Dispõe sobre a Política Judiciária sobre Pessoas Idosas e suas interseccionalidades.
Cumprdec 0007196-45.2023.2.00.0000.
A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais,
CONSIDERANDO que a Constituição da República assegura ao Poder Judiciário autonomia administrativa, conforme art. 99, e atribui ao Conselho Nacional de Justiça a missão de zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, art. 103-B, § 4o, I;
CONSIDERANDO que cabe ao Conselho Nacional de Justiça a fiscalização e a normatização do Poder Judiciário e dos atos praticados por seus órgãos, nos termos do art. 103-B, § 4o, I, II e III, da CF;
CONSIDERANDO as normativas internacionais de Direitos Humanos para a população idosa, em especial o art. 25, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que reconhece direitos que devem ser assegurados na velhice;
CONSIDERANDO que são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, nos termos do art. 3o, I, III e IV da Constituição Federal;
CONSIDERANDO ser dever do Estado assegurar assistência a todos os integrantes da família, pela implementação de instrumentos voltados à harmonização e pacificação em casos de litígio, nos termos do art. 226, § 8º, da Constituição Federal;
CONSIDERANDO que a Constituição Federal assevera, em seu art. 230, que a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida;
CONSIDERANDO a Política Nacional da Pessoa Idosa, estabelecida pela Lei n. 8.842/1994;
CONSIDERANDO os direitos assegurados no Estatuto da Pessoa Idosa, notadamente quanto à obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público de garantir ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária;
CONSIDERANDO a obrigação do Poder Público em garantir o cumprimento dos direitos e o resgate da cidadania dessa parcela da sociedade;
CONSIDERANDO que o Poder Judiciário deverá, no exercício de suas competências, adotar as providências necessárias para garantir que as pessoas idosas sejam tratadas com equidade, dignidade e respeito pelos órgãos judiciários e de seus serviços auxiliares;
CONSIDERANDO a Recomendação CNJ n. 50/2014, que recomenda aos tribunais a adoção das oficinas de parentalidade como política pública na resolução e prevenção de conflitos familiares, nos termos do art. 1º, inciso I;
CONSIDERANDO a necessidade de adequação da atuação do Poder Judiciário para consideração da perspectiva de idade na prestação jurisdicional;
CONSIDERANDO a decisão plenária tomada no procedimento Ato Normativo n. 0005234-84.2023.2.00.0000, na 13ª Sessão Ordinária, realizada em 5 de setembro de 2023;
RESOLVE:
CAPÍTULO I
DA POLÍTICA JUDICIÁRIA NACIONAL
SOBRE PESSOAS IDOSAS E SUAS INTERSECCIONALIDADES
Art. 1º Instituir a Política Judiciária sobre Pessoas Idosas e suas interseccionalidades, definindo princípios, diretrizes, objetivos, e ações para o enfrentamento da violência contra as pessoas idosas, bem como garantindo a adequada solução de conflitos, nos termos da legislação vigente.
CAPÍTULO II
DOS PRINCÍPIOS, DIRETRIZES E OBJETIVOS
Art. 2º Esta Resolução é regida pelos seguintes princípios:
I – dignidade da pessoa humana;
II – respeito à autonomia da pessoa idosa;
III – melhor interesse da pessoa idosa quanto à gestão dos conflitos familiares;
IV – solidariedade intergeracional;
V – abordagem multidisciplinar na atenção à pessoa idosa; e
VI – acesso à justiça.
Art. 3º Esta Resolução é regida pelas seguintes diretrizes:
I – incentivo à autocomposição de conflitos, especialmente através da mediação, objetivando a construção de soluções consensuais quando se tratar de conflitos familiares envolvendo pessoa idosa;
II – promoção de atendimento multidisciplinar à pessoa idosa em situação de risco;
III – articulação de ações para a valorização e proteção da pessoa idosa;
IV – qualificação e atualização dos magistrados e serventuários sobre temáticas relacionadas a pessoas idosas;
V – interligação de fatores de agravamento de situação de violência, tais como idade, raça, etnia, gênero e deficiência; e
VI – trabalho colaborativo e em rede entre atores institucionais envolvidos com a política, para alinhamento de protocolos e fluxos de trabalho, com visão holística e empática acerca da complexidade da pessoa em situação de rua, a fim de permitir uma abordagem multidimensional.
Art. 4º São objetivos da Política Judiciária sobre Pessoas Idosas e suas Interseccionalidade:
I – garantir direitos e assistência humanizada às pessoas idosas que busquem os serviços jurisdicionais;
II – fomentar a articulação entre os atores da rede de enfrentamento à violência contra as pessoas idosas;
III – promover ações que conscientizem a sociedade sobre questões relacionadas ao envelhecimento, aos cuidados e à violência contra as pessoas idosas;
IV – promover a produção de dados e informações relacionados aos processos que envolvam pessoas idosas; e
V – promover ações educativas de sensibilização e o monitoramento dos autores de violência contra as pessoas idosas.
Art. 5º Constituem ações para o enfrentamento à violência contra pessoas idosas:
I – capacitar servidores, magistrados e auxiliares do judiciário sobre a temática;
II – realizar seminários, cursos e palestras voltados aos usuários do sistema de justiça;
III – implementar boas práticas para integração entre atores da rede;
IV – implementar projetos voltados à educação infantil, com o incentivo de participação multigeracional;
V – realizar campanhas em âmbito nacional sobre a temática do envelhecimento e convivência geracional;
VI – implementar o fluxo de tratamento de denúncias no âmbito dos tribunais;
VII – desenvolver bases de dados que possam ser nacionalmente integradas;
VIII – implementar comitês para a promoção de políticas públicas judiciais de atenção às pessoas idosas, observando-se o disposto no art. 43 do Estatuto da Pessoa Idosa; e
IX – criar painéis de análise de informação estatística para monitoramento da violência contra a pessoa idosa e das medidas de proteção deferidas a favor do referido grupo.
CAPÍTULO III
DA IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA
Art. 6º Para garantir o pleno exercício dos direitos da pessoa idosa, compete aos órgãos do Poder Judiciário:
I – prioridade de atendimento;
II – prioridade de análise e julgamento dos processos judiciais, conforme estabelece o art. 1.048, § 2º, do Código de Processo Civil;
Parágrafo único. A fim de se garantir a efetividade do princípio constitucional da razoável duração nos processos em que pessoas idosas sejam parte ou interessados (art. 5º, LXXVIII, CF), recomenda-se aos tribunais a observância dos seguintes prazos:
a. O tempo de tramitação do processo no 1º grau, inclusive sentença, deverá ocorrer no prazo de até 15 (quinze) meses, respeitadas as particularidades da unidade e considerada a complexidade do caso;
b. Nas ações civis públicas propostas com o objetivo de garantir direitos difusos e coletivos de pessoas idosas, a tramitação do processo no 1º grau, inclusive sentença, deverá ocorrer no prazo de até 24 (vinte e quatro) meses, respeitadas as particularidades da unidade e considerada a complexidade do caso.
Art. 7º Os órgãos do Poder Judiciário devem ajustar os sistemas de processo eletrônico para viabilizar o preenchimento obrigatório do campo “data de nascimento”.
§ 1º A extração do dado “data de nascimento” deve ser automática no momento do lançamento do número do CPF do requerente, conforme convênios existentes.
§ 2º A data da concessão da prioridade processual deverá ser inserida pelos tribunais no DataJud.
Art. 8º Os processos que envolvam direitos e interesses de pessoas idosas poderão ser remetidos à oficina sobre o envelhecimento e suas repercussões no campo da justiça, preferencialmente antes da audiência conciliatória ou de instrução e julgamento, avaliada a pertinência temática do caso.
Parágrafo único. Os tribunais deverão instituir oficinas sobre o envelhecimento e suas repercussões no campo da justiça, nos moldes da Oficina de Pais, que consistirá em etapa pré-processual e processual, com vistas à sensibilização das partes sobre a importância da atuação conjunta da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público nos conflitos que envolvam pessoas idosas.
Art. 9º Nos processos de violência doméstica e familiar contra as pessoas idosas, os agressores devem ser encaminhados para as oficinas sobre o envelhecimento.
CAPÍTULO IV
GESTÃO, GOVERNANÇA E PARCERIAS
Art. 10. Será instituído Comitê Nacional, através de Portaria da Presidência, com a presença de especialistas, para acompanhar a implementação da política.
Art. 11. Os tribunais deverão criar comitês multiníveis, multissetoriais e interinstitucionais para a promoção de políticas públicas judiciais de atenção às pessoas idosas, observando-se o disposto no art. 43 do Estatuto da Pessoa Idosa.
Art. 12. O Comitê terá as seguintes atribuições:
I – acompanhar a gestão da política;
II – promover a articulação com as diversas instituições governamentais e não governamentais, visando ações de parceria para o atendimento das demandas apresentadas pela população idosa;
III – promover o aprimoramento e a manutenção de bases de dados e informações estatísticas atualizadas, acessíveis, com padrões que permitam sua integração nacional;
IV – monitorar e avaliar ações relacionadas aos direitos das pessoas idosas, promovidas no âmbito desta política;
V – promover pesquisas da política voltada para pessoas idosas, anualmente, que contemple a experiência dos usuários;
VI – propor e participar de projetos voltados às pessoas idosas, a serem desenvolvidos para aperfeiçoamento da política, com técnicas de inovação, de forma empática e colaborativa;
VII – estabelecer fluxo de trabalho com a Ouvidoria do Tribunal, para funcionar como canal especializado de atendimento, acolhimento e orientação às pessoas idosas;
VIII – promover cursos, palestras e eventos para capacitar juízes, servidores, auxiliares do Judiciário e atores externos em relação à política;
IX – propor, coordenar e participar de mutirões de cidadania para julgamento dos processos que possuam pessoas idosas como requerente;
X – promover a sensibilização, capacitação e materiais de divulgação para a comunidade local, com o objetivo de assegurar o cumprimento dos direitos e deveres previstos no Estatuto da Pessoa Idosa e a erradicação da violência praticada contra a pessoa idosa;
XI – desenvolver estratégias para o atendimento interdisciplinar da pessoa idosa; e
XII – disponibilizar na página da internet dos tribunais, legislação referente aos direitos das pessoas idosas, indicadores e resultados das atividades praticadas voltadas à proteção da pessoa idosa e demais informações pertinentes ao tema.
Art. 13. Os tribunais deverão atuar de forma articulada e propositiva no sentido de criar e fortalecer as redes interinstitucionais de proteção às pessoas idosas.
Parágrafo único. Para alcançar o fortalecimento das redes de proteção, poderão ser criados Fóruns Permanentes de Diálogo Interinstitucional com entidades que atuam no segmento de proteção às pessoas idosas, de âmbito público e privado.
Art. 14. Os tribunais poderão implementar projetos voltados à educação infantil, com o incentivo de participação multigeracional, em regime de cooperação entre instituições, com o objetivo de atuarem na divulgação, promoção e formação acerca do Estatuto da Pessoa Idosa e da educação para o envelhecimento.
Parágrafo único. O público-alvo consistirá na comunidade escolar das escolas públicas das respectivas comarcas e profissionais que atuam nas instituições partícipes.
CAPÍTULO V
CAPACITAÇÃO
Art. 15. Cursos de formação deverão compor o Plano de Capacitação Anual das escolas judiciais e de servidores, a fim de disseminar os princípios, diretrizes e objetivos descritos nos arts. 2º, 3º e 4º, sobre temáticas relacionadas a pessoas idosas, constando a efetiva implementação como critério para concessão do Selo Tribunal Amigo da Pessoa Idosa.
CAPÍTULO VI
SELO TRIBUNAL AMIGO DA PESSOA IDOSA
Art. 16. Fica criado o Selo Tribunal Amigo da Pessoa Idosa, que será concedido a todos os tribunais que comprovarem terem implementado concomitantemente:
I – a priorização no julgamento de processos que tenham como partes pessoas idosas;
II – a oferta de cursos de capacitação para seus servidores tratarem da temática;
III – a disponibilização de vagas nas oficinas previstas no art. 8º; e
IV – tenham criado e implementado os comitês previstos no art. 11.
§ 1º O Selo será concedido todo dia 1º de outubro, data que comemora o Dia Nacional do Idoso.
§ 2º Portaria da Presidência especificará os requisitos necessários à concessão do Selo.
CAPÍTULO VII
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 17. O Conselho Nacional de Justiça elaborará manual voltado à orientação dos tribunais e magistrados quanto à implementação das medidas previstas nesta Resolução, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias.
Art. 18. Os tribunais deverão desenvolver políticas para formação e manutenção de quadros de peritos, nos termos da Resolução CNJ n. 233/2016, que atuarão nos aspectos afetos à pessoa idosa, contemplando capacitação e remuneração adequadas.
Art. 19. Compete à Presidência do Conselho Nacional de Justiça, indicar Conselheiro supervisor para acompanhar e monitorar a Política Judiciária sobre Pessoas Idosas e suas interseccionalidades e um Juiz Auxiliar da Presidência, que o auxiliará.
Art. 20. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Ministra ROSA WEBER