Dispõe sobre o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, de que trata a Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017.
Cumprdec 0003100-89.2020.2.00.0000
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no exercício da competência que lhe confere o inciso I do § 4º do art. 103-B da Constituição Federal,
CONSIDERANDO que o artigo 1.4 das Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude (Regras de Beijing) dispõe que a “Justiça da Infância e da Juventude será concebida como parte integrante do processo de desenvolvimento nacional de cada país e deverá ser administrada no marco geral de justiça social para todos os jovens, de maneira que contribua ao mesmo tempo para a sua proteção e para a manutenção da paz e da ordem na sociedade”;
CONSIDERANDO que a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, em seu artigo 12, assegura à criança e ao adolescente o direito de serem ouvidos em todo processo judicial ou administrativo que possa afetar seu interesse;
CONSIDERANDO que a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas estabelece que os Estados prestarão particular atenção aos direitos e necessidades especiais de jovens e crianças indígenas (arts. 21 e 22);
CONSIDERANDO que a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas estabelece que os Estados devem adotar medidas eficazes para garantir a proteção dos direitos dos povos indígenas, inclusive proporcionando serviços de interpretação e outros meios adequados (art. 13.2);
CONSIDERANDO que a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre Povos Indígenas e Tribais assegura o direito dos membros desses povos de compreender e se fazer compreender em procedimentos legais, mediante intérprete ou outros meios eficazes (art. 12);
CONSIDERANDO que a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, em seu artigo 30, garante que não será negado a crianças e adolescentes de origem indígena ou que pertençam a minorias étnicas ou linguísticas o direito de utilizar seu próprio idioma;
CONSIDERANDO que a Resolução nº 20/2005 do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas aprovou a Diretriz no 12, no sentido de que “as interferências na vida privada da criança devem ser limitadas ao mínimo necessário, ao mesmo tempo em que são mantidos altos padrões de coleta de evidências para assegurar resultados justos e equitativos no processo de justiça”;
CONSIDERANDO que a Constituição Federal prevê no artigo 227 que é dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à dignidade e ao respeito, colocando-os a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão;
CONSIDERANDO que a Constituição Federal reconhece no art. 231 a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições das populações indígenas;
CONSIDERANDO que o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990), no artigo 100, parágrafo único, incisos XI e XII, assegura à criança e ao adolescente direito à informação e à oitiva obrigatória e participação nos atos e na definição das medidas de promoção de direitos e de proteção, sendo sua opinião devidamente considerada pela autoridade judiciária competente;
CONSIDERANDO que a Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, torna obrigatória a oitiva de crianças e adolescentes pelas técnicas de Escuta Especializada e Depoimento Especial;
CONSIDERANDO que o art. 7º da Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, dispõe que a Escuta Especializada é o procedimento de entrevista sobre situação de violência com criança ou adolescente perante órgão da rede de proteção, limitado o relato estritamente ao necessário para cumprimento de sua finalidade;
CONSIDERANDO que o art. 8º da Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, dispõe que o Depoimento Especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante a autoridade policial ou judiciária;
CONSIDERANDO que o art. 11 da Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, estabelece que o Depoimento Especial será regido por protocolos e, sempre que possível, será realizado uma única vez, em sede de produção antecipada de prova judicial, garantida a ampla defesa do investigado;
CONSIDERANDO que o § 1º do art. 11 da Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, determina que o Depoimento Especial seguirá o rito cautelar de antecipação de prova quando a criança tiver menos de sete anos de idade e nos casos de violência sexual;
CONSIDERANDO que a Resolução Conanda nº 181, de 10 de novembro de 2016, estabelece parâmetros para atendimento de crianças e adolescentes pertencentes a povos e comunidades tradicionais, sobressaindo a necessidade de medidas específicas que contemplem as realidades e direitos dessas crianças e adolescentes;
CONSIDERANDO a necessidade de minimizar danos causados às crianças e aos adolescentes vítimas de violência nas suas múltiplas naturezas, valorizando a sua palavra;
CONSIDERANDO a importância de estabelecer articulação interinstitucional para uma efetiva proteção aos direitos das crianças e dos adolescentes;
CONSIDERANDO que a ausência de recursos financeiros não poderá justificar a não implementação de salas adequadas para a realização do depoimento especial;
CONSIDERANDO a decisão plenária tomada no julgamento do Ato Normativo nº 0004949-33.2019.2.00.0000 na 300ª Sessão Ordinária, realizada em 5 de novembro de 2019;
RESOLVE:
CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º O sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, de que trata a Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, é regulamentado por esta Resolução.
CAPÍTULO II
DA PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL E ARTICULAÇÃO
Art. 2º Os tribunais estaduais e federais envidarão esforços para celebrar convênios, estabelecendo atribuições e fluxo estadual interinstitucional para atendimento dos casos de violência contra crianças e adolescentes ou dos quais elas sejam testemunhas, encaminhando ao Conselho Nacional de Justiça, no prazo de noventa dias, o convênio celebrado.
§ 1º Os convênios devem ser estabelecidos, preferencialmente, com Ministério Público, Defensoria Pública, Ordem dos Advogados do Brasil, Secretarias de Segurança Pública, de Assistência ou Desenvolvimento Social e de Saúde, de Educação e com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente.
§ 2º Os convênios e fluxos devem contemplar a incorporação da notificação compulsória prevista no art. 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente e de denúncia espontânea, previsto no art. 15 da Lei nº 13.431/2017, a tomada do depoimento especial, preferencialmente em produção antecipada de prova, e também atendimentos paralelos necessários à criança, ao adolescente e às suas famílias em decorrência da situação de violência.
Art. 3º Os tribunais estaduais e federais deverão reconhecer como atividade inerente à função judicial, para efeito de produtividade, a participação de magistrados na concretização dos fluxos locais de atendimento a crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas, observando-se as peculiaridades locais.
Art. 4º Os tribunais estaduais e federais deverão divulgar o fluxo estabelecido para a sociedade em geral e outros setores que atendam crianças e adolescentes, particularmente educação, cultura e esporte.
Art. 5º Os tribunais estaduais e federais deverão envidar esforços para elaborar material informativo específico voltado a crianças e adolescentes sobre os meios de denúncia e sua participação processual, particularmente sobre o depoimento especial.
Art. 6º Os tribunais estaduais e federais deverão regulamentar a forma de compartilhamento de provas entre distintas jurisdições que possam vir a tomar decisões a partir dos mesmos fatos, notadamente varas criminais, de família, da infância e da juventude, evitando a necessidade de repetição da prova e causação de violência institucional.
CAPÍTULO III
DA IMPLANTAÇÃO DAS SALAS DE DEPOIMENTO ESPECIAL EM TODAS AS COMARCAS
Art. 7º A implantação das salas de depoimento especial é obrigatória em todas as comarcas do território nacional, nos termos da Lei no 13.431/2017 por tratar-se de direito de todas crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência apresentar suas narrativas de forma segura, protegida e acolhedora.
Art. 8º Os depoimentos deverão ser colhidos em ambiente apropriado em termos de espaço e de mobiliário, dotado de material necessário para a entrevista, conforme recomendações técnicas assentadas no Protocolo Brasileiro de Entrevista Forense, devendo os tribunais estaduais e federais providenciar o necessário, no prazo de noventa dias.
Art. 9º A transmissão on-line à sala de audiência é própria do depoimento especial, velando para que haja a publicidade e transparência inerente à ampla defesa do imputado e à garantia de direitos da criança e/ou do adolescente.
CAPÍTULO IV
DAS EQUIPES PARA REALIZAÇÃO DO DEPOIMENTO ESPECIAL
Art. 10. Os profissionais especializados que atuarão na tomada do depoimento especial (Lei no 13.431/2017, art. 12, I) deverão ser preferencialmente aqueles que integram o quadro de servidores da respectiva unidade da federação, que compõem as equipes técnicas interprofissionais, as quais deverão receber capacitação específica para essa atividade.
Parágrafo único. No caso de crianças e adolescentes pertencentes aos Povos e Comunidades Tradicionais, a equipe técnica deverá ser integrada por profissional com formação ou conhecimento na área de antropologia.
Art. 11. Os tribunais estaduais e federais que não possuem, em seu quadro de pessoal, equipes técnicas interprofissionais especializadas em todas as comarcas, poderão realizar convênios para realização do depoimento especial, até a regularização do quadro funcional.
Parágrafo único. Incumbirá aos tribunais estaduais e federais prover a capacitação e treinamento dos profissionais que lhes forem cedidos.
Art. 12. Na ausência de profissionais especializados no quadro de pessoal, e de convênios firmados na forma do art. 11, os tribunais estaduais e federais deverão capacitar e treinar pessoas com formação superior, podendo remunerá-las pela atividade de tomada de depoimento especial como perícia.
Art. 13. Os tribunais estaduais e federais deverão manter cadastro de profissionais necessários a realização do depoimento especial, inclusive dos povos e comunidades tradicionais.
Parágrafo único. Para o cumprimento do disposto no caput, os tribunais poderão promover parcerias com órgãos e entidades públicas e particulares.
CAPÍTULO V
DA CAPACITAÇÃO DE MAGISTRADOS E PROFISSIONAIS
Art. 14. Para cumprimento do art. 14, § 1º, inciso II, da Lei nº 13.431/2017, os tribunais estaduais e federais deverão capacitar magistrados e profissionais que atuem na realização do depoimento especial, mediante convocação, de forma interdisciplinar e continuada, preferencialmente conjunta.
§ 1º Deverão os tribunais incluir anualmente em seus orçamentos recursos para a capacitação de que trata o caput, assim como estabelecer cronograma para sua realização.
§ 2º A capacitação ofertada deverá abarcar maior número possível de áreas do conhecimento humano, bem como observar, preferencialmente, os marcos do Protocolo Brasileiro de Entrevista Forense.
§ 3º Os magistrados devem ser capacitados a tomar o depoimento nos termos do Protocolo Brasileiro de Entrevista Forense, para a eventualidade de a criança ou o adolescente, vítima ou testemunha, desejar prestar o depoimento diretamente à autoridade judiciária.
Art. 15. É obrigatória a capacitação de magistrados e profissionais que atuam na realização do depoimento especial.
Art. 16. A utilização de imagens de depoimentos para efeito de capacitação é condicionada à autorização pela criança e/ou adolescente e seu responsável e pela autoridade judicial competente.
§ 1º Se o magistrado titular da vara for professor ou tutor em curso de formação de magistrados ou de outros profissionais do Sistema de Justiça, a utilização de imagens de depoimentos colhidos em sua vara demandará autorização não apenas das crianças e adolescentes e de seus responsáveis, como também da Corregedoria-Geral de Justiça do respectivo Tribunal.
§ 2º A identidade da criança deverá ser preservada, com recursos que impossibilitem sua identificação.
CAPÍTULO VI
DO CONTROLE SOBRE A REALIZAÇÃO DO DEPOIMENTO ESPECIAL PELOS MAGISTRADOS E DA ESTRITA OBSERVÂNCIA DOS PARÂMETROS LEGAIS PARA A SUA REALIZAÇÃO
Art. 17. O depoimento especial deverá observar estritamente os parâmetros legais para sua realização.
Art. 18. A criança e/ou adolescente deve ser informada sobre seus direitos, a estrutura do procedimento, garantias de segurança e expectativas em relação ao processo por membro da equipe responsável pela tomada do depoimento, inclusive de seu direito à assistência jurídica.
§ 1º O magistrado deverá velar pela assistência jurídica por Defensor Público ou advogado conveniado ou nomeado, se assim desejar a criança e/ou adolescente.
§ 2º Se necessário à efetiva comunicação com criança e adolescente de origem indígena ou que pertença a minorias étnicas ou linguísticas, será garantido intérprete ou outro meio eficaz.
Art. 19. Deve ser garantido à criança e/ou ao adolescente o direito ao silêncio e a não prestar depoimento, esclarecendo-a de maneira adequada ao seu desenvolvimento.
Art. 20. A tomada do depoimento deve seguir protocolo validado cientificamente, assegurando esclarecimentos iniciais, livre narrativa e questões complementares, cabendo ao magistrado zelar pela concordância do referido protocolo.
Art. 21. No caso de criança e adolescente indígena, será intimado o órgão federal responsável pela política indigenista da data designada para o depoimento.
Art. 22. O magistrado deverá velar para que as perguntas formuladas pelas partes sejam concentradas tanto quanto possível em apenas um bloco, ressalvada necessidade excepcional.
Art. 23. Na hipótese da criança e/ou adolescente desejar prestar depoimento diretamente ao magistrado, deverá ser observado o protocolo de entrevista forense.
Art. 24. O depoimento especial deverá ser gravado em sua integralidade para preservar seu teor e permitir, mediante autorização judicial, sua utilização em outros processos judiciais que tenham, ainda que parcialmente, a situação de violência como objeto.
Art. 25. Os tribunais estaduais e federais deverão velar pela estrita observância do direito de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas serem ouvidas por magistrados na forma do depoimento especial, não se tratando de faculdade procedimental.
Parágrafo único. A realização do depoimento especial deverá constar das planilhas de atividades dos magistrados a serem encaminhadas às Corregedorias-Gerais de Justiça mensalmente para efeito de estatística.
CAPÍTULO VII
DO APRIMORAMENTO INSTITUCIONAL DO JUDICIÁRIO: ESPECIALIZAÇÃO E INTEGRAÇÃO OPERACIONAL
Art. 26. Os tribunais estaduais realizarão, no prazo máximo de noventa dias, levantamento sobre distribuição de processos envolvendo crianças e adolescentes vítimas de violência em comarcas de entrância final visando definir o número de varas necessárias para o volume processual, levando em consideração a especificidade da matéria.
Art. 27. Os tribunais estaduais deverão, no prazo de cento e vinte dias, informar o Conselho Nacional de Justiça sobre o planejamento realizado quanto à especialização de varas, nos termos do art. 23 da Lei no 13.431/2017, ou apresentação de estudos com critérios que melhor atendam as crianças e adolescentes vítimas em caso de cumulação de competência.
Art. 28. Os tribunais estaduais informarão, no prazo de cento e oitenta dias, estudos realizados para a criação de centros integrados nas capitais e comarcas de entrância final em parcerias com o Estado ou Município.
Art. 29. O Fórum Nacional da Infância e da Juventude – Foninj editará, no prazo de cento e oitenta dias, protocolo de atendimento e de realização de depoimento especial de crianças e adolescentes vítimas de violência, oriundas de Comunidades e Povos Tradicionais, que deverá ser observado por todos os tribunais estaduais e federais.
Art. 30. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Ministro DIAS TOFFOLI