Identificação
Recomendação Nº 87 de 20/01/2021
Apelido
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Temas
Infância/Juventude; Direitos Humanos;
Ementa

Recomenda aos tribunais e magistrados a adoção de medidas no intuito de regulamentar o art. 88, V, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que dispõe sobre o atendimento inicial e integrado dos adolescentes em conflito com a lei, no âmbito do Poder Judiciário.

Situação
Vigente
Situação STF
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Origem
Presidência
Fonte
DJe/CNJ nº 17/2021, de 25/01/2021, p. 16-19.
Alteração
Legislação Correlata
Observação / CUMPRDEC / CONSULTA
 
Texto
Texto Original
Texto Compilado

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais,

CONSIDERANDO o art. 5º , incisos III, XLIII e LIV e § 3º , da Constituição Federal;

CONSIDERANDO o art. 227 da Constituição Federal, que dispõe sobre o dever da família, da sociedade e do Estado de garantir, com prioridade absoluta, os direitos da criança e do adolescente;

CONSIDERANDO o disposto no art. 7º, item 5, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969 e no art. 9, item 3, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, de 16 de dezembro de 1966;

CONSIDERANDO o disposto no art. 37 da Convenção sobre os Direitos das Crianças, de 20 de novembro de 1989, que dispõe que nenhuma criança seja privada de sua liberdade de forma ilegal ou arbitrária e que não seja submetida a tortura ou a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradante;

CONSIDERANDO a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 10 de dezembro de 1984, e seu Protocolo Facultativo, de 18 de dezembro de 2002;

CONSIDERANDO a Convenção Internacional de Todas as Formas de Discriminação Racial, Decreto no 65.810, de 08 de dezembro de 1969, especialmente no tocante à obrigação dos Estados Partes de proibir e eliminar a discriminação racial em todas as suas formas, a garantir o direito de cada uma à igualdade perante a lei sem distinção de raça, de cor ou de origem nacional ou étnica e o direito a um tratamento igual perante os tribunais ou qualquer outro órgão que administre a justiça (art. V, a);

CONSIDERANDO as Regras da Organização das Nações Unidas para Administração da Justiça Juvenil (Regras de Beijing), de 29 de novembro de 1985;

CONSIDERANDO os princípios Orientadores da Organização das Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil (Princípios de Riad), de 1990;

CONSIDERANDO as Regras Mínimas da Organização das Nações Unidas para Proteção de Jovens Privados de Liberdade (Regras de Havana), de 14 de dezembro de 1990;

CONSIDERANDO a garantia de acesso à Justiça assegurada a toda criança ou adolescente pelo art. 141 do Estatuto da Criança e do Adolescente;

CONSIDERANDO a integração operacional do Sistema de Garantia de Direitos para a qualificação do atendimento inicial a adolescentes, disposta no art. 88, V, do Estatuto da Criança e do Adolescente, de 13 de julho de 1990, e no art. 4º, VII, da Lei Federal nº 12.594 (Sinase), de 18 de janeiro de 2012;

CONSIDERANDO o disposto na Lei nº 9.455, de 07 de abril de 1997, que define os crimes de tortura;

CONSIDERANDO o disposto na Lei nº 12.847, de 2 de agosto de 2013, que institui o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (SNPCT);

CONSIDERANDO as normas gerais para atendimento ao adolescente em conflito com a lei no âmbito da internação provisória, disposto na Resolução CNJ nº 165/2012;

CONSIDERANDO a Recomendação CNJ nº 49/2014;

CONSIDERANDO o disposto na Resolução CNJ nº 213/2015;

CONSIDERANDO a deliberação do Plenário do CNJ na 79ª Sessão Virtual, realizada em 18 de dezembro de 2020, nos autos do Ato Normativo no 0009221-36.2020.2.00.0000;

 

RESOLVE:

 

Art. 1º Recomendar diretrizes e procedimentos a serem observados pelo Poder Judiciário e seus serviços auxiliares para a implementação e para o funcionamento do Atendimento Inicial Integrado ao adolescente a quem se atribua a prática de ato infracional, de modo a regulamentar o art. 88, V, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Parágrafo único. Entende-se por Atendimento Inicial Integrado o conjunto articulado de serviços e ações voltados à integração operacional dos órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Segurança Pública e da Assistência Social, responsáveis pelo atendimento inicial do adolescente a quem se atribua a prática de ato infracional, assim como do órgão gestor da política estadual de atendimento socioeducativo.

Art. 2º Recomendar aos tribunais e magistrados que o Atendimento Inicial Integrado seja prestado preferencialmente em um mesmo equipamento público, denominado Núcleo de Atendimento Integrado (NAI), composto, no mínimo, pelos órgãos e instituições mencionados no art. 1o desta Recomendação.

Parágrafo Único. Também poderão compor o NAI os órgãos dos serviços de Saúde, de Educação, de Cultura, de proteção a crianças e adolescentes ameaçados de morte e responsáveis por outras políticas sociais, bem como instituições como o Conselho Tutelar e organizações da sociedade civil.

Art. 3º Recomendar aos tribunais e magistrados que o Atendimento Inicial Integrado observe os seguintes princípios:

I –a excepcionalidade e a brevidade da imposição de medidas socioeducativas e da internação provisória;

II –a excepcionalidade da intervenção judicial;

III –a garantia à assistência jurídica, à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal;

IV –a prioridade absoluta à criança e ao adolescente;

V –o reconhecimento da condição peculiar do adolescente como pessoa em desenvolvimento e como sujeito de direito;

VI –a dignidade da pessoa humana;

VII –a atenção interinstitucional ao adolescente a quem se atribua prática de ato infracional;

VIII –a imediatidade e temporalidade da atuação socioeducativa;

IX –o fomento à adoção de medidas restaurativas;

X –o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários;

XI –a efetividade das medidas socioeducativas; e

XII –o superior interesse da criança e do adolescente.

Art. 4º Recomendar aos tribunais e magistrados que orientem o AtendimentoInicial Integrado a partir dos seguintes objetivos:

I –garantir o atendimento imediato, intersetorial, qualificado e individualizado ao adolescente a quem se atribua a prática de ato infracional, mediante abordagem e assistência em rede que preservem sua dignidade;

II – zelar pela segurança e pela integridade física e psicológica do adolescente;

III –garantir o acesso à justiça imediato ao adolescente a quem se atribua o cometimento de ato infracional;

IV – promover a qualificação da porta de entrada do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo;

V –garantir orientação e acompanhamento ao adolescente a quem se atribua a prática de ato infracional, promovendo a oportuna responsabilização por seu ato e seu direcionamento, quando for o caso, para medidas protetivas;

VI –viabilizar, ao adolescente e seus familiares ou responsáveis, o acesso às informações sobre a rede de atendimento, políticas públicas existentes e acesso à justiça;

VII –garantir o acolhimento e o acompanhamento do adolescente a quem se atribua a prática de ato infracional em local adequado à garantia de sua dignidade e que possibilite seu repouso, alimentação e atividades culturais e educativas;

VIII –fortalecer a prevenção e o combate à tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, por meio de articulação e atuação cooperativa dos órgãos listados no parágrafo único do art. 1º desta Recomendação; e

IX –fomentar o referenciamento e a inserção do adolescente e de sua família em programas e ações sociais da rede de proteção local.

Art. 5º Recomendar ao Poder Judiciário que atue de forma cooperativa com o Poder Executivo, com o Ministério Público e com a Defensoria Pública para garantir a criação e a implementação de NAIs nas capitais de todas as unidades da Federação, bem como nas comarcas com maior adensamento populacional, onde se reconheça demanda para tanto.

§1º Poderão ser implementados NAIs regionalizados que atendam duas ou mais comarcas limítrofes, desde que justificada a demanda e razoável as distâncias entre cada município e a sede do NAI, conforme disposição dos Tribunais de Justiça.

§2º Nas unidades federativas nas quais os NAIs já tenham sido criados e implementados, caberá ao Tribunal de Justiça prestar apoio institucional e operacional aos juízes com atuação junto àqueles Núcleos, a fim de garantir sua adequação aos termos desta Recomendação.

§3º Nas unidades federativas que ainda não disponham de Núcleos de Atendimento Integrado deverão ser criados fluxos de atendimento inicial integrado até a criação e implementação do NAI;

§ 4º Para as comarcas que, por suas características, não contarem com o NAI, caberá ao Tribunal de Justiça provocar o Poder Executivo, o Ministério Público, a Defensoria Pública e os órgãos do sistema de segurança pública e de assistência social local para a elaboração de Termo de Cooperação Técnica a fim de estabelecer ou organizar localmente o Atendimento Inicial Integrado ao Adolescente a quem se atribua a prática de ato infracional.

Art. 6º Recomendar aos tribunais e magistrados que o Termo de Cooperação Técnica para a criação e implementação de NAIs ou o desenvolvimento de fluxos institucionais de atendimento contemplem, no mínimo:

I –a criação de um Comitê Gestor Interinstitucional;

II –as atribuições específicas de cada órgão ou instituição participante;

III – as formas e fontes de custeio das ações conjuntas;

IV –as diretrizes do Atendimento Inicial Integrado, nos termos desta Recomendação;

V –a aprovação da proposta de atendimento nos respectivos Conselhos Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente.

VI –a previsão de espaços físicos adequados para a instalação de todos os órgãos dispostos no art. 5o desta Recomendação; e

VII – definição dos horários e regimes de funcionamento do serviço.

Art. 7º Recomendar aos magistrados que a gestão do NAI seja realizada por um Comitê Gestor Interinstitucional, que contará com a participação de representantes dos órgãos, instituições e serviços referidos no art. 3o desta Recomendação.

§1º Indica-se como competência do Comitê Gestor Interinstitucional:

I –a administração do Núcleo de Atendimento Integrado;

II –a coordenação do processo de elaboração e atualização do Regimento Interno do NAI;

III – a fiscalização do cumprimento do Termo de Cooperação Técnica;

IV –a integração entre os órgãos e serviços que compõem o NAI;

V –a regulamentação dos procedimentos e fluxos para a recepção, o acolhimento e o atendimento intersetorial do adolescente a quem se atribua prática de ato infracional;

VI –a elaboração de mecanismos de comunicação externa e interna entre os serviços e órgãos que compõem o NAI;

VII – a organização e a disponibilização de informações e dados referentes aos atendimentos realizados, resguardando o sigilo e a proteção dos dados pessoais dos adolescentes e seus familiares ou responsáveis;

VIII – a elaboração e a divulgação de relatório anual contendo dados e informações sobre os atendimentos realizados, nos termos do inciso anterior, e sobre a gestão do equipamento; e

IX. outras atividades atinentes ao bom funcionamento do equipamento.

§2º Poderão compor o Comitê Gestor Interinstitucional os representantes dos órgãos dos serviços de Saúde, de Educação, de Cultura, de proteção a crianças e adolescentes ameaçados de morte e de outras políticas sociais e de instituições como o Conselho Tutelar e organizações da sociedade civil.

Art. 8º Recomendar aos tribunais de Justiça que adotem providências para que o NAI conte com, no mínimo, uma Vara com competência exclusiva para a infância e juventude composta por quadro de magistrados e servidores suficiente à demanda local.

§1º Nas comarcas em que houver mais de uma Vara com competência exclusiva para a infância e juventude com atribuição para apuração de ato infracional, todas poderão compor o NAI, conforme disposição do Tribunal de Justiça respectivo.

§2º Recomenda-se que o quadro de servidores da Vara da Infância e Juventude conte com equipe interprofissional composta de, no mínimo, quatro profissionais.

Art. 9º Recomendar aos Tribunais de Justiça e aos magistrados que o NAI funcione preferencialmente de maneira ininterrupta, viabilizando a recepção e o acolhimento de adolescente a quem se atribua a prática de ato infracional a qualquer hora do dia, inclusive durante os finais de semana e feriados.

Parágrafo único. Recomenda-se que os Tribunais de Justiça priorizem a continuidade da prestação jurisdicional especializada junto ao NAI, designando juízes para atuação em regime de plantão durante os feriados e finais de semana.

Art. 10. Recomendar que os Termos de Cooperação Técnica previstos nesta Recomendação sejam elaborados sob a coordenação dos Tribunais de Justiça, no prazo máximo de seis meses a partir da vigência desta Recomendação.

Art. 11. O Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas elaborará manual de implantação do NAI, que versará sobre os procedimentos administrativos, judiciais e técnicos para seu pleno funcionamento no âmbito do Poder Judiciário, no prazo de 120 dias após a publicação desta Recomendação.

Art. 12. Esta Recomendação entrará em vigor no prazo de 120 dias contados de sua publicação.

 

Ministro LUIZ FUX