Identificação
Recomendação Nº 108 de 15/09/2021
Apelido
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Temas
Gestão e Organização Judiciária; Direitos Humanos;
Ementa

Recomenda aos órgãos do Poder Judiciário com competência para julgamento de questões que envolvem refúgio e migrações a observância de diretrizes estabelecidas nos tratados internacionais sobre direitos humanos, enquanto perdurar a situação de pandemia de Covid-19.

Situação
Vigente
Situação STF
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Origem
Presidência
Fonte
DJe/CNJ n° 244/2021, de 21 de setembro de 2021, p. 13-15.
Alteração
Legislação Correlata
Observação / CUMPRDEC / CONSULTA
 
Texto
Texto Original
Texto Compilado

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais;

CONSIDERANDO que cabe ao CNJ a fiscalização e a normatização do Poder Judiciário e dos atos praticados por seus órgãos (artigo 103-B, § 4o, I, II e III, da CF);

CONSIDERANDO que os tratados internacionais sobre direitos humanos no Brasil têm natureza supralegal, estando abaixo da Constituição e acima da legislação interna, tornando inaplicável, desse modo, toda a legislação infraconstitucional com eles conflitante;

CONSIDERANDO a obrigação do Estado brasileiro de assegurar a toda pessoa o direito de buscar asilo em território estrangeiro, segundo o art. 22, item 7, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), promulgada pelo Decreto no 678/1992;

CONSIDERANDO o art. 8o da Lei no 9.474/1997, o qual estabelece que o ingresso irregular no território nacional não constitui impedimento para o estrangeiro solicitar refúgio às autoridades competentes;

CONSIDERANDO o art. 33, item 1, da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, promulgada pelo Brasil pelo Decreto no 50.215/1961 e regulamentado pela Lei no 9.474/1997, bem como o art. 22, item 8, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que dispõem sobre a proteção contra a devolução (refoulement) de estrangeiro a outro país onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação;

CONSIDERANDO que a Corte Interamericana de Direitos Humanos na Opinião Consultiva OC- 25/18 reconheceu que o direito de solicitar e receber asilo, ao abrigo do estatuto de refugiado, impõe aos Estados certos deveres específicos, entre outros a obrigação de não retorno (não devolução) e sua aplicação extraterritorial;

CONSIDERANDO que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Pacheco Tineo vs. Bolívia, estabeleceu, à luz da normativa internacional, que um procedimento que pode resultar na expulsão ou deportação de um estrangeiro deve ser de natureza individual e deve observar garantias mínimas, entre elas, ser informado sobre as razões da expulsão ou deportação; ser informado sobre os direitos, incluindo a possibilidade de solicitar e receber assistência jurídica; no caso de uma decisão desfavorável, o direito de revisão do caso perante a autoridade competente, comparecer ou ser representado perante ela para o efeito, e deportação efetuada somente após decisão fundamentada de acordo com o à lei e devidamente notificada;

CONSIDERANDO a assinatura de memorando de entendimento entre o CNJ e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) para a colaboração ampla e direta entre os dois órgãos, a partir do interesse mútuo em promover, velar e difundir as normas internacionais e a jurisprudência dos tribunais de Direitos Humanos, com ênfase para aquelas oriundas do Sistema Interamericano de Direitos Humanos;

CONSIDERANDO o art. 50, item 1, da Lei no 13.445/ 2017, que estabelece que a deportação será precedida de notificação pessoal ao deportando, da qual constem, expressamente, as irregularidades verificadas e prazo para a regularização não inferior a 60 (sessenta) dias, podendo ser prorrogado, por igual período;

CONSIDERANDO a declaração pública de situação de pandemia em relação ao novo Coronavírus pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março de 2020, assim como a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional da mesma OMS, em 30 de janeiro de 2020, a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) veiculada pela Portaria no 188/GM/MS, em 4 de fevereiro de 2020, e o previsto na Lei no 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo Coronavírus;

CONSIDERANDO a vigência da Portaria Interministerial no 652/2021, que estabelece critérios de restrição de entrada para pessoas oriundos da República Bolivariana da Venezuela por meio terrestre, bem como provenientes de outros países da região, por motivos sanitários relacionados com os riscos de contaminação e disseminação do Coronavírus – Covid-19;

CONSIDERANDO a existência, em território nacional, de decisões judiciais conflitantes sobre a aplicação e alcance da Portaria Interministerial no 652/2021;

CONSIDERANDO que qualquer restrição a direitos humanos por razões de saúde pública deve estar prevista em lei e atender requisitos de necessidade, proporcionalidade e não discriminação;

CONSIDERANDO o deliberado pelo Plenário do CNJ no procedimento Ato no 0004775-53.2021.2.00.0000, na 92ª Sessão Virtual, finalizada em 10 de setembro de 2021;

 

RESOLVE:

 

Art. 1o Recomendar aos órgãos do Poder Judiciário com competência para julgamento de questões que envolvem refúgio e migrações, especialmente aquelas que versem sobre a restrição excepcional e temporária de entrada de estrangeiros no país, que, enquanto perdurar a situação de pandemia de Covid-19, avaliem com especial cautela o deferimento de tutela de urgência que tenha por objeto pedido de asilo no Brasil, sobretudo nas hipóteses que acarretarem deportação, devolução, expulsão ou repatriação ao país de origem ou a qualquer outro país.

Art. 2o Recomendar aos órgãos do Poder Judiciário que avaliem com especial cautela as consequências jurídicas de restrição de ingresso de estrangeiros em território nacional à luz das garantias do devido processo legal, estabelecidas na Lei de Migração (Lei no 13.445/2017).

Art. 3o Recomendar aos órgãos do Poder Judiciário que, antes de decidir, verifiquem se estão atendidas as diretrizes estabelecidas nos tratados internacionais sobre direitos humanos e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal existente sobre o tema.

Art. 4o Esta Recomendação entra em vigor na data de sua publicação.

 

Ministro LUIZ FUX