Dispõe sobre a tramitação das ações judiciais fundadas na Convenção da Haia sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças (1980), em execução por força do Decreto nº 3.413, de 14 de abril de 2000.
Decreto Legislativo no 79, de 15 de setembro de 1999
Decreto n. 3.413, de 14 de abril de 2000 - Promulga a Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, concluída na cidade de Haia
Resolução n. 257, de 11 de setembro de 2018 - revogada
Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942 - Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais,
CONSIDERANDO a Convenção da Haia de 1980, que trata dos Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo no 79, de 15 de setembro de 1999, e promulgada pelo Decreto Presidencial no 3.413, de 14 de abril de 2000;
CONSIDERANDO que a Convenção é aplicável a qualquer criança que tenha residência habitual em um Estado Contratante, imediatamente antes da violação do direito de guarda ou de visita, e que essa aplicação cessará quando a criança atingir a idade de dezesseis anos, diante do conceito convencional de criança;
CONSIDERANDO que é da competência da Justiça Federal, nos termos do artigo 109, I e III, da Constituição da República, a matéria relacionada à restituição internacional e visitação transnacional de crianças com base na Convenção da Haia de 1980;
CONSIDERANDO o dever de o Brasil responder com brevidade os pedidos de retorno da criança, assinalando a Convenção o prazo de seis semanas para tanto (artigo 11) e a necessidade de observar procedimento judicial compatível com essa determinação;
CONSIDERANDO que o retorno imediato da criança é a medida prevista pela Convenção como aquela que melhor atende ao interesse da criança em caso de transferência ilícita ou retenção indevida (art. 1, alínea “a”);
CONSIDERANDO que a Convenção não admite a modificação das condições de guarda, as quais devem ser demandadas em ação própria perante a autoridade do Estado da residência habitual da criança (artigo 16);
CONSIDERANDO que a integração ao novo meio não pode ser conhecida nos casos de transferência ou retenção recente (artigo 12, 2);
CONSIDERANDO a deliberação do Plenário do CNJ no Ato Normativo no 0000904-78.2022.2.00.0000, na 347ª Sessão Ordinária, realizada em 22 de março de 2022;
RESOLVE:
Art. 1o Os processos que versarem sobre a restituição de crianças ou sobre o direito de visita, fundadas na Convenção da Haia de 1980, promulgada pelo Decreto no 3.413, de 14 de abril de 2000, reger-se-ão pelas disposições de direito material e processual aplicáveis, observando-se as determinações e orientações complementares estabelecidas nesta Resolução.
CAPÍTULO I
DO DIREITO
Art. 2o Na interpretação e aplicação da Convenção da Haia de 1980, observar-se-ão as normas de direito internacional privado previstas na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em especial no art. 7o, aplicando-se, conforme o caso, o direito privado do Estado de residência habitual da criança ou o Código Civil brasileiro.
Da residência habitual
Art. 3o Aplica-se a Convenção aos casos em que, no momento da transferência ou retenção, a criança mantinha residência habitual em Estado signatário.
Da guarda
Art. 4o Aplica-se a Convenção aos casos em que, no momento da transferência ou retenção, havia outra pessoa natural ou instituição com direito de guarda da criança de acordo com a legislação do Estado onde mantinha residência habitual antes da transferência ou retenção.
§ 1o Considera-se guarda o direito de ter a criança sob seus cuidados e de decidir sobre o lugar de residência dela, na forma do artigo 5o, alínea “a”, da Convenção.
§ 2o Na dúvida sobre a atribuição e sobre a qualificação jurídica do direito de guarda, recomenda-se ao magistrado observar a lei do país de residência habitual da criança.
§ 3o O direito de guarda pode ser atribuído diretamente pela legislação, por decisão judicial ou administrativa ou por contrato (artigo 3o, 2o, da Convenção).
Da ilicitude da transferência ou retenção
Art. 5o Aplica-se a Convenção à transferência ou retenção ilícita da criança do Estado de sua residência habitual.
Parágrafo único. Considera-se ilícita a transferência ou retenção quando:
I – tenha havido violação a direito de guarda, e
II – esse direito estivesse sendo exercido de maneira efetiva, individual ou conjuntamente, no momento da transferência ou da retenção, ou devesse sê-lo caso tais acontecimentos não tivessem ocorrido.
Das partes, do interessado e do ministério público
Art. 6o A União será intimada, na pessoa de seu representante judicial, nos processos judiciais de retorno fundados na Convenção da Haia de 1980, em que não for autora, podendo assumir qualquer dos polos ou atuar como amicus curiae.
Art. 7o A pessoa em cuja companhia está a criança no território brasileiro será parte legítima para responder ao processo.
Art. 8o A pessoa natural ou a instituição que alega titularizar direito de guarda da criança de acordo com a legislação do Estado onde mantinha residência habitual antes da transferência ou retenção é considerada interessada nos processos judiciais em que a União for parte autora, podendo intervir como assistente.
§ 1o A União manterá contato com a pessoa interessada, cientificando-a dos atos cuja participação é conveniente ou necessária.
§ 2o Caso necessário, a União fornecerá ao juízo os meios de contato da pessoa interessada e solicitará sua notificação dos atos processuais.
Art. 9o O Ministério Público Federal será intimado de todos os termos do processo.
Do despacho inicial
Art. 10. Recebida a petição inicial, o juiz federal tomará as seguintes providências:
I – analisará o pedido de tutela provisória, se for o caso;
II – determinará a citação da parte ré;
III – designará audiência de mediação, a se realizar no prazo de 30 (trinta) dias, sempre que entender viável; e
IV – determinará, desde logo, a produção das provas que forem requeridas ou possam ser determinadas de ofício, assegurando o direito da parte ré à participação nesta fase.
Parágrafo único. No mandado de citação, deverá constar:
I – a determinação de que o réu forneça, durante o cumprimento do ato, todos os seus meios de contato – telefone, e-mail, endereços alternativos – e comunique previamente ao juízo qualquer propósito de mudar de endereço ou de se ausentar de seu local de domicílio atual, até a conclusão do processo e enquanto a criança estiver sob seus cuidados; e
II – a informação de que o prazo para a contestação iniciará da data da juntada do mandado cumprido, na forma do art. 231, II, do Código de Processo Civil.
Da resposta
Art. 11. O prazo para resposta será de 15 (quinze) dias, contados a partir da juntada do comprovante de citação.
Art. 12. A contestação deverá se ater aos fundamentos que obstam o retorno da criança, nos termos da Convenção, notadamente:
I – a inexistência do direito de guarda sobre a criança, pela pessoa que supostamente a teria de acordo com a lei do Estado estrangeiro, no momento da transferência ou da retenção;
II – o não exercício efetivo do direito de guarda pela pessoa que supostamente a teria de acordo com a lei do Estado estrangeiro, no momento da transferência ou da retenção;
III – a preferência da criança com idade superior a doze anos por não retornar ao país de residência habitual;
IV – a existência de um risco grave de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável;
V – a integração da criança ao local de residência atual, se, na data do recebimento do pedido de cooperação jurídica pelo Estado brasileiro, decorreu um ano ou mais da data da transferência ou da retenção indevidas; e
VI – a verificação de que a restituição da criança violaria os princípios fundamentais da República brasileira quanto à matéria de proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.
Da mediação
Art. 13. A audiência de mediação será realizada na forma da lei processual civil.
§ 1o À pessoa interessada será assegurada a participação na audiência, podendo utilizar meios eletrônicos de comunicação a distância.
§ 2o A mediação incentivará a participação de ambos os genitores nos direitos e deveres decorrentes do poder familiar.
Da organização e de saneamento
Art. 14. Não obtida a mediação, o juiz realizará, ato contínuo, a organização e o saneamento do processo, decidindo todas as questões previstas no art. 357 do Código de Processo Civil, e designará audiência de instrução e julgamento em prazo não superior a 30 (trinta) dias.
§ 1o As partes requererão a produção de provas na petição inicial e na contestação, respectivamente, e arrolarão as testemunhas até a organização e saneamento.
§ 2o As testemunhas que não se encontrarem no Brasil serão apresentadas pela parte requerente independentemente de intimação, facultada a utilização de videoconferência.
§ 3o É inadmissível a prova sobre a adaptação da criança ao Brasil, se transcorrido menos de um ano entre a data da subtração ou retenção ilícita e o recebimento do pedido de cooperação jurídica internacional pela Autoridade Central brasileira, ou o início do processo judicial no caso de a demanda ser ajuizada pela pessoa deixada no Estado da residência habitual da criança, devidamente representada por advogado.
§ 4o Admitida a produção de prova pericial, o juiz nomeará perito e estabelecerá calendário para sua realização, devendo o resultado ser impreterivelmente apresentado até a data da audiência de instrução e julgamento.
§ 5o O juiz poderá deixar de conhecer da alegação sobre grave risco contida no art. 13, alínea “d”, se a prova for de difícil ou demorada obtenção e a matéria puder ser tratada pelas autoridades do país de residência habitual da criança.
§ 6o Excepcionalmente, o prazo para a realização da audiência de instrução e julgamento poderá ser prorrogado por até 30 (trinta) dias, a pedido das partes, ou no interesse da produção de provas indispensáveis.
Da audiência de instrução e julgamento
Art. 15. Salvo motivo de força maior, não haverá adiamento da audiência de instrução e julgamento.
§ 1o A audiência será concluída na mesma data, salvo absoluta impossibilidade.
§ 2o A audiência suspensa será retomada na primeira oportunidade.
Art. 16. Oferecida a defesa prevista na alínea “c” do art. 13 da Convenção da Haia de 1980, o juiz ouvirá a criança e averiguará se a manifestação é livre da influência indevida da pessoa responsável pelo sequestro ou retenção ou terceiros.
Das traduções
Art. 17. Poderão ser utilizados quaisquer recursos para a compreensão de documentos em língua estrangeira, inclusive tradutores automáticos, se o documento for produzido por pessoa que goza do benefício da assistência judiciária gratuita ou a versão juramentada puder atrasar a tramitação processual.
Da tutela provisória
Art. 18. O deferimento da tutela provisória observará a legislação processual civil.
§ 1o Em caso de risco de novo sequestro ou retenção indevidos, o juiz considerará a adoção de medidas restritivas da liberdade de viajar da pessoa em cuja companhia está a criança e da própria, como retenção de passaporte e alerta às autoridades de fronteira.
§ 2o Havendo elementos para crer que a criança está em situação de risco, o juiz considerará medidas de proteção, em especial o acolhimento institucional ou familiar.
§ 3o O juiz considerará a imediata devolução da criança, em especial se houver evidência de que a pessoa que está em companhia da criança não tem direito semelhante ao qualificado como guarda, ainda que compartilhada, pelo direito brasileiro (art. 1.583, § 1o, do Código Civil), mesmo que detenha direito semelhante ao qualificado como poder familiar pelo direito brasileiro (art. 1.630 do Código Civil).
Dos recursos
Art. 19. Os recursos em processos previstos nesta Resolução serão julgados em até duas sessões ordinárias, contadas da data da conclusão ao relator.
Da execução da ordem de retorno
Art. 20. O juiz federal poderá solicitar o auxílio da Advocacia da União e da Autoridade Central brasileira para a realização, no âmbito de suas atribuições, dos procedimentos concernentes à execução da decisão judicial que ordenar o retorno da criança, certificando-se do seu bem-estar e da sua segurança no território nacional.
Parágrafo único. O juiz federal poderá, igualmente, solicitar o apoio de profissionais da área da psicologia e da assistência social, além do acompanhamento da Polícia Federal, se necessário.
Das ações de guarda na jurisdição brasileira
Art. 21. Nos termos do artigo 17 da Convenção da Haia de 1980, a decisão proferida pelo juiz federal com determinação de retorno da criança deverá ser cumprida ainda que haja decisão relativa ao direito de guarda proferida em ação judicial perante a Justiça Estadual brasileira.
Art. 22. Ao tomar conhecimento da pendência de processo relativo à guarda de criança em curso na Justiça Estadual, o juiz federal comunicará ao juiz de direito a tramitação do pedido de restituição, formulado nos termos do artigo 16 da Convenção da Haia de 1980.
Parágrafo único. Constatada a tramitação de processo relativo à guarda de criança na Justiça Estadual, nas hipóteses previstas nesta Resolução, ficará ele sobrestado até o pronunciamento da Justiça Federal sobre o retorno ou não da criança.
Das custas, despesas e honorários
Art. 23. Os procedimentos decorrentes do cumprimento da Convenção seguirão as regras gerais do Código de Processo Civil (CPC) quanto à isenção de custas, honorários, taxas, distribuição do ônus da prova e também quanto à assistência jurídica gratuita, quando requerida por uma parte.
CAPÍTULO II
DO PROCESSO JUDICIAL PARA ASSEGURAR DIREITO DE VISITA
Art. 24. Ao processo judicial para assegurar o direito de visita, na forma do artigo 21 da Convenção da Haia de 1980, aplica-se, no que couber, esta Resolução.
CAPÍTULO III
DAS PROVIDÊNCIAS ADMINISTRATIVAS
Do acompanhamento pela Corregedoria
Art. 25. A Corregedoria Nacional de Justiça poderá instaurar Pedido de Providências para acompanhamento de ações previstas nesta Resolução e dos respectivos recursos e direcionará correspondência ao magistrado, encaminhando material informativo e reforçando a importância de adotar decisão conclusiva nos prazos estabelecidos.
Parágrafo único. As atribuições deste artigo poderão ser exercidas concorrentemente com o Conselho da Justiça Federal, a Corregedoria-Geral da Justiça Federal e as Corregedorias Regionais da Justiça Federal.
Dos juízes de enlace
Art. 26. A Presidência do Supremo Tribunal Federal designará um juiz coordenador e juízes de enlace para a Convenção da Haia de 1980 entre os juízes de cada um dos Tribunais Regionais Federais.
§ 1o Aos juízes de enlace para a Convenção da Haia no Brasil caberá:
I – o compartilhamento de informações gerais sobre a Convenção e sobre a Rede de Juízes internacionalmente criada para lidar com os casos de sequestro internacional de crianças;
II – estimular a participação de juízes em seminários e eventos, nacionais e internacionais, sobre o tema da Convenção, que ajudem a contribuir no desenvolvimento da especialização daqueles que lidam com a matéria;
III – estabelecer comunicações diretas com juízes brasileiros relacionadas com casos específicos, com o objetivo de colaborar para a solução de impasses que impeçam a regular aplicação da Convenção no Brasil, realizando reuniões periódicas de acompanhamento das causas em andamento com os respectivos magistrados de primeira e segunda instância;
IV – estabelecer relações com as autoridades centrais brasileiras e com todos aqueles envolvidos com a proteção internacional de crianças sequestradas;
V – atuar como intermediário entre magistrados e as corregedorias na solução de demandas e em busca de estabelecer diretrizes destinadas a promover o célere andamento e julgamento dos processos que envolvam a Convenção;
VI – atuar como facilitador na prática de atos processuais que envolvam a jurisdição do Estado de residência habitual da criança;
VII – identificar dificuldades e problemas que possam surgir no curso do processo e estejam relacionadas com o pedido oriundo da autoridade central estrangeira; e
VIII – participar de reuniões convocadas pela Corregedoria Nacional de Justiça, cujo assunto esteja diretamente relacionado com a Convenção.
§ 2o Compete ao Coordenador, além das atribuições conferidas aos juízes de enlace:
I – estabelecer contatos com congêneres, autoridades centrais e outras autoridades no exterior, no interesse da Convenção e com a Conferência da Haia de Direito Internacional Privado;
II – estabelecer comunicações diretas com juízes estrangeiros relacionadas com casos específicos, com o objetivo de colaborar para a solução de impasses que impeçam a regular aplicação da Convenção;
III – coordenar a atuação dos juízes de enlace.
Da autuação
Art. 27. Os processos tendo por pedido a restituição de crianças terão como assunto principal: “10921 Restituição de Criança, Convenção da Haia 1980”.
Parágrafo único. O Comitê Gestor das Tabelas Processuais Unificadas do Poder Judiciário e da Numeração Única poderá modificar ou desdobrar o assunto, bem como criar assunto específico para a regulamentação do direito de visita (artigo 21 da Convenção).
Do segredo de justiça
Art. 28. O segredo de justiça incidente sobre os processos de que trata esta Resolução não obstará a publicação das decisões proferidas, desde que omitidos elementos que permitam a identificação dos interessados.
CAPÍTULO IV
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 29. Revoga-se a Resolução CNJ n. 257/2018.
Art. 30. Esta Resolução entrará em vigor 30 (trinta) dias após sua publicação.
Ministro LUIZ FUX