Estabelece procedimentos e diretrizes para a realização de mutirões processuais penais nos tribunais de justiça e tribunais regionais federais durante os meses de junho e julho de 2025.
ADPF n. 347 - STF
Recurso Extraordinário n. 635.659 - STF
Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006
Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal
Lei n. 12.106, de 2 de dezembro de 2009
Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal
Resolução n. 369, de 19 de janeiro de 2021
HC n. 143.641/SP - STF
HC n. 165.704/DF - STF
HC n. 250.929/PR - STF
SEI n. 06784/2025

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no exercício de suas atribuições legais e regimentais e tendo em vista o contido no processo SEI/CNJ nº 06784/2025,
CONSIDERANDO o julgamento da ADPF nº 347 pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em que foi reconhecido, por unanimidade, o Estado de Coisas Inconstitucional do Sistema Prisional Brasileiro, “cuja modificação depende de medidas abrangentes de natureza normativa, administrativa e orçamentária” mediante atuação articulada das instituições que compõem o sistema de justiça criminal;
CONSIDERANDO a aprovação do Plano Pena Justa no bojo da mesma ADPF, que contempla medidas para a superação do referido estado de coisas, entre as quais a realização de mutirões e a efetivação das decisões e da jurisprudência vinculante dos tribunais superiores, além das Resoluções do Conselho Nacional de Justiça;
CONSIDERANDO a decisão proferida pelo STF no Recurso Extraordinário nº 635.659, que declarou a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 28 da Lei nº 11.343/2006, de modo a afastar todo e qualquer efeito de natureza penal, e determinou a realização de mutirões carcerários para apurar e corrigir prisões decretadas em desacordo com os parâmetros fixados no acórdão;
CONSIDERANDO o direito fundamental à duração razoável do processo (CF, art. 5º, LXXVIII) e o caráter excepcional da prisão antes do trânsito em julgado da decisão condenatória ( CPP, art. 282, § 6º);
CONSIDERANDO os objetivos do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ) elencados no art. 1º, § 1º, da Lei nº 12.106/2009, especialmente a atribuição de planejar, organizar e coordenar, no âmbito de cada tribunal, a realização de mutirões para reavaliação da prisão provisória e definitiva e da medida de segurança e para o aperfeiçoamento de rotinas cartorárias;
CONSIDERANDO o disposto no art. 185 da Lei de Execução Penal (LEP), segundo o qual configura excesso ou desvio de execução a prática de ato que ultrapasse os limites fixados na sentença ou em normas legais ou regulamentares;
CONSIDERANDO o disposto na Resolução CNJ nº 369/2021, que estabelece procedimentos e diretrizes para a substituição da privação de liberdade de gestantes, mães, pais e responsáveis por crianças e pessoas com deficiência, nos termos dos arts. 318 e 318-A do Código de Processo Penal, e em cumprimento às ordens coletivas de habeas corpus concedidas pela 2ª Turma do STF nos HCs nº 143.641/SP e 165.704/DF, além da determinação exarada no HC nº 250.929/PR, que determinou ao CNJ, ante a repetição de casos idênticos, “a adoção das medidas necessárias para remediar esse quadro, mediante realização de mutirões carcerários, em prazo razoável e de acordo com a programação e os critérios do órgão, em coordenação com os Tribunais locais”, com os objetivos de revisar as prisões, apurar as circunstâncias de encarceramento e promover ações de cidadania e de iniciativas para ressocialização dessas mulheres;
CONSIDERANDO que o Código de Processo Penal dedica capítulo específico às medidas cautelares diversas da prisão, bem como a Resolução CNJ nº 288/2019, a qual define a política institucional do Poder Judiciário para a promoção da aplicação de alternativas penais, com enfoque restaurativo, em substituição à privação de liberdade;
RESOLVE:
Art. 1º Estabelecer procedimentos e diretrizes para a realização do "I Mutirão Processual Penal - Pena Justa", referente ao 1º semestre de 2025, nos tribunais de justiça e tribunais regionais federais, no período de 30 de junho até 30 de julho de 2025, com o objetivo de:
I – reavaliar de ofício a prisão de gestantes, mães e mulheres responsáveis por crianças e pessoas com deficiência presas cautelarmente, nos termos da Resolução CNJ nº 369/2021 e dos arts. 318 e 318-A do Código de Processo Penal, em cumprimento às ordens coletivas de habeas corpus concedidas pela 2ª Turma do STF nos HCs nº 143.641/SP e 165.704/DF, além da decisão no HC nº 250.929/PR;
II – garantir a atualidade na análise das prisões preventivas decretadas há mais de 1 (um) ano;
III – assegurar o cumprimento da decisão proferida pelo STF no julgamento do Recurso Extraordinário nº 635.659; e
IV – sanear o Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU), mediante a baixa de processos sem pena restante a cumprir ou com pena prescrita, e julgamento de incidentes vencidos de progressão de regime e livramento condicional.
Art. 2º O "I Mutirão Processual Penal - Pena Justa" será realizado a partir de estratégia conjunta fomentada pelo CNJ e protagonizada pelos tribunais de justiça e tribunais regionais federais, em articulação com os demais órgãos do sistema de justiça, para a reavaliação de ofício dos processos de execução penal e de conhecimento que contemplem alguma das seguintes hipóteses:
I – nos casos de gestantes, mães e mulheres responsáveis por crianças e pessoas com deficiência, a substituição da prisão cautelar por prisão domiciliar ou medidas alternativas à prisão, nos termos da Resolução CNJ nº 369/2021;
II – prisões preventivas com duração superior a 1 (um) ano, reavaliando-se os requisitos que ensejaram a custódia processual e a possibilidade de substituição da prisão por medida cautelar alternativa;
III – pessoas processadas ou condenadas por crime previsto no art. 28 ou no art. 33 da Lei nº 11.343/2006, em desconformidade com os parâmetros estabelecidos pelo STF no julgamento do RE nº 635.659, por adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal a substância cannabis sativa em quantidade de até 40 gramas ou 6 (seis) plantas fêmeas;
IV – processos de execução penal sem pena restante a cumprir ou com pena prescrita que ainda constem como ativos no SEEU, e
V – processos de execução penal com incidentes vencidos de progressão de regime ou livramento condicional.
Art. 3º A realização dos mutirões será precedida de levantamento preliminar dos processos adequados, em tese, às hipóteses descritas no artigo anterior, realizado pelo DMF/CNJ junto aos sistemas eletrônicos em relação às situações neles identificáveis.
§ 1º A realização dos mutirões também será precedida de coleta de informações, a serem fornecidas pelos tribunais de justiça e tribunais regionais federais por meio de formulário eletrônico, até 26 de junho de 2025, que incluirá informações com recorte mínimo de gênero, especialmente sobre os processos aderentes, em tese, às hipóteses descritas no art. 2º, inciso I, desta Portaria.
§ 2º O levantamento preliminar dos processos que se adequam à hipótese descrita no inciso III do art. 2º será conduzido pelos tribunais, com auxílio do DMF/CNJ, por meio da utilização de formulários que agreguem decisões que possam estar em desconformidade com os parâmetros estabelecidos pelo STF no julgamento do RE nº 635.659 dos últimos 8 (oito) anos, o que não exclui a possibilidade dos próprios tribunais terem realizado levantamentos prévios em seus respectivos acervos processuais de processos que se enquadram nos parâmetros do RE nº 635.659, e não obstam também as revisões criminais ou outros meios de impugnação que estejam em tramitação.
Art. 4º Os tribunais de justiça e tribunais regionais federais, com o apoio dos Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMFs), poderão criar Comissão de Acompanhamento dos trabalhos do mutirão, com as seguintes atribuições:
I – providenciar a divulgação dos dados a que se referem os arts. 1º e 2º desta Portaria;
II – coordenar a revisão dos processos de acordo com as diretrizes apresentadas nos dispositivos anteriores; e
III – articular com as demais instituições do Sistema de Justiça e Executivo, incluindo Defensoria Pública, Ordem dos Advogados do Brasil, Ministério Público, Secretaria de Administração Penitenciária, Escritórios Sociais ou outros serviços de atenção à pessoa egressa do sistema prisional, para o bom andamento dos trabalhos do mutirão, para favorecer a saída digna do cárcere e possibilitar o encaminhamento às políticas públicas de saúde e assistência social quando necessário.
Parágrafo único. A Comissão será composta por representantes do GMF e da corregedoria-geral de cada tribunal.
Art. 5º Os tribunais de justiça e os tribunais regionais federais fornecerão informações dos resultados do mutirão, por meio de formulário eletrônico, ao DMF, até 9 de agosto de 2025, incluindo:
I – a quantidade de processos revisados, e
II – a quantidade de pessoas beneficiadas com a extinção da pena, progressão de regime ou substituição de pena.
Art. 6º A reavaliação da situação jurídica das pessoas privadas de liberdade considerará:
I – quanto à prisão provisória:
a) a reavaliação dos requisitos que ensejaram a custódia processual e a possibilidade de substituição da prisão por medida cautelar alternativa;
b) em se tratando de gestantes, mães e mulheres responsáveis por crianças e pessoas com deficiência, a substituição por prisão domiciliar ou medidas alternativas à prisão, na forma da Resolução CNJ nº 369/2021;
II – quanto à pena em execução:
a) rescisão da decisão condenatória pela prática da conduta prevista no art. 28 da Lei nº 11.343/2006;
b) a revisão da decisão condenatória fundada no art. 33 da Lei nº 11.343/2006 à luz dos parâmetros estabelecidos pelo STF no julgamento do RE nº 635.659;
c) o saneamento do SEEU, mediante a baixa de processos sem pena restante a cumprir ou com pena prescrita, e o julgamento de incidentes vencidos de progressão de regime e livramento condicional;
Art. 7º A revisão das prisões cautelares previstas no art. 6º, inciso I, b observará as ordens coletivas de habeas corpus concedidas pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal nos HCs nº 143.641/SP e 165.704/DF, que admitem a manutenção da custódia apenas nos seguintes casos:
I – crimes praticados mediante violência ou grave ameaça;
II – crimes praticados contra seus descendentes;
III – suspensão ou destituição do poder familiar por outros motivos que não a prisão;
IV – situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas, considerando:
a) a absoluta excepcionalidade do encarceramento de gestantes, mães e mulheres responsáveis por crianças e pessoas com deficiência, em favor dos quais as ordens de habeas corpus foram concedidas;
b) a presunção legal de indispensabilidade dos cuidados maternos;
c) a presunção de que a separação de mães ou responsáveis de seus filhos ou dependentes afronta o melhor interesse dessas pessoas, titulares de direito à especial proteção;
d) a desnecessidade de comprovação de que o ambiente carcerário é inadequado para gestantes, lactantes e seus filhos.
Art. 8º As medidas de revisão processual mencionadas nos artigos anteriores não poderão ser condicionadas à imposição ou efetiva instalação de equipamento de monitoramento eletrônico, a ser determinada nas hipóteses em que as circunstâncias do caso concreto e as condições psicossociais de cumprimento da medida indicarem sua necessidade e adequação, observada a quantidade de equipamentos disponíveis, a capacidade das centrais de monitoração e respectivas equipes multidisciplinares, podendo o juízo valer-se de outras medidas para garantir a vinculação da pessoa ao processo ou ao cumprimento da pena.
Parágrafo único. Eventual imposição de medida de monitoramento eletrônico seguirá os princípios e diretrizes da Resolução CNJ nº 369/2021, especialmente quanto às hipóteses de aplicação, tempo de duração, determinação de condições que contribuam para a inserção social da pessoa e procedimentos para o tratamento de incidentes.
Art. 9º A revisão dos processos será preferencialmente realizada pelos juízes a eles vinculados, podendo cada tribunal de justiça ou tribunal regional federal criar grupo de trabalho com jurisdição em todo o estado, integrado ainda por servidores em número compatível com a quantidade de feitos.
Art. 10. As reuniões serão realizadas preferencialmente por videoconferência.
Art. 11. Os mutirões ocorrerão em todo o país no período de 30 de junho até 30 de julho de 2025.
Art. 12. A presente Portaria deverá ser encaminhada às presidências dos tribunais de justiça e dos tribunais regionais federais, às corregedorias-gerais de justiça, às corregedorias regionais da justiça federal e aos grupos de monitoramento e fiscalização respectivos.
Art. 13. Esta Portaria entra em vigor na data da sua publicação.
Ministro Luís Roberto Barroso