justiça garantir apoio institucional e operacional à Central de Vagas, inclusive mediante a expedição de atos normativos internos que regulamentem a atividade judicial junto a tal serviço, nos termos desta Resolução.
§ 2º Nas unidades federativas que ainda não disponham de Central de Vagas regulamentada e implementada, caberá ao Tribunal de Justiça provocar o Poder Executivo local para a elaboração conjunta de ato normativo para a criação, implementação e execução desse serviço, com participação do Ministério Público, da Defensoria Pública e de representante do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente.
§ 3º O ato normativo de criação, de implementação e de execução da Central de Vagas disciplinará os procedimentos administrativos e judiciais para ingresso e transferência dos adolescentes em conflito com a lei em unidades socioeducativas, nos termos desta Resolução.
§ 4º Caberá às instituições do Sistema de Garantia de Direitos acompanhar e monitorar a execução das Centrais de Vagas, conforme disposto no art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Art. 4º Para fins desta Resolução, considera-se:
I – vaga: fração correspondente à capacidade de acomodação de um adolescente dentro de uma unidade socioeducativa a partir dos parâmetros da norma do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo;
II – lista de espera: relação de adolescentes que aguardam a entrada em unidade de restrição e privação de liberdade do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo, quando ultrapassado o percentual de 100% de ocupação das unidades socioeducativas; e
III – audiência concentrada socioeducativa: acompanhamento processual periódico, presidido pelo magistrado, para a reanálise da situação individual de adolescente que cumpre medida socioeducativa de internação e semiliberdade, com a participação do Ministério Público, da defesa técnica, do próprio adolescente ou jovem, bem como de seus pais ou responsáveis e, eventualmente, de demais atores do Sistema de Garantia de Direitos.
Art. 5º São princípios da Central de Vagas:
I – dignidade da pessoa humana;
II – brevidade e excepcionalidade da medida socioeducativa;
III – prioridade absoluta à criança e ao adolescente;
IV – convivência familiar e comunitária; e
V – temporalidade da medida socioeducativa.
Art. 6º São objetivos gerais da Central de Vagas:
I – assegurar que a ocupação dos estabelecimentos socioeducativos não ultrapasse o número de vagas existentes;
II – prezar para que a definição da capacidade real de vagas dos Sistemas Estaduais de Atendimento Socioeducativo observe a separação de vagas entre internação provisória, semiliberdade, internação e internação-sanção, bem como a separação entre vagas femininas e masculinas, observados, ainda, os critérios de idade, compleição física e gravidade da infração;
III – garantir que nenhum adolescente ingresse ou permaneça em unidade de atendimento socioeducativo sem ordem escrita da autoridade judiciária competente;
IV – registrar os dados dos pedidos de solicitação, a fim de permitir fluxo contínuo de produção de dados estatísticos e informações acerca da gestão de vagas, lotação das unidades e lista de espera, resguardando o sigilo e a proteção dos dados pessoais dos adolescentes e seus familiares;
V – impedir a superlotação das unidades, evitando a degradação do sistema socioeducativo; e
VI – promover o fortalecimento da socioeducação.
Art. 7º Proferida decisão de internação provisória ou de internação-sanção ou sentença de medida socioeducativa de internação ou de semiliberdade, caberá ao magistrado solicitar ao Poder Executivo a disponibilização de vaga em unidade socioeducativa.
§ 1º A solicitação deverá ser feita considerando os critérios de disponibilidade de vaga, proximidade familiar, local do ato infracional, idade, gravidade e reiteração do ato infracional.
§ 2º O Poder Judiciário deverá atuar, cooperativamente com o Poder Executivo, com o Ministério Público, com a Defensoria Pública e com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, para criar critérios e pontuações para a análise da solicitação de vagas e para fixar o prazo de resposta para as solicitações encaminhadas à Central de Vagas.
§ 3º Deverão ser formulados critérios e pontuações a fim de que os atos infracionais praticados mediante grave ameaça ou violência à pessoa tenham prioridade na obtenção de vagas para o cumprimento de medidas socioeducativas em meio fechado previstas no caput desse artigo.
Art 8º O juiz deverá encaminhar a solicitação à Central de Vagas mediante expediente devidamente instruído com a seguinte documentação:
I – guia de execução;
II – ópia da representação e da decisão judicial, em que deverá constar expressamente a capitulação jurídica completa do ato infracional;
III – tratando-se de adolescente apreendido, documento comprobatório da data de apreensão;
IV – cópia da certidão de antecedentes infracionais;
V – documentos de caráter pessoal do adolescente existente no processo de conhecimento, especialmente os que comprovem sua idade; e
VI – tratando-se de adolescente submetido a internação-sanção, cópia do Termo de Audiência em que foi decretada a medida.
Art. 9º Na hipótese de indisponibilidade de vaga, o adolescente será incluído em lista de espera, respeitados os critérios previstos nos parágrafos do art. 7º desta Resolução.
§ 1º Durante o período em que estiver em lista de espera de medida socioeducativa de internação ou de semiliberdade, o adolescente poderá ser incluído em programa de meio aberto, mediante decisão judicial fundamentada.
§ 2º O magistrado deverá fiscalizar a posição do adolescente na lista de espera, podendo, a qualquer tempo, requisitar informações à Central de Vagas.
§ 3º O magistrado deverá respeitar rigorosamente a ordem de classificação da lista de espera elaborada pela Central de Vagas, vedada a determinação de admissão de adolescente em unidade socioeducativa sem prévia e regular solicitação e consequente designação da vaga pelo órgão gestor.
§ 4º Transcorridos 150 dias desde a inclusão do adolescente na lista de espera sem que haja disponibilidade de vaga, a Central de Vagas enviará solicitação ao juiz competente, para que, ouvidos o Ministério Público e a Defesa, reavalie a pertinência da manutenção ou revogação da medida socioeducativa imposta.
§ 5º Revogada a medida socioeducativa ou não sobrevindo decisão judicial determinando sua manutenção no prazo de trinta dias, contados da solicitação referida no parágrafo anterior, o adolescente será excluído da lista de espera pela Central de Vagas.
Art. 10. Recebida a informação sobre a existência de vaga, o magistrado deverá expedir mandado de busca e apreensão ou requisitar a apresentação do adolescente na unidade socioeducativa definida pela Central de Vagas:
I – tratando-se de solicitação de vaga de internação provisória para adolescente que esteja sob a custódia do Estado, deverá o magistrado requisitar ao órgão responsável por sua custódia sua imediata apresentação à unidade socioeducativa apontada pela Central de Vagas, respeitado o prazo máximo de cinco dias fixado pelo art. 185, §2º , da Lei nº 8.069/90;
II – na hipótese de a vaga se referir a internação provisória ou medida socioeducativa de adolescente que esteja em liberdade, a autoridade judiciária expedirá imediatamente mandado de busca e apreensão, que deverá constar expressamente a unidade socioeducativa indicada pela Central de Vagas, a qual deverá o adolescente ser apresentado;
III – na hipótese de a vaga se referir a internação provisória ou medida socioeducativa de adolescente que esteja em liberdade e em desfavor do qual já exista mandado de busca e apreensão expedido, o magistrado deverá requisitar à autoridade competente seu imediato cumprimento; e
IV – quando a existência de vaga decorrer da transferência interna ou externa de adolescentes ou da decretação de alteração da medida cautelar ou socioeducativa, deverá o magistrado requisitar ao órgão responsável por sua custódia sua imediata apresentação à unidade socioeducativa apontada pela Central de Vagas.
Art. 11. Caso o adolescente não seja apresentado à unidade no prazo fixado em ato normativo estadual, a vaga deverá ser disponibilizada pela Central de Vagas para o próximo adolescente da lista de espera.
Art. 12. A fim de assegurar que a taxa de ocupação das unidades socioeducativas sob sua competência não ultrapasse o percentual de 100% da capacidade, caberá ao magistrado com competência para execução de medidas socioeducativas:
I – priorizar a apreciação dos pedidos de extinção, substituição ou suspensão de medidas cumpridas em unidades que estejam com ocupação máxima, formulados pela direção das unidades, pela defesa, pelo Ministério Público, pelo adolescente ou por seus pais ou responsável;
II – reavaliar, mediante designação de audiências concentradas socioeducativas para oitiva da equipe técnica, as medidas socioeducativas aplicadas a adolescentes:
a) internados exclusivamente em razão da reiteração em infrações cometidas sem violência ou grave ameaça à pessoa;
b) gestantes, lactantes, mães ou responsáveis por criança de até doze anos de idade ou por pessoa com deficiência;
c) com deficiência ou debilitados por motivo de doença grave;
d) imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos de idade ou com deficiência;
III – proceder-se à transferência do adolescente em vaga excedente para outras unidades que não estejam com capacidade de ocupação superior ao limite projetado do estabelecimento, contanto que em localidade próxima à residência dos seus familiares; e
IV – adotar outras medidas aptas a reduzir a lotação das unidades socioeducativas.
Art. 13. A transferência entre unidades socioeducativas será excepcional e devidamente fundamentada no Plano Individual de Atendimento (PIA), podendo ocorrer nas seguintes hipóteses:
I – gerenciamento de crises ou emergências identificadas pelas equipes da unidade, tais como risco iminente de morte do adolescente ou à sua integridade física, motins e rebeliões, mediante comunicação à autoridade judiciária;
II – por solicitação do adolescente ou de seus familiares ou responsáveis, em decorrência de mudança de domicílio ou outro motivo relevante, mediante decisão judicial, ouvidos o Ministério Público e a defesa; e
III – para adequação à capacidade de ocupação da unidade, nos termos do inciso III do artigo anterior, mediante decisão judicial, ouvidos o Ministério Público e a defesa.
§ 1º A transferência entre unidades não poderá ser utilizada como sanção disciplinar, sempre que possível.
§ 2º A transferência para fins de gerenciamento de crise ou emergência dar-se-á de forma excepcional e subsidiária, quando todas as tentativas de adesão à medida socioeducativa tiverem sido esgotadas pela gestão do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo, e perdurará pelo tempo estritamente necessário à superação da crise ou situação de emergência que a justificou.
§ 3º Recebida a comunicação sobre transferência realizada na hipótese do inciso I, o juiz intimará o Ministério Público e a defesa para ciência e manifestação.
§ 4º Em qualquer hipótese, a transferência entre unidades socioeducativas deverá respeitar o percentual de 100% da taxa de ocupação dos estabelecimentos socioeducativos envolvidos.
Art. 14. O Poder Judiciário envidará esforços para que, no prazo de um ano contado a partir da publicação desta Resolução, todas as unidades federativas disponham de Central de Vagas regulamentada, criada e implantada.
Art. 15. Caberá ao Tribunal de Justiça, por meio do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF) ou da Coordenadoria da Infância e Juventude (CIJ), inspecionar e fiscalizar as unidades socioeducativas, a fim de apurar o quantitativo e a qualidade das vagas disponíveis, nos termos do artigo 6º, X, da Resolução CNJ nº 214/2015.
Art. 16. Caberá ao Poder Judiciário, cooperativamente com o Poder Executivo, produzir e publicizar dados de pesquisas, relatórios, estatísticas, informativos, entre outros documentos sobre a gestão de vagas dos Sistemas Socioeducativos, resguardando dados pessoais dos adolescentes atendidos e seus familiares.
Parágrafo único. O Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ sistematizará e disponibilizará os dados constantes dos cadastros e sistemas sob sua responsabilidade.
Art. 17. O CNJ realizará campanhas e cursos de atualização para os juízes com competência para os processos de apuração de ato infracional e de execução de medidas socioeducativas sobre a importância da Central de Vagas.
Art. 18. O Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ elaborará e publicará, no prazo de até noventa dias após a publicação desta Resolução, Manual de Implementação da Central de Vagas, que versará sobre os procedimentos administrativos e judiciais para ingresso e transferência de adolescentes em conflito com a lei nas unidades socioeducativas.
Art. 19. Esta Resolução entra em vigor no prazo de 120 dias, contados de sua publicação.
Ministro LUIZ FUX