Identificação
Resolução Nº 582 de 20/09/2024
Apelido
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Temas
Ementa

Institui o Fórum Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ e o Formulário de Registro de Ocorrência Geral de Emergência e Risco Iminente às Pessoas LGBTQIA+ (Formulário Rogéria) no âmbito do Poder Judiciário, e dá outras providências.

Situação
Vigente
Situação STF
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Origem
Presidência
Fonte
DJe/CNJ n. 254/2024, de 17 de outubro de 2024, p. 2-13 (republicação).
Alteração
Legislação Correlata
Observação / CUMPRDEC / CONSULTA

Publicada originariamente no DJe/CNJ n. 228/2024, de 24 de setembro de 2024, p. 2-5.

Republicada, com Anexo, no DJe/CNJ n. 254/2024, de 17 de outubro de 2024, p. 6-13, conforme Despacho 1998218 do Processo SEI n. 00253/2024.

 
Texto
Texto Original
Texto Compilado

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais,

CONSIDERANDO que a Constituição Federal de 1988 estabelece como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, incisos I e IV);

CONSIDERANDO que a Constituição Federal de 1988 assegura, em seu art. 5º, o princípio da igualdade material entre as pessoas perante o ordenamento jurídico;

CONSIDERANDO os princípios de direitos humanos consagrados em documentos e tratados internacionais, em especial a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966), o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), o Protocolo de São Salvador (1988) e a Declaração da Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata (Durban, 2001);

CONSIDERANDO os Princípios de Yogyakarta sobre a Aplicação da Legislação Internacional de Direitos Humanos em relação à Orientação Sexual e Identidade de Gênero (Yogyakarta, 2006), cujo Postulado 8 propõe a implementação de programas de conscientização para atores do sistema de justiça sobre os padrões internacionais de direitos humanos e princípios de igualdade e não discriminação, inclusive em relação à orientação sexual e identidade de gênero;

CONSIDERANDO a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que, na Opinião Consultiva OC-24/7, de 24 de novembro de 2017, solicitada pela República de Costa Rica, expressamente asseverou que a orientação sexual, a identidade de gênero e a expressão de gênero são categorias protegidas pelo artigo 1.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos, estando portanto vedada qualquer norma, ato ou prática discriminatória baseada na orientação sexual ou na identidade de gênero das pessoas (item 68), e que, ainda, a Corte Interamericana asseverou que dentre os fatores que definem a identidade sexual e de gênero de uma pessoa se apresenta como prioridade o fator subjetivo sobre seus caracteres físicos ou morfológicos (fator objetivo);

CONSIDERANDO o glossário adotado pelas Nações Unidas no movimento Livres e Iguais, que indica os termos referentes à população LGBTQIA+ e conceitos de orientação sexual e identidade de gênero;

CONSIDERANDO a publicação do Decreto nº 8.727/2016, da Presidência da República, que dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional;

CONSIDERANDO a decisão proferida na ADI nº 4275, em que o Supremo Tribunal Federal reconheceu à pessoa transgênero a possibilidade de alteração de registro civil sem mudança de sexo, e a decisão proferida no RE nº 670.422;

CONSIDERANDO a Resolução CNJ nº 270/2018, que dispõe sobre o uso do nome social pelas pessoas trans, travestis e transexuais usuárias dos serviços judiciários, membros, servidores, estagiários e trabalhadores terceirizados dos tribunais brasileiros;

CONSIDERANDO a deliberação do Plenário do CNJ, no Procedimento de Ato Normativo nº 0003733-03.2020.2.00.0000, na 74ª Sessão Virtual, realizada em 2 de outubro de 2020;

CONSIDERANDO a deliberação do Plenário do CNJ, no Procedimento de Consulta nº 0002449-52.2023.2.00.0000, na 2ª Sessão Virtual, realizada em 1º de março de 2024;

CONSIDERANDO o alto grau de vulnerabilidade jurídica, social e econômica das pessoas LGBTQIA+;

CONSIDERANDO a necessidade do desenvolvimento de políticas judiciárias que visem efetivar os direitos humanos das pessoas LGBTQIA+ no sentido de protegê-la na sua máxima expressão da cidadania e resguardá-la de toda forma de discriminação e intolerância;

CONSIDERANDO a importância de assegurar tratamento adequado aos conflitos que envolvam pessoas LGBTQIA+;

CONSIDERANDO a premência de identificação dos fatores que indiquem o risco às pessoas LGBTQIA+ vir a sofrer novos e reiterados atos de violência ou tornar-se vítima de homofobia ou transfobia, no intuito de subsidiar a atuação do sistema de justiça e das redes de assistência e proteção na gestão do risco identificado;

CONSIDERANDO a necessidade de se padronizar e de se disponibilizar, nacionalmente, um formulário que, fundado em critérios técnico-científicos, possa auxiliar os atores do Sistema de Justiça a identificarem o risco do cometimento de um ato de violência contra as pessoas LGBTQIA+, bem como sua gravidade, para eventual requerimento e imposição de medida protetiva de urgência e/ou cautelar;

CONSIDERANDO a imprescindibilidade da implantação de modelo único de Formulário de Registro de Ocorrência Geral de Emergência e Risco Iminente às pessoas LGBTQIA+;

CONSIDERANDO a decisão proferida pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça no julgamento do Procedimento de Ato Normativo nº 0005419-88.2024.2.00.0000, na 4ª Sessão Extraordinária, realizada em 17 de setembro de 2024;

 

RESOLVE:

 

CAPÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º Fica instituído, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, o Fórum Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, em caráter nacional e permanente, com a atribuição de elaborar estudos e propor medidas para o aperfeiçoamento das diretrizes e ações de ampliação do acesso ao sistema de justiça por pessoas LGBTQIA+, bem como o efetivo combate a situações de homofobia e transfobia.

Art. 2º Caberá ao Fórum Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+:

I – propor medidas para o aprimoramento da prestação jurisdicional, incluindo-se a edição de atos normativos voltados à implantação e modernização de rotinas, estruturação e especialização de juízos e órgãos competentes para a condução de processos que envolvam os direitos das pessoas LGBTQIA+;

II – propor a criação, o aprimoramento e a uniformização de métodos, técnicas e instrumentos de trabalho, tais como projetos, grupos de trabalho, pesquisas, acordos de cooperação e sistemas de informação, a serviço do Judiciário e da rede de proteção das pessoas LGBTQIA+;

III – congregar membros da magistratura, do Ministério Público, da Defensoria e da Advocacia com atuação em prevenção e enfrentamento à violência contra as pessoas LGBTQIA+; e

VI – manter relações institucionais e intercâmbio com órgãos e entidades de natureza pública ou privada, jurídica e social, do país e do exterior, cuja atuação tenha como objeto a prevenção e o enfrentamento da violência contra pessoas LGBTQIA+, especialmente nas áreas de direitos humanos, segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação.

Art. 3º As deliberações do Fórum de que trata essa Resolução serão tomadas em reuniões previamente agendadas e aprovadas por maioria simples de votos.

Art. 4º O Fórum Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ será composto no mínimo pelos seguintes integrantes:

I – um(a) Conselheiro(a), Presidente da Comissão Permanente de Políticas de Prevenção às Vítimas de Violências, Testemunhas e de Vulneráveis, que presidirá o Fórum;

II – dois juízes(as) auxiliares da Presidência do CNJ;

III – dois juízes(as) auxiliares da Corregedoria Nacional de Justiça;

IV – um(a) magistrado(a) indicado(a) pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam);

V – um(a) magistrado(a) indicado(a) pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat);

VI – um(a) magistrado(a) indicado(a) pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados da Justiça Militar da União (Enajum);

VII – dois magistrados(as), escolhidos(as) dentre aqueles(as) com experiência na área de promoção dos direitos das pessoas LGBTQIA+;

VIII – um(a) membro do Ministério Público, indicado(a) pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP);

IX – um(a) representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), indicado(a) pelo Conselho Federal da OAB;

X – um(a) representante da Defensoria Pública;

XI – um(a) representante do Ministério da Justiça e Segurança Pública;

XII – um(a) representante do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania; e

XIII – três representantes de entidades da sociedade civil organizada com reconhecida atuação na promoção dos direitos das pessoas LGBTQIA+.

§ 1º Os integrantes do Fórum serão indicados pelo(a) Presidente do CNJ, ouvido o(a) Presidente do Fórum.

§ 2º O Fórum poderá contar com o apoio de outras autoridades e especialistas das áreas correlatas, incluindo representantes de universidades e instituições de pesquisa.

Art. 5º Para dotar o Fórum dos meios necessários ao fiel desempenho de suas atribuições, o CNJ poderá firmar termos de acordo de cooperação técnica ou convênios com o Ministério Público, a Defensoria Pública, o CFOAB, bem como com o Poder Executivo, em especial o Ministério da Justiça e Segurança Pública e o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

 

CAPÍTULO II

DO COMITÊ EXECUTIVO

Art. 6º Para viabilizar a atuação do Fórum previsto no artigo anterior, ato específico da Presidência designará um Comitê Executivo com a seguinte composição:

I – um membro da Comissão Permanente de Políticas de Prevenção às Vítimas de Violências, Testemunhas e de Vulneráveis, como Coordenador(a) do Comitê Executivo;

II – um membro da Comissão Permanente de Democratização e Aperfeiçoamento dos Serviços Judiciários;

III – um membro da Comissão Permanente de Políticas Sociais e de Desenvolvimento do Cidadão;

IV – um(a) juiz(a) auxiliar da Presidência, designado(a) para auxiliar no acompanhamento e monitoramento da Política Judiciária Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+;

V – um(a) juiz(a) auxiliar da Presidência, com atuação no Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF);

VI – um(a) juiz(a) auxiliar da Presidência, com atuação na Secretaria Especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica (SEP/DPJ);

VII – um(a) juiz(a) auxiliar da Corregedoria; e

VIII – um(a) servidor(a) do CNJ responsável por secretariar as suas atividades.

 

CAPÍTULO III

DO FORMULÁRIO DE REGISTRO DE OCORRÊNCIA GERAL DE EMERGÊNCIA E RISCO IMINENTE ÀS PESSOAS LGBTQIA+ (FORMULÁRIO ROGÉRIA)

Art. 7º Fica instituído, com o intuito de monitoramento, prevenção e enfrentamento de qualquer forma de violência praticada contra pessoas LGBTQIA+, o Formulário de Registro de Ocorrência Geral de Emergência e Risco Iminente às pessoas LGBTQIA+ (Formulário Rogéria), conforme modelo anexo a esta Resolução.

Art. 8º O Formulário Rogéria, instituído pelo CNJ, tem por objetivo identificar os fatores que indiquem o risco às pessoas LGBTQIA+ virem a sofrer qualquer forma de afronta a direitos, violência, emergência ou risco, devendo ser preservado, em qualquer hipótese, o sigilo das informações.

Art. 9º O Formulário Rogéria será disponibilizado eletronicamente na Plataforma Digital do Poder Judiciário (PDPJ-Br), instituída pela Resolução CNJ nº 335/2020, observada a interoperabilidade com outros sistemas de processo eletrônico.

Parágrafo único. Na impossibilidade de acesso ao formulário eletrônico, deverá ser aplicada a sua versão impressa.

Art. 10. A partir dos Termos de Cooperação próprios a serem firmados na forma do disposto no art. 5º desta norma, o Formulário Rogéria deverá ser aplicado em todas as situações de acolhimento a pessoas LGBTQIA+ potencialmente vítimas de violência, em especial, nos momentos de registro de ocorrência policial.

§ 1º No momento da aplicação do Formulário Rogéria, os profissionais responsáveis pelo atendimento deverão prestar os auxílios necessários à exata compreensão dos termos constantes do formulário, com o uso de linguagem simples, direta e compreensível.

§ 2º Caberá ao Fórum Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ promover os ajustes necessários no Formulário Rogéria, a partir das questões identificadas em sua atuação.

Art. 11. Após o preenchimento e em conformidade com os termos de cooperação específicos a serem firmados, o Formulário Rogéria será anexado, por meio de fluxo automatizado, aos inquéritos e aos procedimentos relacionados à prática de atos de violência contra pessoas LGBTQIA+, para subsidiar a apreciação judicial de pedidos de medida de urgência e/ou cautelar, bem como a atuação do Ministério Público e dos demais integrantes da rede de proteção.

Art. 12. O CNJ, por meio do Comitê Executivo do Fórum Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, promoverá a capacitação em direitos fundamentais, com uma perspectiva antidiscriminatória, de magistrados e servidores que atuem em Juizados e Varas que detenham competência para apreciar a temática, com vistas à adequada utilização do Formulário Rogéria e à gestão do risco que por seu intermédio for identificado.

§ 1º Os cursos de capacitação serão ministrados, presencialmente e à distância, pelo Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Servidores do Poder Judiciário (CEAJud), pela Enfam e pelas Escolas de Magistratura, Escolas Judiciais e Escolas dos Ministérios Públicos da União e dos Estados.

§ 2º Em todos os eventos de capacitação, tanto o material didático quanto as aulas deverão adotar linguagem simples, direta e compreensível a todos os cidadãos, com uso de Língua Brasileira de Sinais (Libras) e audiodescrição nas transmissões presenciais e remotas.

Art. 13. Os dados estatísticos obtidos a partir da aplicação do Formulário Rogéria, compilados pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ/CNJ) por meio de fluxo automatizado, que permita o preenchimento e posterior aproveitamento de dados em meio digital, serão disponibilizados com fim de orientar o desenvolvimento e o aperfeiçoamento das políticas públicas de prevenção e de enfrentamento dos crimes e demais atos praticados no contexto de violência contra as pessoas LGBTQIA+, preservado o sigilo da identidade das vítimas.

Art. 14 Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

 

Ministro Luís Roberto Barroso

 

ANEXO DA RESOLUÇÃO Nº 582, DE 20 DE SETEMBRO DE 2024