Dispõe sobre estratégias para o cumprimento adequado das decisões judiciais nas demandas de saúde pública.
SEI n. 00040/2023.
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais,
CONSIDERANDO que a judicialização da saúde envolve questões complexas que exigem a adoção de medidas para proporcionar a especialização dos(as) magistrados(as) e desembargadores(as) para proferirem decisões técnicas e precisas;
CONSIDERANDO que o Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde (Fonajus), criado pelo CNJ, tem adotado medidas concretas e normativas voltadas à prevenção de conflitos judiciais e à qualificação das decisões tomadas pelos(as) magistrados(as) e desembargadores(as), em sede de cognição sumária, além da definição de estratégias nas questões de direito sanitário, mediante estudos e formulação de proposições pertinentes;
CONSIDERANDO a importância do tratamento adequado das demandas em saúde pública com o cumprimento efetivo das decisões judiciais;
CONSIDERANDO que o Poder Judiciário enfrenta vários problemas relativos ao cumprimento das decisões judiciais sobre saúde pública, exigindo assim a formulação de estratégias para que haja a efetividade dos direitos fundamentais;
CONSIDERANDO a relevância da proposta de ato normativo elaborada pelo Grupo de Trabalho para a construção de fluxo para o cumprimento de decisões judiciais nas ações relativas à saúde pública propostas contra a União, instituído pela Portaria CNJ nº 297/2022, que foi aprovado pelo Comitê Executivo do Fonajus;
CONSIDERANDO a deliberação do Plenário do CNJ do Ato Normativo nº 0007005-97.2023.2.00.0000, na 16ª Sessão Virtual, encerrada em 17 de novembro de 2023;
RESOLVE:
Art. 1° Esta Recomendação dispõe sobre estratégias para o cumprimento adequado das decisões judiciais nas demandas de saúde pública.
Art. 2° A fim de aferir qual o ente competente sobre o item pleiteado, a existência de evidência científica e de substitutivos terapêuticos incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS) e outras informações necessárias, recomenda-se a oitiva do Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NatJus), bem como do ente público demandado, em consonância com os Enunciados nº 13, 18 e 107 do Fonajus.
Art. 3º A tutela específica deve ser ordenada prioritariamente ao ente público competente pelo seu cumprimento material, observada a repartição de competências estabelecida na Lei nº 8.080/1990, e nas respectivas normas infralegais.
§ 1º O cumprimento material da tutela específica será ordenado à União se esta tiver competência normativamente definida.
§ 2º Quando se tratar de obrigação direcionada ou de responsabilidade da União, o custeio caberá ao ente federal, com o envio do medicamento, do insumo ou do valor respectivo para as Secretarias de Saúde do ente federado responsável pela dispensação.
§ 3º Caso o ente não cumpra a ordem judicial, sendo ela redirecionada a outro ente, será oportunizado prazo para cumprimento, buscando-se evitar no primeiro momento a aplicação direta de medidas constritivas ou sancionatórias.
Art. 4º Recomenda-se consulta no portal do ente público sobre a existência e a adoção de ata de registro de preço para aquisição do medicamento.
§ 1º Constando da ata de registro de preço o medicamento em apresentação diversa da prescrita, seja em relação à dosagem, forma farmacêutica ou via de administração, poderá o juízo intimar a parte para que junte prescrição informando a possibilidade de adequação de modo a permitir um cumprimento mais célere.
§ 2º A consulta dos produtos com ata de registro de preço em vigor poderá ser realizada pelos NatJus locais.
§ 3º Os Comitês Executivos de Saúde do Fonajus e os entes públicos do SUS, sempre que possível, informarão as plataformas nas quais as informações de atas de registro de preço podem ser consultadas.
Art. 5º As decisões judiciais devem fixar prazos razoáveis para seu cumprimento.
§ 1º Os Comitês estaduais e distrital de Saúde do Fonajus dialogarão com os gestores em saúde com a finalidade de apresentar estudos que indiquem os prazos razoáveis para cumprimento adequado das decisões judiciais, dando-se ampla divulgação aos(às) magistrados(as) e desembargadores(as), inclusive sobre informações que garantam transparência sobre a regulação e celeridade no atendimento aos usuários dos serviços.
§ 2º Quando o processo judicial tratar de tecnologia em saúde importada ou não registrada, recomenda-se ao juízo do processo fixar prazo razoável para cumprimento, não inferior a 120 (cento e vinte) dias, ressalvada a hipótese na qual o medicamento não se encontre disponível em estoque.
§ 3º A União disponibilizará aos juízes do feito a consulta aos processos de aquisição de medicamentos que sejam de sua competência, segundo as políticas e programas de assistência farmacêutica, mediante acesso externo.
Art. 6º Nas ações que tenham por objeto o fornecimento de medicamentos, insumos e tratamentos de saúde, será privilegiada a tutela específica, consistente no cumprimento in natura da prestação, mediante fornecimento administrativo ou entrega intermediada pelo juízo.
Art. 7º A forma de aquisição, o local e o procedimento de entrega dos produtos e medicamentos serão definidos pelo ente público responsável pelo cumprimento.
§ 1º Nas dispensações contínuas, recomenda-se que a decisão determine à parte autora do processo que apresente periodicamente receita médica atualizada, indicando a necessidade e a indispensabilidade do tratamento, diretamente ao ente responsável pelo cumprimento ou ao ente responsável pela dispensação.
§ 2º Na hipótese excepcional de entrega do medicamento, do produto ou da tecnologia na residência da parte autora, caberá a ela informar o respectivo recebimento no processo judicial.
Art. 8º Em caso de impossibilidade ou não cumprimento da decisão judicial via fornecimento administrativo, na ausência de outros critérios ou de indicação de prazo necessário pelo ente público responsável para cumprimento da ordem judicial, em caso de prestação continuada, recomenda-se ao juízo determinar o depósito para aquisição do bem suficiente para 3 (três) meses de tratamento, renovando a determinação por iguais períodos até que ocorra a continuidade do tratamento com o fornecimento administrativo, observadas as regras atinentes à prestação de contas.
Art. 9º Para liquidação do valor da prestação, deve-se observar a regulamentação da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) em relação ao Preço Máximo de Venda ao Governo (PMVG) com redução de valor mediante aplicação do Coeficiente de Adequação de Preço (CAP), nos termos da sua Resolução nº 3/2011 (arts. 2º, 3º, 4º, 6º e 7º), e suas posteriores alterações, e que vincula inclusive distribuidoras, empresas produtoras de medicamentos, representantes, postos de medicamentos, unidades volantes, farmácias e drogarias, ou, ainda, preços registrados em atas de registro de preços que observem a referida regulamentação geral (PMVG/CAP), sempre buscando, em qualquer caso, aquele que seja identificado como o menor valor.
§ 1º O ressarcimento de serviços de saúde prestados por unidade privada em favor de paciente do SUS, em cumprimento de ordem judicial, deverá utilizar como critério aquele adotado para o ressarcimento do SUS por serviços prestados a beneficiários de planos de saúde, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal.
§ 2º Não sendo possível a aferição do valor do medicamento, insumo ou serviço na forma deste artigo, caberá à parte autora apresentar até 3 (três) orçamentos, justificando fundamentadamente eventual impossibilidade.
Art. 10. O valor necessário à aquisição e dispensação judicial será depositado, bloqueado ou sequestrado em conta dos entes devedores.
§ 1º Caberá ao demandado a adoção das medidas necessárias para o cumprimento da decisão em prazo razoável, não se recomendando ao juízo a adoção imediata de medidas como bloqueio de valores ou sequestro.
§ 2º O ente público responsável que informar a impossibilidade do cumprimento in natura depositará o valor, ou pleiteará que seja feito o bloqueio em suas próprias contas, informando os dados bancários da conta a ser bloqueada.
§ 3º O sequestro e bloqueio de valores observará as competências estabelecidas no ordenamento jurídico do SUS quanto à responsabilidade do ente competente pelo financiamento do tratamento.
§ 4º Recomenda-se que não sejam objetos de sequestro ou bloqueio as contas bancárias de servidores públicos envolvidos no cumprimento de decisões judiciais, contas com recursos oriundos de convênios celebrados pelos entes e ativos públicos.
§ 5º Deve-se evitar a decretação de prisão de servidores públicos, nos termos do que decidido no Tema 84 do Recurso Repetitivo do Superior Tribunal de Justiça, e recomenda-se que não sejam fixadas multas pessoais a gestores ou que, na hipótese de serem estabelecidas, que guardem proporcionalidade, nos termos dos Enunciados nº 74 e 86 do Fonajus.
Art. 11. Na hipótese do artigo 10, o juízo deverá diligenciar para que a compra seja realizada por outro ente público, pelo estabelecimento de saúde que realiza o tratamento da parte autora ou pelo fornecedor de produto ou serviço.
§ 1º A entrega da verba será feita a quem cumprir a obrigação em substituição à Fazenda Pública, preferencialmente após a comprovação da realização do ato mediante documento fiscal e, se continuado, com liberação gradual do montante, conforme estabelecido nos Enunciados nº 54 e 82 do Fonajus.
§ 2º No caso de negativa da venda pelo Preço Máximo de Venda ao Governo (PMVG) ou aplicação do entendimento do Supremo Tribunal Federal, deverá o julgador avaliar a aplicação das medidas processuais cabíveis para a sua efetividade, inclusive contra terceiros, sem prejuízo da comunicação da instância competente para apuração de irregularidades.
Art. 12. A compra direta pela parte autora é excepcional e deverá ser devidamente justificada.
Art. 13. A dispensação judicial exigirá prestação de contas.
§ 1º O ente público, particular, instituição de saúde ou a parte autora que receber recursos por decisão judicial deverá, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar prestação de contas ao juízo, que verificará, dentre outras questões específicas do caso, o atendimento das condições de preço estabelecidas e as descrições de posologia constantes da decisão.
§ 2º A prestação de contas dar-se-á mediante apresentação de documentos que atestem a devida utilização do recurso público para aquisição do medicamento ou tratamento judicializado, tais como:
I – nota fiscal preferencialmente em nome do ente público, ou, quando se tratar de compra internacional, documento equivalente. Na impossibilidade da emissão de nota fiscal, apresentar recibo com a dedução do imposto de renda;
II – comprovante de dispensação dos respectivos sistemas do SUS, quando a dispensação se der por ente público;
III – prontuário de atendimento, no caso de tratamento de saúde de caráter continuado ou não. E quando se tratar de procedimento, o relatório discriminado de todo o atendimento prestado com os valores correspondentes para efeito de prestação de contas.
§ 3º A ausência da prestação de contas pela parte autora, no prazo determinado, acarretará a suspensão do fornecimento do medicamento ou tratamento pelo ente demandado e a obrigação de devolver os valores corrigidos monetariamente.
Art. 14. O juízo determinará que a parte autora apresente, periodicamente, prescrição, exames e relatórios médicos para fins de monitoramento dos resultados do tratamento judicializado.
Art. 15. Quando o processo judicial envolver tecnologia em saúde não incorporada caberá ao ente público, sempre que possível, a respectiva inclusão da parte autora na rede do SUS, a fim de verificar possíveis alternativas de tratamento e facilitar o fluxo de cumprimento da decisão.
Parágrafo único. Quando o objeto do processo judicial for medicamento incorporado, ainda que fora dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) ou off label, recomenda-se a inclusão do paciente no cadastro para recebimento, na condição sub judice, pela via administrativa, atribuindo-se a responsabilidade pelo cumprimento ao ente originalmente competente, de acordo com as normativas.
Art. 16. Configura abandono de tratamento a não retirada injustificada do medicamento e outros produtos por mais de 3 (três) meses consecutivos, facultando-se ao demandado a suspensão das respectivas aquisições, devendo, ainda, informar ao juízo o respectivo abandono, a fim de avaliar a possibilidade de suspensão ou extinção do processo judicial, sem prejuízo da determinação de reparação ao ente público.
Art. 17. O ente federado que tenha custeado o medicamento, insumo, produto ou serviço poderá pleitear o ressarcimento nos próprios autos em desfavor do ente responsável, desde que ambos tenham figurado no polo passivo do processo de conhecimento.
Art. 18. Após a superveniente incorporação de medicamento ou tratamento judicializado à rede pública de assistência à saúde, deverão ser observados pela parte autora os protocolos do SUS, sob pena de o juízo poder decretar a extinção do processo pela perda do interesse de agir.
§ 1º Com a notícia da incorporação do tratamento ou medicamento ao SUS, recomenda-se ao(à) magistrado(a) ou desembargador(a) intimar a parte autora e os demandados para buscar o atendimento na via administrativa.
§ 2º Caberá à parte autora apresentar os documentos necessários para a migração para a rede de saúde pública.
Art. 19. O CNJ, o Conselho da Justiça Federal, o Ministério da Saúde e a Advocacia-Geral da União, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da publicação desta Recomendação, com o apoio do Comitê Executivo do Fonajus, elaborarão conjuntamente um fluxo de cumprimento de ordens judiciais nas demandas envolvendo direito à saúde pública propostas contra a União, observando esta Recomendação, bem como o manual destinado aos(às) magistrados(as) e desembargadores(as) e à rede de saúde pública.
§ 1º Os Comitês estaduais e distrital de Saúde do Fonajus, igualmente no prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da publicação desta Recomendação, também elaborarão e publicarão seus respectivos fluxos e manuais de cumprimento de ordens judiciais nas demandas envolvendo direito à saúde pública, que deverão observar o disposto nesta Recomendação, e as peculiaridades estaduais e locais.
§ 2º No manual de cumprimento das decisões judiciais, deverão constar informações detalhadas e dados técnicos voltados à orientação dos(as) magistrados(as) e desembargadores(as) quanto à implementação do disposto nesta Recomendação, em especial sobre os procedimentos recomendados para a consulta de atas de preços, prestação de contas, sequestro de valores, dentre outras.
Art. 20. Esta Recomendação entra em vigor na data de sua publicação.
Ministro Luís Roberto Barroso