Recomendar aos tribunais e autoridades judiciais a adoção de diretrizes e procedimentos para realização de audiências concentradas para reavaliar as medidas socioeducativas de internação e semiliberdade.
Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente)
Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992 (Convenção Americana sobre Direitos Humanos)
Decreto n. 99.710, de 21 de novembro de 1990 (Convenção sobre os Direitos da Criança)
Lei no 12.594, de 18 de janeiro de 2012
Resolução no 367, de 19 de janeiro de 2021
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais,
CONSIDERANDO a prioridade absoluta atribuída aos processos que tratam de direitos das crianças e adolescentes, nos termos do art. 227 da Constituição Federal e dos arts. 4o, caput e parágrafo único, alínea "b", e 152, parágrafo único, da Lei n o 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente);
CONSIDERANDO as disposições do art. 19 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos no sentido de que a proteção de crianças e adolescentes requer a adoção de medidas especiais, conforme entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos na Opinião Consultiva no 17/2002, parágrafo 60;
CONSIDERANDO o disposto nos arts. 12, 37 e 40 da Convenção sobre os Direitos da Criança, que contemplam o direito das crianças e adolescentes de serem ouvidos em todos os procedimentos que lhes afetem, bem como estabelecem que os adolescentes privados de liberdade sejam tratados com humanidade e respeito inerentes à dignidade da pessoa humana, bem como tenham assegurados os direitos à presunção de inocência, à assistência jurídica adequada e à presença de seus pais ou representantes nas etapas processuais;
CONSIDERANDO os itens 56 e 58 dos Princípios Orientadores da Organização das Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil (Princípios de Riad), que dispõem sobre a colaboração entre os órgãos de Justiça e os distintos setores e serviços dedicados ao adolescente com vistas à prevenção da prática de atos infracionais;
CONSIDERANDO os itens 1, 2, 17 e 18 das Regras Mínimas da Organização das Nações Unidas para Proteção de Jovens Privados de Liberdade (Regras de Havana), que dispõem sobre a obrigação do sistema de Justiça de garantir os direitos e a segurança de adolescentes, notadamente o acesso à assistência jurídica;
CONSIDERANDO que a Observação Geral no 24/2019 do Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança preconiza que os Estados devem assegurar os princípios inerentes ao devido processo legal e a realização dos procedimentos judiciais de forma a permitir que o adolescente participe efetivamente, compreenda todas as suas etapas e tenha garantida a presença de seus pais ou responsáveis em todos os momentos dos atos processuais (parágrafos 46 e 56);
CONSIDERANDO o art. 121, caput e § 2o, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que dispõe ser imprescindível a reavaliação das medidas socioeducativas privativas de liberdade no máximo a cada 6 (seis) meses;
CONSIDERANDO o disposto na Lei no 12.594/2012, que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e prevê os princípios que regem a execução das medidas socioeducativas, bem como os prazos e procedimentos para reavaliação, manutenção, substituição ou suspensão das medidas de meio aberto ou de restrição e privação da liberdade;
CONSIDERANDO os bons resultados obtidos nas reavaliações periódicas das medidas protetivas de acolhimento realizadas nas Varas da Infância e Juventude por meio das audiências concentradas, previstas no Provimento no 32/2013 da Corregedoria Nacional de Justiça;
CONSIDERANDO a Resolução CNJ no 367/2021, que estabelece as diretrizes e normas gerais para a criação da Central de Vagas no Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo, no âmbito do Poder Judiciário, e define a audiência concentrada socioeducativa;
CONSIDERANDO o acórdão exarado no Habeas Corpus no 143.988/ES, pelo qual o Supremo Tribunal Federal determinou que as unidades de execução da medida socioeducativa de internação não ultrapassem a capacidade projetada de internação prevista para cada unidade, propondo critérios e parâmetros a serem observados pelos magistrados nas unidades de internação que operam com a taxa de ocupação dos adolescentes superior à capacidade projetada;
CONSIDERANDO as decisões de urgência proferidas pela Comissão e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em relação ao Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo;
CONSIDERANDO o deliberado pelo Plenário do CNJ no procedimento Ato no 0002462-22.2021.2.00.0000, na 86ª Sessão Virtual, realizada em 14 de maio de 2021;
RESOLVE:
Art. 1o Recomendar aos tribunais e autoridades judiciárias a adoção de diretrizes e procedimentos para a realização de audiências concentradas com vistas a reavaliar as medidas socioeducativas de internação e semiliberdade.
Art. 2o As audiências concentradas têm como finalidades específicas:
I – observar os princípios que regem a execução das medidas socioeducativas, em especial, legalidade, excepcionalidade da imposição de medidas, proporcionalidade, brevidade, individualização, mínima intervenção, não discriminação do adolescente e fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, conforme o art. 35 da Lei no 12.594/2012;
II – observar o prazo máximo legal de 6 (seis) meses para reavaliação das medidas socioeducativas;
III – garantir a participação do adolescente na reavaliação das medidas socioeducativas;
IV – garantir que o adolescente possa peticionar diretamente à autoridade judiciária;
V – promover o acompanhamento, a participação e o envolvimento da família, representada pelos pais ou responsáveis, no processo judicial e no efetivo cumprimento do plano individual de atendimento do adolescente;
VI – integrar os órgãos do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente para agilizar o atendimento aos adolescentes que tenham sua medida substituída ou extinta;
VII – adequar ou complementar os planos individuais de atendimento, caso necessário;
VIII – garantir o devido processo legal administrativo em caso de sanção disciplinar aplicada ao adolescente, observando[1]se a ampla defesa e o contraditório;
IX – fortalecer a fiscalização de unidades e programas socioeducativos;
X – garantir o funcionamento das unidades de internação e de semiliberdade com taxa de ocupação dentro da capacidade projetada; e
XI – observar o princípio da não discriminação do adolescente, notadamente em razão de etnia, gênero, nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política ou sexual, ou associação ou pertencimento a qualquer minoria.
Art. 3o Recomendar às autoridades judiciárias com competência para a execução das medidas socioeducativas de internação e semiliberdade a realização e condução de audiências concentradas com vistas a reavaliar as medidas socioeducativas, conforme as seguintes diretrizes e procedimentos:
I – realizar as audiências concentradas, preferencialmente a cada 3 (três) meses e nas dependências de cada uma das unidades sob a responsabilidade da autoridade judiciária, em local específico para tal fim designado e com garantia de sigilo.
II – priorizar a realização das audiências concentradas nas unidades socioeducativas femininas, considerando a vulnerabilidade e necessidades específicas das adolescentes privadas de liberdade;
III – promover a necessária participação do socioeducando, seus pais ou responsáveis, da defesa técnica e do membro do Ministério Público competente;
IV – vedar a realização de audiência de reavaliação com mais de um socioeducando, em respeito ao princípio da individualização da execução das medidas socioeducativas;
V – não postergar reavaliação da medida socioeducativa para as audiências concentradas nos casos em que isso implique o extrapolamento do prazo máximo de 6 (seis) meses; e
VI – realizar as audiências concentradas sem prejuízo do processamento de pedido de reavaliação das medidas a qualquer tempo nos termos do art. 43 da Lei no 12.594/2012.
Art. 4o Recomendar às autoridades judiciárias competentes que, previamente à realização das audiências concentradas, providenciem:
I – o levantamento e a análise dos processos de execução de medidas socioeducativas relativos a cada uma das unidades sob sua responsabilidade, a fim de que todos os processos sejam devidamente instruídos com o relatório da equipe técnica sobre a evolução do adolescente no cumprimento do plano individual de atendimento;
II – a convocação de servidores do Poder Executivo Municipal e/ou Estadual, com competência para a realização dos encaminhamentos posteriores às audiências de reavaliação, a fim de que compareçam ao local e horário da realização das audiências concentradas para fim do disposto no art. 10 desta Recomendação; e
III – a comunicação ao programa de atendimento socioeducativo para que providencie o comparecimento das famílias dos adolescentes, para que possam participar das audiências de reavaliação e acompanhar os encaminhamentos necessários;
§ 1o A autoridade judiciária poderá solicitar a participação das demais instituições do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, em especial, da Defensoria Pública, do Ministério Público e dos programas de atendimento socioeducativo, para o planejamento das audiências concentradas.
§ 2o Os familiares e adolescentes devem ser acolhidos em ambiente adequado antes do início das audiências de reavaliação para que recebam as orientações sobre a finalidade e o funcionamento das audiências concentradas em linguagem simples e acessível.
Art. 5o O juízo competente poderá solicitar à Coordenadoria da Infância e Juventude (CIJ) ou ao Grupo de Monitoramento e Fiscalização (GMF) que, na esfera de suas atribuições, ofereça o suporte às audiências concentradas, sobretudo nos aspectos logísticos e procedimentais.
Art. 6o Recomendar às autoridades judiciárias competentes que, na audiência de reavaliação, entrevistem o socioeducando, devendo:
I – explicar o que é a audiência de reavaliação e ressaltar as questões a serem analisadas pela autoridade judiciária;
II – indagar sobre o tratamento recebido ao longo do cumprimento da medida socioeducativa e questionar, em especial, as condições de execução da medida e ocorrência de violações de direitos, como a prática de tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes;
III – questionar sobre sua participação na elaboração do plano individual de atendimento e sobre a realização das atividades nele previstas;
IV – indagar sobre as circunstâncias da apuração da falta disciplinar, a garantia da ampla defesa, do contraditório e observância das disposições legais aplicáveis, em caso de registro de sanção disciplinar aplicada ao adolescente; e
V – perguntar se deseja formular algum pedido diretamente à autoridade judiciária.
Art. 7o Após oitiva do adolescente, também deve ser facultada a palavra aos pais ou responsáveis para se manifestarem sobre sua participação no cumprimento do plano individual e formularem os pedidos que lhes aprouver.
Art. 8o Ouvidos o adolescente e seus pais ou responsáveis, a autoridade judiciária deferirá ao Ministério Público e à defesa técnica, nesta ordem, reperguntas compatíveis com a natureza do ato judicial, facultando-lhes, em seguida, requerer:
I – a manutenção, substituição, suspensão ou extinção da medida socioeducativa; e
II – a adoção de medidas protetivas ou outras providências necessárias no caso concreto.
Art. 9o A ata da audiência conterá a decisão fundamentada quanto à manutenção, substituição, suspensão ou extinção da medida socioeducativa como também as providências tomadas caso constatados indícios de tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, ameaça de morte ou irregularidades a serem sanadas.
Parágrafo único. Prolatadas as decisões judiciais de substituição, suspensão ou extinção da medida socioeducativa, devem ser realizadas as devidas atualizações das guias, com a substituição da medida ou baixa da guia, no Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL).
Art. 10. Finda a audiência de reavaliação, o socioeducando e seus familiares serão encaminhados aos representantes dos órgãos do Poder Executivo presentes em sala separada para a realização dos encaminhamentos pertinentes, inclusive para eventuais programas de acompanhamento ao adolescente pós-cumprimento de medida socioeducativa disponíveis na localidade.
Art. 11. Os magistrados com competência para execução das medidas socioeducativas poderão realizar audiências concentradas para a reavaliação das medidas de meio aberto, adaptando as diretrizes e procedimentos contidos nesta Recomendação à natureza das medidas de prestação de serviço à comunidade e liberdade assistida.
Art. 12. Excepcionalmente e apenas quando suspensas as atividades presenciais por ordem do tribunal a realização das audiências concentradas de reavaliação das medidas socioeducativas poderá ocorrer de modo virtual, nos termos da Resolução CNJ no 330/2020.
Art. 13. Esta Recomendação entra em vigor na data de sua publicação.