Estabelece diretrizes e procedimentos para a aplicação e o acompanhamento da medida de monitoramento eletrônico de pessoas.
Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992 - Convenção Americana sobre Direitos Humanos
Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos - Regras de Mandela
Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal
Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal
Decreto Federal n. 7.627, de 24 de novembro de 2011
Lei n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019
Recomendação Geral no 31 do Comitê das Nações Unidas para Eliminação da Discriminação Racial
CUMPRDEC 0007114-82.2021.2.00.0000
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições legais e regimentais,
CONSIDERANDO a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, especialmente seus dispositivos que garantem o direito à integridade pessoal, bem como à individualização da pena, com foco na readaptação social, vedando tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes (arts. 4o e 5o);
CONSIDERANDO as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos - “Regras de Nelson Mandela” -, as Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras - “Regras de Bangkok” - e as Regras Mínimas Padrão das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas Não Privativas de Liberdade - “Regras de Tóquio”;*
CONSIDERANDO os dispositivos do Decreto-Lei no 3.689/1941 - Código de Processo Penal -, e da Lei no 7.210/1984 - Lei de Execução Penal, que preveem o monitoramento eletrônico de pessoas, regulamentados pelo Decreto Federal no 7.627/2011;
CONSIDERANDO os dispositivos do Código de Processo Penal que dispõem sobre as medidas cautelares diversas da prisão, com redação conferida pela Lei no 13.964/2019;
CONSIDERANDO o reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, do estado de coisas inconstitucional do sistema prisional brasileiro (ADPF no 347);
CONSIDERANDO o verbete da Súmula Vinculante no 56 do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar os parâmetros fixados no acórdão do RE no 641.320/RS, cujo dispositivo fixou que, no caso de deficit de vagas, deverão ser determinados: (i) a saída antecipada de sentenciado do regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; e (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto;
CONSIDERANDO os relatórios produzidos pelo Subcomitê de Prevenção à Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes da ONU (CAT/OP/BRA/R.1, 2011), pelo Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária da ONU (A/HRC/27/48/Add.3, 2014), assim como o relatório sobre medidas destinadas à redução do uso da prisão preventiva nas Américas, Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (2017);
CONSIDERANDO a Recomendação Geral no 31 do Comitê das Nações Unidas para Eliminação da Discriminação Racial (2005), sobre a prevenção da discriminação racial na administração e no funcionamento do sistema de justiça penal;
CONSIDERANDO o disposto na Resolução CNJ no 213/2015, que dispõe sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, especialmente o Protocolo I, que estabelece diretrizes para a aplicação e o acompanhamento de medidas cautelares diversas da prisão, além de procedimentos para a atuação das Centrais de Monitoramento Eletrônico;
CONSIDERANDO a Resolução no 5/2017, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), que dispõe sobre a política de implantação de monitoramento eletrônico;
CONSIDERANDO os Diagnósticos de 2015 e de 2017 sobre a Política de Monitoração Eletrônica, bem como o Modelo de Gestão para a Política de Monitoração Eletrônica de Pessoas, de 2017, publicados pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Ministério da Justiça e Segurança Pública;
CONSIDERANDO a deliberação do Plenário do CNJ, no Procedimento de Ato Normativo no 0006097-45.2020.2.00.0000, na 336ª Sessão Ordinária, realizada em 17 de agosto de 2021;
RESOLVE:
Art. 1o Estabelecer diretrizes e procedimentos para a aplicação e o acompanhamento da medida de monitoramento eletrônico de pessoas.
Art. 2o Entende-se por monitoramento eletrônico o conjunto de mecanismos de restrição da liberdade de pessoas sob medida cautelar ou condenadas por decisão transitada em julgado executados por meios técnicos que permitam indicar a sua localização.
Parágrafo único. A aplicação e a execução da medida de monitoramento eletrônico de pessoas nos âmbitos pré-processual, do processo penal e da execução da pena, regem-se pelos princípios e métodos de acompanhamento previstos no Protocolo I da Resolução CNJ no 213/2015, na presente Resolução e no protocolo anexo a esta.
Art. 3o O monitoramento eletrônico poderá ser aplicado nas seguintes hipóteses:
I – medida cautelar diversa da prisão;
II – saída temporária no regime semiaberto;
III – saída antecipada do estabelecimento penal, cumulada ou não com prisão domiciliar;
IV – prisão domiciliar de caráter cautelar;
V – prisão domiciliar substitutiva do regime fechado, excepcionalmente, e do regime semiaberto; e
VI – medida protetiva de urgência nos casos de violência doméstica e familiar.
§ 1o Sempre que as circunstâncias do caso permitirem, deverá ser priorizada a aplicação de medida menos gravosa do que o monitoramento eletrônico.
§ 2o A determinação da prisão domiciliar de natureza cautelar, nos casos de saída antecipada ou em substituição à privação de liberdade em estabelecimento penal, poderá ser cumulada com a medida de monitoramento eletrônico, mediante decisão fundamentada que indique a necessidade e adequação ao caso concreto, considerando o disposto no art. 9o.
§ 3o As hipóteses previstas no caput poderão ser adotadas como medida de controle de vagas em estabelecimentos penais que estejam acima de sua capacidade máxima, em situações excepcionais.
§ 4o As pessoas menores de 18 (dezoito) anos e aquelas com até 21 (vinte e um) anos de idade, submetidas à legislação especializada em infância e juventude, não serão submetidas à medida de monitoramento eletrônico.
Art. 4º O monitoramento eletrônico, na hipótese de medida cautelar diversa da prisão, observará o art. 10, caput, da Resolução CNJ no 213/2015.
Parágrafo único. A medida será excepcional e substitutiva da prisão preventiva, sendo aplicada por tempo determinado, recomendando-se o prazo máximo de 90 (noventa) dias para reavaliação da necessidade de manutenção por igual período, nos moldes do disposto no art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal.
Art. 5o A medida de monitoramento eletrônico nos casos de saída temporária no regime semiaberto poderá ser determinada mediante decisão que indique a necessidade e adequação ao caso concreto, recomendando-se a reavaliação da medida quando não houver descumprimento anterior.
Art. 6o O período durante o qual a pessoa estiver submetida ao monitoramento eletrônico nos casos de saída antecipada ou em substituição à privação de liberdade em estabelecimento penal, com regular cumprimento das condições impostas, será considerado como tempo de cumprimento de pena, assegurando que o período total de sua aplicação não exceda o tempo para cumprimento do requisito objetivo para a progressão de regime.
Parágrafo único. A medida do monitoramento eletrônico prevista no caput poderá ser aplicada por tempo determinado, recomendando-se o prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias para reavaliação da necessidade de sua manutenção por período inferior ou igual.
Art. 7o O monitoramento eletrônico nos casos de violência doméstica e familiar tem como objetivo aprimorar a fiscalização do cumprimento das medidas determinadas com fulcro no art. 22, II e III, da Lei no 11.340/2006.
§ 1o Os limites da área de exclusão considerarão o caso concreto e buscarão compatibilizar-se com o disposto no caput do art. 9o desta Resolução.
§ 2o Recomenda-se facultar à pessoa em situação de violência doméstica e familiar o uso de Unidade Portátil de Rastreamento (UPR), com ou sem dispositivo para acionamento direto de órgãos de segurança pública, como mecanismo adicional aos serviços de monitoramento, com o objetivo de criar áreas de exclusão dinâmicas.
§ 3o As medidas protetivas de urgência serão mantidas, enquanto necessárias, mesmo no caso de negativa ou indisponibilidade para uso de UPR, a partir de áreas de exclusão fixas, determinadas judicialmente.
§ 4o Recomenda-se o encaminhamento prioritário de autores de violência doméstica e familiar contra a mulher para programas de grupos reflexivos, acompanhamento psicossocial e demais serviços previstos na Lei no 11.340/2006.
Art. 8o A medida de monitoramento eletrônico buscará assegurar a realização de atividades que contribuam para a inserção social da pessoa monitorada, especialmente:
I – estudo e trabalho, incluindo a busca ativa, o trabalho informal e o que exige deslocamentos;
II – atenção à saúde e aquisição regular de itens necessários à subsistência;
III – atividades relacionadas ao cuidado com filhos e familiares; e
IV – comparecimento a atividades religiosas.
Parágrafo único. Será priorizada a adoção de medidas distintas do monitoramento eletrônico, em conjunto com o encaminhamento voluntário à rede de proteção social, nos casos em que:
I – as circunstâncias socioeconômicas da pessoa investigada, ré ou condenada inviabilizem o adequado funcionamento do equipamento, tais como:
a) quando se tratar de pessoa em situação de rua; e
b) quando se tratar de pessoa que reside em moradia sem fornecimento regular de energia elétrica ou com cobertura limitada ou instável quanto à tecnologia utilizada pelo equipamento;
II – as condições da pessoa investigada, ré ou condenada tornarem excepcionalmente gravosa a medida, devido a dificuldades de locomoção, condições físicas ou necessidade de prestação de cuidados a terceiros, tais como:
a) quando se tratar de pessoas idosas;
b) quando se tratar de pessoas com deficiência;
c) quando se tratar de pessoas com doença grave; e
d) quando se tratar de gestante, lactante, mãe ou pessoa responsável por criança de até 12 (doze) anos ou por pessoa com deficiência.
III – as circunstâncias da pessoa investigada, ré ou condenada prejudiquem o cumprimento da medida, em razão de questões culturais, dificuldade de compreensão sobre o funcionamento do equipamento ou sobre as condições eventualmente impostas, tais como:
a) condição de saúde mental;
b) uso abusivo de álcool ou outras drogas; e
c) quando se tratar de pessoas indígenas ou integrantes de comunidades tradicionais.
Art. 9o Ao determinar a medida de monitoramento eletrônico, o juiz expedirá o respectivo mandado, nos termos do modelo anexo à presente resolução, estabelecendo, no caso de haver condições técnicas, a coleta de biometria para atualização da identificação civil e a coleta de material genético, nos termos do artigo 9o-A da Lei de Execução Penal.
Parágrafo único. Em até 180 (cento e oitenta) dias, o CNJ possibilitará a expedição do mandado de monitoramento pelos sistemas informatizados de tramitação processual.
Art. 10. O Poder Judiciário manterá interlocução constante com a Central de Monitoramento Eletrônico acerca da disponibilidade dos equipamentos de monitoramento.
§ 1o Caso não haja equipamento disponível para instalação imediata no momento do recebimento do alvará de soltura com imposição de medida de monitoramento eletrônico, a pessoa será intimada a comparecer ao órgão competente para a instalação no primeiro dia útil seguinte.
§ 2o Em caso de indisponibilidade de equipamento, o juízo deverá ser comunicado.
Art. 11. O juiz competente zelará para que o acompanhamento da medida por parte da Central de Monitoramento Eletrônico, no âmbito do Poder Executivo, observe os procedimentos previstos na Resolução CNJ no 213/2015 e no Protocolo anexo à presente Resolução, especialmente:
I – acompanhamento das condições especificadas na decisão judicial, sendo vedado à central exigir condições que não constem do pronunciamento;
II – prioridade ao cumprimento, manutenção e restauração da medida conforme determinada judicialmente, inclusive em casos de incidentes, devendo o acionamento da autoridade judicial ser subsidiário e excepcional, nos termos do artigo seguinte e do Protocolo anexo à presente Resolução;
III – atuação de equipes multidisciplinares, responsáveis por qualificar o tratamento de incidentes, mobilizar a rede de serviços de proteção social e colaborar no acompanhamento das medidas estabelecidas judicialmente, a partir da interação individualizada com as pessoas monitoradas; e
IV – adoção de padrões adequados de segurança, sigilo, proteção e uso dos dados das pessoas em monitoramento, respeitado o tratamento dos dados em conformidade com a finalidade das coletas, nos termos do art. 13.
Art. 12. O tratamento de incidentes ocorridos durante o monitoramento eletrônico observará o Protocolo anexo à presente Resolução, atendo-se aos atos estritamente necessários ao cumprimento da medida imposta, a fim de promover a eficiência e celeridade da atividade jurisdicional.
§ 1o Considera-se incidente qualquer situação que interfira no cumprimento regular da medida de monitoramento eletrônico, conforme as condições estabelecidas judicialmente.
§ 2o Os incidentes serão tratados de maneira gradativa, visando a assegurar a manutenção da medida nos termos em que determinada judicialmente e respeitando, em todas as fases, os princípios do devido processo legal, ampla defesa e proporcionalidade.
§ 3o Esgotadas as ferramentas previstas no protocolo visando ao restabelecimento do cumprimento regular da medida, sem a solução do incidente, a central notificará ao juízo detalhando as medidas adotadas, o qual poderá designar audiência de justificação.
§ 4o Nos casos de monitoramento eletrônico aplicado em situações de violência doméstica e familiar, a central poderá acionar preventivamente órgãos de segurança pública em incidentes específicos, observado o procedimento previsto no protocolo.
Art. 13. Os dados coletados durante o acompanhamento das medidas de monitoramento eletrônico possuem finalidade específica, relacionada ao cumprimento das condições estabelecidas judicialmente, podendo ser utilizados como meio de prova para apuração penal e estando, de qualquer forma, abrangidos pelo direito previsto no art. 5o, X, da Constituição Federal e legislação de proteção de dados pessoais.
§ 1o Os sistemas de registro de informações do monitoramento eletrônico serão estruturados de modo a preservar o sigilo dos dados e das informações da pessoa monitorada, da pessoa em situação de violência doméstica e familiar e de terceiros.
§ 2o O compartilhamento dos dados, inclusive com instituições de segurança pública, dependerá de autorização judicial, mediante representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público.
§ 3o Nas situações excepcionais em que configurado iminente risco à vida, os órgãos de segurança pública poderão requisitar diretamente à Central de Monitoramento Eletrônico a localização em tempo real da pessoa monitorada, hipótese em que o controle judicial do compartilhamento dos dados será realizado posteriormente.
§ 4o Nas hipóteses do parágrafo anterior, o compartilhamento de dados realizado nas circunstâncias excepcionais será formalmente registrado, com informação sobre a data e o horário do tratamento, a identidade do servidor que obteve e do que concedeu o acesso ao dado, a justificativa apresentada, bem como quais os dados tratados, a fim de permitir o controle, além de eventual auditoria.
§ 5o As informações mencionadas no parágrafo anterior serão encaminhadas pela Central de Monitoramento Eletrônico ao juízo competente em até 24 (vinte e quatro) horas após o compartilhamento.
§ 6o Nos casos de incidentes específicos ocorridos no âmbito de medidas protetivas de urgência, a Central de Monitoramento Eletrônico poderá acionar preventivamente órgãos de segurança pública e compartilhar dados relativos à identificação e localização da pessoa monitorada, nos termos do Protocolo anexo à presente Resolução.
§ 7o A Central de Monitoramento manterá os dados produzidos durante o acompanhamento de medidas de monitoramento eletrônico pelo prazo de 6 (seis) meses após o término da medida.
§ 8o O titular dos dados tem livre acesso à integralidade dos dados produzidos durante o acompanhamento de medidas de monitoramento eletrônico e à consulta facilitada sobre a forma e duração do tratamento.
Art. 14. Os tribunais expedirão os atos necessários e auxiliarão os juízes no cumprimento desta Resolução, em consideração à realidade local, podendo realizar os convênios e gestões necessárias ao seu pleno cumprimento.
Art. 15. O acompanhamento do cumprimento da presente Resolução contará com o apoio técnico do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Execução das Medidas Socioeducativas.
Art. 16. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Ministro LUIZ FUX