Dirige-se ao Poder Executivo Federal, aos Poderes Executivos Estaduais e Municipais e ao Procurador-Geral da República para manifestar-se pela adoção de medidas de gestão voltadas à prevenção da Judicialização da Saúde durante a pandemia da Covid-19.
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suasatribuições legais e regimentais,
CONSIDERANDO a competência prevista no artigo 103, incisos I e II, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça;
CONSIDERANDO a Resolução CNJ nº 107/2010, que institui o Fórum Nacional do Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência à Saúde e prevê, emseu art. 1º, a atribuição de elaborar estudos e propor medidas concretas e normativas para o aperfeiçoamento de procedimentos, o reforço à efetividade dos processos judiciais e à prevenção de novos conflitos;
CONSIDERANDO o disposto no inciso IV do art. 2º da Resolução CNJ nº 107/2010, que prevê como atribuição do Fórum Nacional a proposição de medidas concretas e normativas voltadas à prevenção de conflitos judiciais e à definição de estratégias nas questões de direito sanitário;
CONSIDERANDO a Portaria CNJ nº 8/2016, que cria o Comitê Organizador do Fórum Nacional do Poder Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência à Saúde;
CONSIDERANDO a Resolução CNJ nº 238/2016, que dispõe sobre a criação e manutenção, pelos Tribunais de Justiça e Regionais Federais de Comitês Estaduais da Saúde, bem como a especialização de vara em comarcas com mais de uma vara de fazenda Pública;
CONSIDERANDO a declaração pública de pandemia em relação ao novo Coronavírus, de 11 de março de 2020, e a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional, de 30 de janeiro de 2020, pela Organização Mundial da Saúde – OMS;
CONSIDERANDO a Lei nº 13.979/2020, que dispõe sobre medidas paraenfrentamento da situação de emergência em saúde pública de importância internacional decorrente donovo Coronavírus, bem como a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional –ESPIN, pela Portaria GM/MS nº 188/2020;
CONSIDERANDO o Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, que declara a existência de estado de calamidade pública no Brasil em razão da pandemia do novo Coronavírus causador da Covid-19;
CONSIDERANDO o número elevado e a grande variedade de litígios referentes ao direito à saúde durante a pandemia da Covid-19, bem como o grande impacto sobre os orçamentos públicos e a gestão pública;
CONSIDERANDO a necessidade de uma coordenação efetiva das medidas de enfrentamento da epidemia no país para evitar e/ou diminuir a judicialização;
CONSIDERANDO a crise da Covid-19 e a necessidade de negociação com os diversos atores da União, dos Estados, dos Municípios e da estrutura privada de serviços hospitalares;
CONSIDERANDO a existência de eventual desencontro entre autoridades Estaduais e Municipais;
CONSIDERANDO as dificuldades decorrentes da escassez de materiais e equipamentos e que autoridades buscam soluções que podem ensejar futura discussão ou responsabilização judicial;
CONSIDERANDO a escassez de leitos de Unidade de Terapia Intensiva UTI – e equipamentos em Saúde;
CONSIDERANDO a decisão plenária no julgamento do Procedimento de Nota Técnica nº 000348-28.2020.2.00.0000, na 64ª Sessão virtual, realizada de 30 de abril a 8 de maio de 2020;
RESOLVE:
Dirigir-se ao Poder Executivo Federal, aos Poderes Executivos Estaduais e Municipais e ao Procurador-Geral da República para manifestar-se pela adoção de medidas de gestão voltadas à prevenção da Judicialização da Saúde durante a pandemia da Covid-19, nos seguintes termos:
I – RELATÓRIO
A Presidência deste Conselho recebeu ofício de inúmeras entidades1 com a finalidade de auxiliar na gestão da pandemia da Covid-19 (Processos SEI nº 3587/2020 e nº 3588/2020), especialmente a regulação de leitos, equipamentos de proteção e outras providências voltadas a minimizar os efeitos da crise, especialmente no que se refere à sua judicialização.
Diante disso, foram realizadas diversas reuniões do Fórum Nacional da Saúde, por meio de seu Comitê Executivo, com representantes das classes envolvidas para levantamento de informações.
O cenário levantado indica que em determinados Estados há escassez de leitos de UTI e de equipamentos em Saúde tanto no setor público quanto no setor privado e em outros Estados há escassez no setor público com ociosidade de leitos e equipamentos no setor privado.
Assim, há necessidade de negociação com os diversos atores da União, dos Estados, dos Municípios e da estrutura privada de serviços hospitalares, para busca de racionalização do uso dos leitos existentes e para evitar soluções que não deixarão um legado útil para a sociedade, como os hospitais de campanha.
É de extrema importância se estabelecer um diálogo entre os agentes públicos para promover o bem maior que é a proteção à vida e a proteção à economia e, em última análise, cabe ao Conselho Nacionalde Justiça sugerir modelos de gestão que possam vir a amenizar impactos sobre o Poder Judiciário, como é o caso em questão.
1ANAHP – Associação Nacional de Hospitais Privados ABRAMED – Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica ABIMED - Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde ABRAIDI – Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Produtos para Saúde CBDL – Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial CMB – Confederação das Santas Casas de Misericórdia do Brasil CNSaúde – Confederação Nacional de Saúde FBH – Federação Brasileira de Hospitais FEHOESP – Federação dos Hospitais, Clínicas eLaboratórios Privados do Estado de São Paulo Interfarma – Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa Sindusfarma – Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos.
Sabe-se que diante da falta de gestão ou quando de sua insuficiência, ou quando as soluções a serem encontradas pelos atores podem ensejar futura discussão ou responsabilização, os conflitos acabam desaguando no Poder Judiciário, cabendo ao Conselho Nacional de Justiça intervir para propor medidas concretas voltadas à prevenção dos conflitos judiciais e inclusive estabelecer estratégias nas questões de direito sanitário para evitar a judicialização de ações que envolvam prestação de assistência à saúde.
II – CABIMENTO DA NOTA TÉCNICA
A atuação do Conselho Nacional de Justiça está legitimada no artigo 103 e nos incisos I e II do Regimento Interno, que assim dispõem:
Art. 103. O Plenário poderá, de ofício ou mediante provocação:
I - elaborar notas técnicas, de ofício ou mediante requerimento de agentes de outros Poderes, sobre políticas públicas que afetem o desempenho do Poder Judiciário, anteprojetos de lei, projetos de lei, e quaisquer outros atos com força normativa que tramitam no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas ou em quaisquer outros entes da Administração Pública Direta ou Indireta, quando caracterizado o interesse do Poder Judiciário;
II - elaborar notas técnicas sobre normas ou situações específicas da Administração Pública quando caracterizado o interesse do Poder Judiciário; [negritado]
Assim, em razão da importância do tema e da necessidade de regulação adequada, mostra-se legítima a atuação do Conselho Nacional de Justiça.
III – PROPOSTA DE MODELO DE GESTÃO DA REDE DE SERVIÇOS PARA O COMBATE À EPIDEMIA COVID-19
Diante do que foi acima apresentado, o Conselho Nacional de Justiça apresenta a seguinte proposta sobre o uso racional de recursos hospitalares em uma pandemia como a Covid-19, nos seguintes termos:
A – Intervenção que busca atenuar os efeitos da epidemia
Os hospitais têm um papel fundamental na resposta de um sistema de serviços de saúde em uma pandemia. Surtos em que a disseminação do patógeno é extremamente rápida, com uma alta taxa de ataque como se mostra a Covid-19, apesar da aparente baixa letalidade, levam a um rápido consumo de recursos hospitalares.
A incapacidade de contingenciamento pode levar as estruturas hospitalares a um colapso na assistência aumentando significativamente a mortalidade.
O dano causado por uma epidemia ou pandemia pode ser expresso em uma fórmula:
Dano = (Agressão x Vulnerabilidade) – Contingência Agressão: capacidade de dispersão da pandemia, extremamente alta na Covid-19.
Vulnerabilidade: aqui, somam-se o estado de saúde prévio da população com impacto frente à pandemia, considerando-se a existência de patologias crônicas, a distribuição etária, as condições de moradia, o comportamento social e, também, a estrutura do sistema de serviços de saúde, como, por exemplo, a disponibilidade de leitos e de ventiladores mecânicos.
Contingência: possibilidade de aumento de recursos frente a esse aumento de demanda.
No caso de epidemias com complicações respiratórias um dos principais recursos críticos é o leito de terapia
intensiva (entendendo esse leito como o conjunto de equipamentos como ventiladores mecânicos, monitores multiparamétricos e equipe especializada). Sendo o leito de terapia intensiva o fator mais crítico nessa pandemia, o hospital que possui esse recurso se torna a principal estrutura de resposta, sendo necessário conhecer a capacidade de contingência dessas estruturas. O desenho da reconfiguração necessária para os hospitais passa pela capacidade de expansão de recursos para os pacientes que precisem de ventilação mecânica (cerca de 4 a 5%) nas estatísticas atuais.
A principal estratégia nesta pandemia tem sido a quarentena populacional no sentido de redução do ataque para que o ponto crítico seja achatado e evite a demanda excessiva de leitos críticos nos hospitais, que naturalmente tem uma limitação. Tal medida tende a reduzir a vulnerabilidade do sistema e amplia o tempo para preparação da contingência.
A pandemia exige um gerenciamento contínuo das demandas e necessidades dos recursos disponíveis, pois esses variam constantemente no decorrer da crise. Por isso, é necessária uma reconfiguração da gestão de cada hospital, com a instalação de um gabinete de crise, decorrente de deliberação do Centro de Operações de Emergência Estadual – COE, já criado e em funcionamento em todas as unidades federadas.
Este COE, como se sabe, tem por finalidade o gerenciamento de todos os recursos de uma região, principalmente os hospitalares que são cruciais nesta crise.
Não se deve relevar que: a) os hospitais existentes possuem diferentes naturezas jurídicas, o que deve ser obrigatoriamente levado em conta; b) que muitos deles encontram-se sob gestão municipal, não podendo as secretarias estaduais de saúde estabelecer uma regulação única estadual apenas por vontade própria e deve portanto estabelecer um modelo negociado para se chegar a um modelo de governabilidade que permita a necessária coordenação do serviço pela autoridade encarregada pela gestão estratégica local.
A estratégia de preparação para a contingência hospitalar se baseia em níveis de capacidade de resposta do parque hospitalar disponível que pode ser dividido didaticamente em:
1) Nível inicial, fundamentado na expansão da capacidade pública hospitalar existente com foco em 3 princípios:
a) expansão do espaço – ampliação de espaços de assistência intra-hospitalares tanto para enfermarias quanto para leitos críticos, reconfigurando estruturas (ex: transformando leitos de recuperação pós-anestésica em leitos de UTI temporários) ou abrindo novos leitos em espaços não utilizados para tal;
b) controle e adequação de equipamentos – controle centralizado de todos os equipamentos do hospital (ex: ventiladores mecânicos) para redistribuição nos novos setores; e
c) redistribuição e reforço de equipes – redimensionamento e redistribuição das equipes.
2) Nível Intermediário, fundamentado na expansão da capacidade pública hospitalar após o esgotamento da utilização do parque existente, deve-se lançar mão de estruturas temporárias ou principalmente de leitos não contratadas pelo SUS.
B – Como fazer essa governança
Os Centros de Operações de Emergência Estadual devem ter todos os recursos necessários sob sua gestão para a resposta inicial das demandas, devem acionar e monitorar os planos de contingência dos hospitais de referência e monitorar seus recursos para esta crise, ou seja, o gabinete deve enxergar os recursos para evitar sobrecarga de um único hospital do sistema e racionalizar a resposta.
É crucial durante a crise ter uma gestão única da rede de serviços envolvida no atendimento à epidemia e o Estado e os Municípios que compõem uma Macrorregião de saúde como definido na Resolução CIT nº 37/2018 deverão se articular com os Estados e pactuar o acordo de gestão. Importante anotar que a UNIÃO também deve participar das decisões do COE para permitir a distribuição equânime das responsabilidades entre os gestores.
Recomenda-se a criação de gabinete específico de crise, formado pelos órgãos de controle da Administração Pública, como os Ministérios Públicos e os Tribunais de Contas.
Quando, e se, os recursos existentes estiverem esgotados, devem ser mobilizados recursos novos, tais como: estruturas hospitalares temporárias, abertura de novas estruturas dentro de hospitais existentes e novos hospitais.
A preferência neste momento deve se dar pela requisição/contratação de leitos não SUS pela rapidez e pela economicidade dessa ação em relação à construção de hospitais de campanha, mantendo-se, é claro,a utilização das estruturas já criadas.
Em relação à eventual necessidade de utilização de leitos adicionais, a Administração Pública contacom entidades privadas, com e sem fins lucrativos, que atendem pacientes em regime de complementariedade, como prevê o artigo 199 da Constituição Federal. Dos mais de 430 mil leitos de internação, 62% estão em instituições privadas e desses, 52% já são disponibilizados ao setor público. Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2017, cerca de 60% das internações de alta complexidade do SUS foram realizadas por instituições privadas, grande parte delas filantrópicas.
Temos assim que grande parte dos procedimentos realizados no SUS já estão sob a responsabilidade de entidades que atendem esse sistema em regime de complementariedade, sendo a coexistência desses sistemas um dos pilares da sustentabilidade do SUS.
Isso posto, em antecipação a necessidades excepcionais, o Centro de Operações de Emergência Estadual deve preparar chamamentos públicos direcionados a hospitais privados com ofertas de custeio à operação. No entanto, sem uma correta governança da crise ou sem que todas as estratégias de resposta tenham se esgotado, pode-se incorrer em uma utilização excessiva dos recursos, tais como utilização indevida de estruturas temporárias, ampliação desnecessária de leitos e recursos ou compra e mobilização equivocadas de leitos privados. A crise precisa de um modelo de gestão adequado. Somente se pode lançar mão de recursos extras ou expandidos se esgotados os recursos existentes. O escalonamento da crise tem que ser baseado em um modelo de gestão diário e com base em dados reais de demanda e capacidade.
Se a capacidade de leitos à disposição do SUS estiver esgotada, e a rede assistencial privada não se interessar por um contrato público com o gestor do SUS, os leitos deverão ser requisitados, com base na Lei nº 13.079/2020 e no Decreto nº 10.283/2020.
Não podemos olvidar que há casos de alguns Estados e Municípios que, premidos pela urgência da situação, já criaram hospitais de campanha, sem lançar mão da ampliação de leitos por meio decontratação ou de requisição da capacidade existente na rede privada. E, nesses casos, não há como desprezá-los, devendo ser utilizados, sem qualquer tipo de responsabilização aos gestores, pois agiram anteriormente à estipulação desse formato de governança, antecipando-se à crise e prevendo oesgotamento dos leitos hospitalares e de UTI.
C – O Pós epidemia
Finalmente, além das medidas acima elencadas, as Secretarias Estaduais de Saúde deverão estimular, dentro da estrutura do SUS de seus Estados, a constituição de sistemas que integrem todos os recursos de saúde à disposição do SUS, criando um sistema de regulação do acesso aos serviços de gestão única e voltado para as regiões de saúde dos Estados. Essa proposta está contida na Resolução CIT nº 37/2018, que acima se propôs utilizar para dar governabilidade aos comitês de crise.
Essas regiões deverão ter, sob regulação estadual, todos os recursos próprios do Estados e dos Municípios ou contratados junto ao setor privado. Essas redes deverão ter como base pactos gerados nas comissões bipartites estaduais e serão a forma de criar acesso às redes de serviços secundários e terciários das regiões de saúde dos Estados. As redes estaduais que não obtiverem resolução de patologias nos seus Estados deverão pactuar na tripartite o acesso a esses serviços em outros Estados. Se necessário, utilizar-se-á o disposto na Lei nº 13.979/2020 e no Decreto nº 10.283/2020 para se permitir a estruturação do comando único.
IV – CONCLUSÃO
Diante do exposto, envie-se ao Poder Executivo Federal e aos Poderes Executivos Estaduais e Municipais, ao Procurador- Geral da República, aos Presidentes do CONASS e do CONASEMS, nos termos da fundamentação supra. Encaminhe-se, também, aos seguintes órgãos e entidades: ANAHP – Associação Nacional de Hospitais Privados ABRAMED – Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica ABIMED – Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para Saúde ABRAIDI – Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Produtos para Saúde CBDL – Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial CMB – Confederação das Santas Casas de Misericórdia do Brasil CNSaúde – Confederação Nacional de Saúde FBH – Federação Brasileira de Hospitais FEHOESP – Federação dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios Privados do Estado de São Paulo Interfarma – Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa Sindusfarma – Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos, ABRAMGE- Associação Brasileira de Planos de Saúde, A Federação Nacional de Saúde Suplementar – FENASAÚDE, UNIMED Brasil e UNIDAS autogestão em saúde.
Ministro DIAS TOFFOLI
Presidente