Dispõe sobre o dever de reconhecer e retificar os assentos de óbito de todos os mortos e desaparecidos vítimas da ditadura militar.
SEI n. 12359/2024
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ) e o CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (CN), no uso de suas atribuições constitucionais e regimentais,
CONSIDERANDO a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o direito à verdade e à memória, especialmente em contextos de justiça de transição (e.g., caso Bámaca Velásquez vs. Guatemala, sentença de 25.11.2000);
CONSIDERANDO a competência do CNJ para expedir atos regulamentares, receber e conhecer das reclamações contra órgãos prestadores de serviços notariais e de registro (CF/1988, art. 103-B, § 4º, I e III);
CONSIDERANDO o disposto nos arts. 1º e 3º da Lei nº 9.140/1995, que reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988;
CONSIDERANDO a Lei nº 12.528/2011, que criou a Comissão Nacional da Verdade, bem como seu Relatório Final e sua Recomendação nº 7, que prevê a “retificação da anotação da causa de morte no assento de óbito de pessoas mortas em decorrência de graves violações de direitos humanos”;
CONSIDERANDO o disposto nos arts. 77, 80, 110 e 112 da Lei nº 6.015/1973 (Lei dos Registros Públicos);
CONSIDERANDO a deliberação do Plenário do CNJ no Ato Normativo nº 0005496-97.2024.2.00.0000, na 16ª Sessão Ordinária, realizada em 10 de dezembro de 2024;
RESOLVEM:
Art. 1º Determinar aos cartórios de registro civil das pessoas naturais a lavratura e a retificação dos assentos de óbitos das pessoas mortas e desaparecidas políticas, nos termos da Lei nº 9.140/1995 e da Lei nº 12.528/2011.
Art. 2º Para fins do disposto no art. 80 da Lei nº 6.015/1973, as lavraturas e retificações dos assentos de óbitos de que trata o art. 1º serão baseadas nas informações constantes do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, sistematizadas na declaração da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP).
§ 1º Em atendimento ao disposto no item 8º, do art. 80 da Lei nº 6.015/1973, deverá constar como atestante a CEMDP e, como causa da morte, o seguinte: “não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial instaurado em 1964.”
§ 2º A omissão de dados previstos no art. 80 da Lei n° 6.015/1973 não obstará o registro do óbito, os dados faltantes poderão ser inseridos posteriormente por averbação, a partir de requerimento e apresentação de documentação comprobatória por pessoa interessada, sem a necessidade de autorização judicial.
Art. 3º O CNJ enviará esta Resolução e o Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, acompanhados da declaração sistematizada da CEMDP, ao Operador Nacional do Registro Civil de Pessoas Naturais (ONRCPN), que remeterá a determinação do CNJ aos cartórios lá relacionados, os quais terão o prazo de 30 (trinta) dias para lavratura do assento de óbito, no caso de inexistência de registro, ou retificação, no caso de óbito já registrado em desconformidade com esta Resolução.
§ 1º A remessa prevista no caput se dará aos cartórios dos locais de falecimento das pessoas mortas e desaparecidas políticas relacionados no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade.
§ 2º No caso de local de morte incerto ou não sabido, o envio se dará ao cartório de domicílio da pessoa interessada, nos termos do art. 3º da Lei nº 9.140/1995.
§ 3º Na ausência das informações, a remessa se dará ao cartório responsável pela lavratura do nascimento das pessoas mortas e desaparecidas políticas constantes no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade.
§ 4º Em qualquer dos casos dos §§ 1º e 2º, havendo mais de um cartório de registro civil das pessoas naturais no local indicado para o registro, o envio deverá ser feito ao cartório do 1º ofício ou subdistrito da comarca.
§ 5º Após o registro ou a retificação, o cartório enviará a certidão de óbito respectiva, em meio digital, ao ONRCPN, que encaminhará à CEMDP.
§ 6º Não serão devidas custas e emolumentos pela lavratura, retificação e emissão da certidão de óbito nos termos desta Resolução, garantido, entretanto, o ressarcimento dos atos pelos fundos de compensação locais.
§ 7º Caberá à CEMDP providenciar a entrega das certidões, de preferência em ocasião solene, às famílias e pessoas interessadas na obtenção de tais documentos.
§ 8º As certidões de pessoas mortas ou desaparecidas políticas, cujos familiares e outros entes queridos não forem localizados para a entrega, deverão compor acervo a ser acondicionado em museus ou outros espaços de memória, ouvidos os familiares e entidades ligadas ao tema.
Art. 4º Nos casos de óbitos que não constem do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, poderão os familiares das vítimas, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos ou o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania requerer a lavratura ou a retificação dos assentos de óbitos aos cartórios competentes, cabendo recurso administrativo da decisão perante as Corregedorias locais, sem prejuízo de eventual revisão do Conselho Nacional de Justiça.
Art. 5º São vedadas a recusa da lavratura e a retificação dos assentos de óbitos dos mortos e desaparecidos políticos constantes no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, sistematizados na declaração da CEMDP.
Art. 6º A recusa dos cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais prevista no art. 5º implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis.
Art. 7º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Ministro Luís Roberto Barroso
Presidente
Ministro Mauro Campbell Marques
Corregedor Nacional de Justiça