Identificação
Resolução Nº 497 de 14/04/2023
Apelido
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Temas
Acesso à Justiça e Cidadania; Funcionamento dos Órgãos Judiciais; Responsabilidade Social; Direitos Humanos;
Ementa

Institui, no âmbito do Poder Judiciário Nacional, o Programa “Transformação”, estabelece critérios para a inclusão, pelos Tribunais e Conselhos, de reserva de vagas nos contratos de prestação de serviços continuados e terceirizados para as pessoas em condição de vulnerabilidade.

Situação
Vigente
Situação STF
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Origem
Presidência
Fonte
DJe/CNJ nº 79/2023, de 20 de abril de 2023, p. 2-5.
Alteração
Legislação Correlata
Observação / CUMPRDEC / CONSULTA

SEI n. 00040/2023.

Cumprdec 0002989-03.2023.2.00.0000.

 
Texto
Texto Original
Texto Compilado

A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais,

CONSIDERANDO os fundamentos da República da dignidade da pessoa humana, da cidadania e do valor social do trabalho, fundamentais para a redução das desigualdades sociais e promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, identidade de gênero, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação esculpidos na Constituição Federal de 1988;

CONSIDERANDO que a Convenção Interamericana contra toda forma de Discriminação e Intolerância, internalizado no Brasil pelo Decreto n. 10.932/2022, prevê expressamente a obrigação dos Estados Partes em adotar “políticas especiais e ações afirmativas necessárias para assegurar o gozo ou exercício dos direitos e liberdades fundamentais das pessoas ou grupos sujeitos ao racismo, à discriminação racial e formas correlatas de intolerância, com o propósito de promover condições equitativas para a igualdade de oportunidades, inclusão e progresso para essas pessoas ou grupos; e de adotar legislação que defina e proíba expressamente não só o racismo, mas também todas as “formas correlatas de intolerância, aplicável a todas as autoridades públicas, e a todos os indivíduos ou pessoas físicas e jurídicas, tanto no setor público como no privado, especialmente nas áreas de emprego, participação em organizações profissionais, educação, capacitação, moradia, saúde, proteção social, exercício de atividade econômica e acesso a serviços públicos, entre outras, bem como revogar ou reformar toda legislação que constitua ou produza racismo, discriminação racial e formas correlatas de intolerância;

CONSIDERANDO que o art. 3º do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais prevê a obrigação dos Estados Membros no presente Pacto de assegurar a homens e mulheres igualdade no gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais ali enumerados;

CONSIDERANDO a Convenção n. 118 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1962, sobre igualdade de tratamento dos nacionais e não nacionais em matéria de previdência social;

CONSIDERANDO os termos da Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) internalizada por meio do Decreto n. 5.051/2004, e consolidada pelo Decreto n. 10.088/2019; o Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais (PIDESC) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), internalizados pelo Decreto-Legislativo n. 226/1991, e consolidados, respectivamente, pelos Decretos n. 591 e 592, ambos de 1992, e demais normativas internacionais, bem como as jurisprudências que tratam sobre os direitos dos povos indígenas;

CONSIDERANDO as disposições insertas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), consolidada pelo Decreto n. 678/1992; na Convenção para a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, consolidada no Decreto n. 65.810/1969; e na Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais da Unesco, internalizada pelo Decreto n. 6.177/2007, e consolidada pelo Decreto n. 10.088/2019;

CONSIDERANDO que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), promulgada pelo Decreto n. 678/1992, em seus arts. 3º, 4º, 5º, 8º, 21, 25 e 26 confere proteção específica aos povos indígenas;

CONSIDERANDO a Declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos camponeses, das camponesas e outras pessoas que trabalham em áreas rurais;

CONSIDERANDO os termos da Convenção Interamericana Contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância, especialmente em seus arts. 5º e 6º, que exigem tratamento equitativo e políticas afirmativas em favor de pessoas ou grupos sujeitos à discriminação ou intolerância;

CONSIDERANDO que esses e outros instrumentos internacionais que integram o sistema especial de proteção requerem a implementação de ações afirmativas como uma forma de proteção específica e concreta que transcenda a concepção meramente formal e abstrata de igualdade e que tem como objetivo o alcance efetivo da igualdade material e substantiva em prol de grupos socialmente vulneráveis;

CONSIDERANDO ser atribuição do poder público desenvolver políticas para garantia dos direitos fundamentais das mulheres nas relações domésticas e familiares, resguardando-as contra práticas de discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, nos termos do art. 3º, § 1º, da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha);

CONSIDERANDO a inserção de ações afirmativas na Lei n. 14.133/2021 (Lei de Licitações) que regulamentou a possibilidade de reserva de percentual mínimo de mão de obra nos contratos de terceirização, no âmbito da administração pública, por categorias de pessoas vulneráveis, dentre elas mulheres vítimas de violência doméstica e oriundos ou egressos do sistema prisional;

CONSIDERANDO que a Lei n. 9.474/1997, chamada “Lei do Refúgio”, garante o acesso aos direitos trabalhistas a pessoas refugiadas e que a busca por proteção internacional e meios de integração na nova sociedade por quem foi forçado a abandonar suas casas tem como principal mecanismo de reinclusão a reinserção no mercado de trabalho para a autossuficiência de suas famílias;

CONSIDERANDO que a Lei n. 13.445/2017 ( Lei de Migração), afirma entre os princípios e diretrizes da política migratória brasileira, a universalidade, a indivisibilidade e a interdependência dos direitos humanos, a acolhida humanitária, o fortalecimento da integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, mediante constituição de espaços de cidadania e de livre circulação de pessoas e a cooperação internacional com Estados de origem, de trânsito e de destino de movimentos migratórios, a fim de garantir efetiva proteção aos direitos humanos do migrante;

CONSIDERANDO também os alarmantes dados do Dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais Brasileiras - ANTRA/2022 sobre Assassinatos e Violências Contra Travestis e Transexuais Brasileiras que informa que o Brasil figura pelo 14º ano consecutivo como o país que mais mata pessoas trans no mundo e que a expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil não ultrapassa os 35 (trinta e cinco) anos de idade;

CONSIDERANDO os dados do Relatório Anual do ACNUR de 2022 que informam que até junho de 2022 havia 61.731 pessoas refugiadas reconhecidas no Brasil, sendo que 49.829 eram pessoas refugiadas venezuelanas;

CONSIDERANDO a Resolução CNJ n. 400/2021, que estabelece a Política de Sustentabilidade do Poder Judiciário no qual as ações socialmente justas e inclusivas devem promover a equidade e a diversidade por meio de políticas afirmativas não discriminatórias, de forma a assegurar aos quadros de pessoal e auxiliar, às partes e aos usuários do Poder Judiciário, o pleno respeito à identidade e expressão de gênero, religião, estado civil, idade, origem social, opinião política, ascendência social, etnia, e outras condições pessoais;

CONSIDERANDO a deliberação do Plenário do CNJ no Ato Normativo n. 0001930-77.2023.2.00.0000, na 5ª Sessão Ordinária, realizada em 11 de abril de 2023;

 

RESOLVE:

 

CAPÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES INICIAIS

Art. 1º Instituir, no âmbito do Poder Judiciário Nacional, à exceção do Supremo Tribunal Federal, o Programa “Transformação”, em caráter nacional, permanente e de fluxo contínuo, que passa a ser regulamentado por esta Resolução, e que tem como objetivo fomentar a adoção de políticas afirmativas as que possibilitem a redução das desigualdades e inclusão social no mercado de trabalho de mulheres integrantes de grupos vulneráveis.

Art. 2º Para fins desta Resolução, entende-se como mulheres em condição de especial vulnerabilidade econômico-social:

I – mulheres vítimas de violência física, moral, patrimonial, psicológica ou sexual, em razão do gênero, no contexto doméstico e familiar;

II – mulheres trans e travestis;

III – mulheres migrantes e refugiadas;

IV – mulheres em situação de rua;

V – mulheres egressas do sistema prisional; e

VI – mulheres indígenas, campesinas e quilombolas.

 

CAPÍTULO II

DO OBJETO DO PROGRAMA

Art. 3º O programa consiste na reserva, pelos Tribunais e Conselhos, de no mínimo 5% (cinco por cento) das vagas nos contratos que envolvam prestação de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, nos termos do disposto no inciso XVI do caput do art. 6º da Lei n. 14.133/2021, para as mulheres incluídas em uma das situações previstas no art. 2º desta Resolução.

§ 1º Pelo menos metade do total de vagas reservadas deverão ser destinados a mulheres vítimas de violência no contexto doméstico e familiar;

§ 2º As demais vagas reservadas deverão ser preenchidas por mulheres integrantes dos grupos indicados nos incisos II a VI do art. 2º, cabendo a definição ao Tribunal ou Conselho, observadas as peculiaridades regionais.

§ 3º As vagas serão destinadas prioritariamente a mulheres pretas e pardas.

§ 4º O disposto no caput aplica-se a contratos com quantitativos mínimos de 25 (vinte e cinco) colaboradores.

§ 5º O percentual mínimo de mão de obra estabelecido no caput deverá ser mantido durante toda a execução contratual.

§ 6º A indisponibilidade de mão de obra com a qualificação necessária para atendimento do objeto contratual não caracteriza descumprimento do disposto no caput.

 

CAPÍTULO III

DA IDENTIFICAÇÃO DAS MULHERES EM CONDIÇÃO DE VULNERABILIDADE

Art. 4º Para identificação das mulheres em situação de vulnerabilidade previstas no art. 2º, os Tribunais e os Conselhos poderão estabelecer parcerias, por meio de convênios, acordo de cooperação técnica ou outros instrumentos, com instituições públicas, organizações da sociedade civil ou, ainda, com outros organismos e instituições credenciadas que atuem na atenção aos grupos mencionados, em observância às diretrizes das políticas públicas pertinentes.

§ 1º Os referidos acordos de cooperação técnica ou outros instrumentos deverão possibilitar que as empresas contratadas tenham acesso a cadastros das mulheres em situação de vulnerabilidade que atendam aos requisitos profissionais necessários para o exercício da atividade objeto de contrato, a fim de viabilizar a participação dessas pessoas no processo seletivo para a contratação.

§ 2º A situação de vulnerabilidade das trabalhadoras contratadas em atendimento ao Programa Transformação será mantida em sigilo pela empresa contratada, pelos Tribunais e pelo Conselho Nacional de Justiça, assegurando-se que o tratamento dos dados respeite as normas atinentes à proteção de dados pessoais.

§ 3º Os Tribunais ou Conselhos contratantes deverão promover ações de conscientização de seu corpo funcional e, em especial, dos gestores de contratos, com vistas a evitar qualquer tipo de discriminação, em razão da condição vivenciada pelas mulheres integrantes dos grupos descritos no art. 2º.

 

CAPÍTULO IV

DA CONTRATAÇÃO DE EMPRESAS PARA A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

Art. 5º No âmbito do Poder Judiciário Nacional, os editais de licitação que visem à contratação de empresas para a prestação de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra conterão cláusula estipulando a reserva de vagas de que trata o Capítulo II desta Resolução, durante toda a execução contratual

§ 1º O disposto no caput aplica-se também às hipóteses de dispensa ou inexigibilidade de licitação, para o mesmo objeto.

§ 2º Será obrigatória a inserção da cláusula de que trata o caput deste artigo para as contratações cujos editais sejam publicados 90 (noventa) dias após a publicação desta Resolução.

Art. 6º Os editais de licitação e avisos de contratação direta deverão prever a forma pela qual as empresas contratadas comprovarão aos Tribunais e Conselhos o cumprimento da presente Resolução.

 

CAPÍTULO V

DAS AÇÔES DE EQUIDADE ENTRE HOMENS E MULHERES

Art. 7º Os Departamentos de Gestão Estratégica e de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça deverão estabelecer indicadores relativos à equidade, diversidade e inclusão, a serem previstos no Plano de Logística Sustentável dos órgãos do Poder Judiciário, conforme disposto na Resolução CNJ n. 400/2021, art. 7º, “i”.

Parágrafo único. No sentido de fomentar a efetividade do Programa Transformação, a temática tratada nesta Resolução deverá ser incluída no Prêmio CNJ de Qualidade.

Art. 8º O desenvolvimento, pelo licitante, de ações de equidade entre mulheres e homens no ambiente de trabalho será critério de desempate em processos licitatórios, nos termos do disposto no inciso III e caput do art. 60 da Lei n. 14.133/2021.

Parágrafo único. Para fins do disposto no caput, serão consideradas ações de equidade, respeitada a seguinte ordem:

I – medidas de inserção, de participação e de ascensão profissional igualitária entre mulheres e homens, incluída a proporção de mulheres em cargos de direção do licitante;

II – ações de promoção da igualdade de oportunidades e de tratamento entre mulheres e homens em matéria de emprego e ocupação;

III – igualdade de remuneração e paridade salarial entre mulheres e homens;

IV – práticas de prevenção e de enfrentamento do assédio moral e sexual;

V – programas destinados à equidade de gênero e de raça; e

VI – ações em saúde e segurança do trabalho que considerem as diferenças entre os gêneros.

Art. 9º Os Tribunais e Conselhos poderão, de acordo com suas peculiaridades regionais, editar normas complementares necessárias à execução do disposto nesta Resolução.

Art. 10. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

 

Ministra ROSA WEBER