Institui a Política Judiciária para o Fortalecimento dos Conselhos da Comunidade e dá outras providências.
Cumprdec nº 0002115-18.2023.2.00.0000.
A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais;
CONSIDERANDO a competência do CNJ para o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário (art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal);
CONSIDERANDO a Lei n. 7.210/1984 – Lei de Execução Penal –, que determina que o Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade para a execução da pena e da medida de segurança e traz disposições sobre a instituição, composição e atribuições dos Conselhos da Comunidade, órgãos da execução penal, atribuindo competência ao juiz da execução para sua instalação (arts. 4º; 61, VII; 66, IX; 80, 81 e 186);
CONSIDERANDO as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos – "Regras de Mandela" – que apresentam diretrizes para o contato da pessoa presa com o mundo exterior e estabelecem que a pena privativa de liberdade não deve acentuar a exclusão da sociedade, devendo-se recorrer, sempre que possível, à cooperação de organizações da comunidade (Regras 61 e 88);
CONSIDERANDO os Princípios Básicos Relativos ao Tratamento de Reclusos promulgados pela Assembleia Geral da ONU, em que se estabelece o dever de criar condições favoráveis à reinserção da pessoa na sociedade, nas melhores condições possíveis, com a participação e ajuda da comunidade e das instituições sociais, e com o devido respeito pelos interesses das vítimas (item nº 10);
CONSIDERANDO a Resolução CNJ n. 47/2007, que dispõe que os Juízes deverão compor e instalar o Conselho da Comunidade em suas respectivas comarcas, na forma da Lei de Execução Penal (art. 4º);
CONSIDERANDO a Resolução CNJ n. 96/2009, que estabelece que os tribunais deverão diligenciar para que os Conselhos da Comunidade sejam efetivamente instalados e para que tenham funcionamento regular, especialmente quanto à implementação de projetos de reinserção social (art. 5º, III e § 1º);
CONSIDERANDO a Resolução CNJ n. 214/2014, que confere aos Grupos de Monitoramento e Fiscalização dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais atribuição para fomentar a criação e fortalecer o funcionamento e a autonomia dos Conselhos da Comunidade, centralizando o monitoramento das informações e contato a respeito deles;
CONSIDERANDO a Resolução CNJ n. 307/2019, que institui a Política de Atenção a Pessoas Egressas do Sistema Prisional e estabelece que o Escritório Social será implementado com a participação das redes de políticas sociais, integrada, entre outros, pelos Conselhos da Comunidade;
CONSIDERANDO a necessidade de articular as atribuições assistenciais dos Conselhos da Comunidade com a políticas nacionais de trabalho, educação, saúde e assistência social;
CONSIDERANDO a deliberação do Plenário do CNJ, nos autos do Procedimento de Ato Normativo n. 0002903-66.2022.2.00.0000, na 1ª Sessão Ordinária, realizada em 14 de fevereiro de 2023;
RESOLVE:
CAPÍTULO I
DA POLÍTICA JUDICIÁRIA PARA O FORTALECIMENTO DOS CONSELHOS DA COMUNIDADE
Art. 1º Esta Resolução institui a Política Judiciária para o Fortalecimento dos Conselhos da Comunidade, delineando diretrizes para sua instalação, organização e funcionamento.
Art. 2º A Política Judiciária para o Fortalecimento dos Conselhos da Comunidade tem por objetivos:
I – reforçar o papel do Conselho da Comunidade como agente ativo articulador e mobilizador de direitos no âmbito da execução penal;
II – assegurar a participação da sociedade na formulação, execução e monitoramento dos serviços penais, com vistas à redução da superlotação e superpopulação prisional, à prevenção e combate à tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes;
III – diminuir o distanciamento entre a comunidade e a prisão, promovendo a integração entre os estabelecimentos prisionais e as políticas públicas e sociais, a partir do reconhecimento de que os direitos de cidadania não cessam com a privação de liberdade; e
IV – promover os direitos fundamentais das pessoas submetidas ao cumprimento de penas e medidas de segurança e reduzir a vulnerabilidade da população carcerária a fim de estimular a integração social das pessoas egressas.
Art. 3º Os Conselhos da Comunidade são órgãos da execução penal, de natureza autônoma e sem fins lucrativos, integrados por representantes de diversos segmentos da sociedade, que têm por finalidade o fortalecimento da atuação da sociedade civil na execução penal, a partir da formulação, monitoramento, controle e fiscalização das políticas penais, em atuação conjunta com os demais órgãos da execução, instituições públicas e entidades sociais.
Parágrafo único. Compreende-se por políticas penais o conjunto de políticas de responsabilização penal que envolve medidas de privação de liberdade em diferentes regimes, alternativas penais, audiências de custódia, serviços de monitoração eletrônica, práticas restaurativas no sistema de justiça criminal e serviços de atenção às pessoas egressas do sistema prisional, as quais demandam a implantação de equipamentos públicos específicos e a qualificação de servidores penais aptos para sua execução.
Art. 4º Haverá em cada comarca ou circunscrição judiciária da Justiça Federal um Conselho da Comunidade constituído, no mínimo, por 1 (um) representante de associação comercial ou industrial, 1 (um) advogado indicado pela seção da Ordem dos Advogados do Brasil, 1 (um) defensor público indicado pelo Defensor Público-Geral e 1 (um) assistente social escolhido pela representação de classe.
§ 1º Além dos membros mencionados no caput, será oportunizada a participação de representantes de outros segmentos da sociedade, como movimentos sociais, associações de familiares de pessoas privadas de liberdade e egressas do sistema prisional, organizações ligadas às políticas de direitos humanos, gênero, saúde, educação, inserção social e produtiva, cultura e defesa de direitos, instituições acadêmicas, conselhos profissionais e associações de municípios, a fim de ampliar a representatividade do órgão.
§ 2º A atuação dos membros do Conselho da Comunidade deve ser pautada pela ética e responsabilidade, de modo a evitar conflitos pessoais de interesses e impedir o desvirtuamento de suas funções.
§ 3º Recomenda-se a instalação do Conselho da Comunidade também nas comarcas ou circunscrições judiciárias que não possuam unidade prisional em seu território, considerada a possibilidade de atuação em políticas penais executadas em meio aberto, visando facilitar a reinserção social de pessoas egressas.
Art. 5º Compete ao juízo da execução penal instalar o Conselho da Comunidade nas comarcas ou circunscrições judiciárias em que ainda não esteja instituído, nos termos dos arts. 66, IX, e 80, da Lei de Execução Penal.
§ 1º O juízo da execução expedirá ofícios às entidades mencionadas no caput e parágrafo primeiro do artigo anterior, a fim de que indiquem representante para a composição do Conselho, podendo ainda publicar edital para a convocação de outros interessados.
§ 2º Nas comarcas ou circunscrições judiciárias formadas por mais de um município, é recomendável a participação de integrantes de todas as localidades abrangidas.
§ 3º Na falta da indicação de representantes pelas entidades, ficará a critério do juízo a escolha dos integrantes do Conselho, priorizando-se a participação da sociedade civil.
§ 4º O juízo da execução poderá convocar reunião com os indicados e com a comunidade, antes da publicação da portaria de instalação, a fim de reforçar a importância e os impactos sociais decorrentes da implantação do Conselho e apresentar as atribuições do órgão, previstas na lei e nos atos normativos aplicáveis.
§ 5º A partir das indicações apresentadas e das manifestações de interessados, o juízo da execução publicará portaria de instalação do Conselho da Comunidade.
§ 6º O juízo da execução atuará na interlocução e no apoio, inclusive para identificar e construir mecanismos que contribuam para o funcionamento inicial e manutenção do órgão.
§ 7º O juízo da execução competente para instalar o Conselho da Comunidade iniciará os procedimentos previstos neste artigo no prazo de 90 (noventa) dias, contados da publicação desta Resolução.
§ 8º A instalação ou reativação do Conselho da Comunidade poderá ser requerida ao juízo da execução por representante de qualquer entidade mencionada no art. 4º da presente Resolução.
Art. 6º Além da instalação do Conselho da Comunidade, compete ao juízo da execução conhecer das comunicações e relatórios enviados pela entidade, bem como apreciar eventuais requerimentos de providências para assegurar a sustentabilidade, a autonomia e o livre desempenho de suas atribuições, incluído o disposto no art. 12 desta Resolução.
Art. 7º São atribuições do Grupo de Monitoramento e Fiscalização dos Tribunais (GMFs) fomentar a criação e fortalecer o funcionamento e a autonomia dos Conselhos da Comunidade, além de centralizar o monitoramento das informações e contatos, conforme art. 6º, XIX, da Resolução CNJ n. 214/2015.
Parágrafo único. Os GMFs informarão ao CNJ, anualmente, por meio de formulário eletrônico, dados atualizados referentes aos Conselhos da Comunidade da localidade de abrangência do GMF.
CAPÍTULO II
DAS DIRETRIZES PARA O FORTALECIMENTO DOS CONSELHOS DA COMUNIDADE
Art. 8º Os Conselhos da Comunidade desempenham as funções fiscalizadora, consultiva, educativa, assistencial, bem como de representação e intermediação da comunidade nas políticas penais, compreendidas as atribuições a elas inerentes, como:
I – comparecer aos equipamentos e serviços de execução penal, realizar inspeções e fiscalizar as condições de cumprimento das políticas penais;
II – realizar processos de escuta e coleta de documentação de pessoas presas, internadas, egressas, familiares e servidores penais, assegurada a privacidade para a realização da entrevista;
III – apresentar relatórios mensais ao juízo da execução e, quando cabível, aos demais órgãos da execução penal, com informações a respeito de suas atividades e dos registros coletados em atividades de campo, especialmente quando se tratar de denúncias ou indícios de violações de direitos, maus-tratos e tortura, ou de obstrução das atividades do Conselho;
IV – contribuir para articulação de instâncias municipais e estaduais das políticas públicas a fim de garantir a inclusão das pessoas privadas de liberdade, em monitoração eletrônica, em alternativas penais ou egressas prisionais como público destinatário, considerando as suas especificidades;
V – mobilizar recursos materiais e humanos para a execução de projetos e ações voltados para a garantia de direitos das pessoas privadas de liberdade, em monitoração eletrônica, em alternativas penais ou egressas prisionais, e seus familiares;
VI – executar projetos de assistência material para pessoas privadas de liberdade, especialmente àquelas que não recebem visitas, pessoas em monitoração eletrônica, em alternativas penais ou egressas prisionais, e seus familiares;
VII – contribuir, de forma suplementar, para o acesso das pessoas privadas de liberdade à assistência médica, odontológica, religiosa, jurídica, bem como a programas de educação, formação para o trabalho e colocação profissional, respeitando-se os marcadores sociais das diferenças;
VIII – orientar e apoiar as pessoas em cumprimento de penas e medidas em meio aberto, em livramento condicional, submetidas à transação penal, suspensão condicional do processo e suspensão condicional da execução da pena;
IX – promover formação inicial e capacitação continuada de seus membros;
X – promover processos educativos a respeito das políticas penais, seus fundamentos, dinâmicas, atores e finalidades, na perspectiva da garantia de direitos, voltados para o Poder Público, servidores da execução penal, pessoas privadas de liberdade, em monitoração eletrônica, em alternativas penais ou egressas prisionais, além de realizar ações de mobilização comunitária destinadas à promoção dos direitos;
XI – apoiar, em função consultiva e dentro dos limites de suas atribuições, o Poder Executivo na elaboração de planos de políticas penais, bem como o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública na indução, fomento, monitoramento, controle e fiscalização dessas políticas penais;
XII – representar a comunidade na formulação, execução, monitoramento, controle e fiscalização das políticas penais, em consonância com a legislação vigente e tratados internacionais;
XIII – acompanhar a gestão orçamentária destinada ao sistema prisional, observados os limites de suas atribuições;
XIV – mobilizar e compor redes, fóruns, comitês, grupos de trabalho e outros dispositivos que congreguem agentes públicos e de controle social nos temas afetos à atuação dos Conselhos da Comunidade, a fim de dar visibilidade ao tema, combater preconceito e discriminação, articular parcerias e recursos, discutir e encaminhar casos para atendimento nas políticas públicas ou na iniciativa privada e do terceiro setor; e
XV – comunicar a Defensoria Pública quando constatar que há pessoa privada de liberdade sem assistência jurídica.
Parágrafo único. O CNJ publicará Manual de Fortalecimento dos Conselhos da Comunidade, a fim de contribuir para o aprimoramento da instauração, da estrutura e das práticas dos referidos Conselhos.
Art. 9º Após a publicação da portaria de instalação pelo juízo da execução, o Conselho da Comunidade realizará, em 60 (sessenta) dias, reunião para lavratura da ata de posse dos conselheiros, para elaboração do estatuto e para eleição da Diretoria e do Conselho Fiscal, com a possibilidade de ampliação da composição, para além daquela prevista no art. 4°, caput e § 1º desta resolução.
Parágrafo único. O Conselho da Comunidade encaminhará cópia do estatuto social e da ata de eleição dos membros da Diretoria e do Conselho Fiscal ao juízo da execução, para ciência bem como comunicará e manterá atualizados seus dados, como telefone, endereço, e-mail e nomes dos membros da Diretoria, para fins de interlocução com a unidade jurisdicional e divulgação das informações a que se refere o art. 16.
Art. 10. É facultado aos Conselhos da Comunidade adquirir personalidade jurídica própria, a fim de facilitar a formação de parcerias e convênios, a execução de projetos, bem como a captação e aplicação de recursos.
Art. 11. A diretoria do Conselho da Comunidade será composta por membros eleitos na forma do respectivo estatuto e, preferencialmente, por pessoas que não atuem como autoridades ou servidores públicos da área criminal ou da execução penal, em atenção à autonomia do órgão e de modo a evitar o comprometimento do desempenho de suas funções institucionais.
Art. 12. A função fiscalizadora dos Conselhos da Comunidade abrange o acesso aos estabelecimentos de privação de liberdade, às pessoas presas ou internadas, aos servidores e à documentação existente, a fim de viabilizar a verificação do cumprimento da legislação nacional e internacional aplicável à execução penal, a divulgação das atribuições e diretrizes do Conselho da Comunidade, a proposição e o encaminhamento de soluções às autoridades competentes, bem como o monitoramento posterior das recomendações apresentadas.
Parágrafo único. As atribuições de que trata este artigo serão exercidas mediante interlocução com os órgãos da administração penitenciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública e contarão com o apoio do juízo da execução e do juiz corregedor da respectiva unidade, sempre que necessário, para o pleno desempenho da sua função fiscalizadora.
Art. 13. Os Conselhos da Comunidade dispõem de autonomia para o exercício de suas atribuições, bem como para definir a forma de empregar os recursos no exercício das respectivas atividades.
Parágrafo único. Os Conselhos da Comunidade poderão receber valores decorrentes de fundos federais, estaduais e municipais de políticas penais, dotações orçamentárias, doações e recursos de outras fontes não vedadas em lei, devendo utilizá-los para o custeio das despesas administrativas e para o desempenho de suas atribuições, mediante a apresentação de plano de aplicação de recursos e posterior prestação de contas, revelando-se incompatível com as finalidades do órgão gastos com:
I – pagamento de qualquer espécie de remuneração aos membros do Diretoria ou do Conselho;
II – construção, reforma e estruturação de estabelecimentos penais; e
III - compra de armamentos, equipamentos e materiais de qualquer natureza destinados à utilização dos agentes públicos no exercício de função prevista na Lei n. 13.675/2018.
Art. 14. Preservada sua autonomia, a atuação dos Conselhos da Comunidade ocorrerá de forma articulada e em rede com os órgãos e agentes públicos dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, do Ministério Público e da Defensoria Pública, incluídos aqueles responsáveis pelo planejamento, pela execução e pela fiscalização das políticas penais, de saúde, de trabalho, de educação, diversidades e de assistência social, com os Conselhos de Direitos, Universidades, Centrais de Monitoração Eletrônica, Centrais de Penas Alternativas, Escritórios Sociais, e entidades da sociedade civil, entre outros.
Art. 15. Os Conselhos da Comunidade promoverão a transparência da sua atuação, por meio da apresentação e divulgação das atividades realizadas, pelos meios que se mostrem mais adequados.
Art. 16. Os Conselhos da Comunidade de cada estado poderão instituir federações, entidades de natureza jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, com a finalidade de congregar e fortalecer os Conselhos, representar seus interesses, fomentar a criação do órgão onde não existir e difundir boas práticas.
Parágrafo único. As federações estaduais e distrital poderão instituir confederação nacional, com as mesmas finalidades.
CAPÍTULO III
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 17. O acompanhamento do cumprimento desta Resolução contará com o apoio técnico do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça (DMF), ao qual compete:
I – disponibilizar no site do CNJ informações básicas sobre os Conselhos da Comunidade do Brasil, atualizando-as anualmente com base nas informações repassadas pelos GMFs, nos termos do art. 7º; e
II – elaborar e colocar à disposição pública, em até 90 (noventa) dias após a aprovação desta Resolução, Manual de Fortalecimento dos Conselhos da Comunidade, de que trata o art. 8º, parágrafo único, desta Resolução.
Art. 18. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Ministra ROSA WEBER