Identificação
Resolução Nº 369 de 19/01/2021
Apelido
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Temas
Execução Penal e Sistema Carcerário; Direitos Humanos;
Ementa

Estabelece procedimentos e diretrizes para a substituição da privação de liberdade de gestantes, mães, pais e responsáveis por crianças e pessoas com deficiência, nos termos dos arts. 318 e 318-A do Código de Processo Penal, e em cumprimento às ordens coletivas de habeas corpus concedidas pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal nos HCs nº 143.641/SP e nº 165.704/DF

Situação
Vigente
Situação STF
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Origem
Presidência
Fonte
DJe/CNJ nº 17/2021, de 25/01/2021, p. 12-16.
Alteração
Legislação Correlata
Observação / CUMPRDEC / CONSULTA

Cumprdec 0002724-69.2021.2.00.0000     

Republicada no DJe n. 30, de 8.02.2021 em razão de ajuste de erro material.

 
Texto
Texto Original
Texto Compilado

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais,

CONSIDERANDO a absoluta prioridade para garantia dos direitos fundamentais de crianças, adolescentes e jovens no Brasil, a teor do art. 227 da Constituição Federal, da Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), e da Lei nº 13.257/2016, a qual prevê aatuação prioritária do poder público na construção de políticas públicas voltadas aos direitos de convivência familiar e comunitária de crianças até seis anos de idade;

CONSIDERANDO as atribuições do Conselho Nacional de Justiça, previstas no art. 103-B, § 4º , da Constituição Federal, especialmente no que concerne ao controle da atuação administrativa e financeira e à coordenação do planejamento estratégico do Poder Judiciário, inclusive na área de tecnologia da informação;

CONSIDERANDO o disposto nos arts. 318 e 318-A do Código de Processo Penal, que dispõem sobre a substituição da prisão preventiva pela domiciliar às mulheres e aos homens que sejam mães, pais ou responsáveis por crianças ou pessoas com deficiência;

CONSIDERANDO as Regras das Nações Unidas que estabelecem parâmetros e medidas de tratamento humanitário para mulheres em privação de liberdade e egressas das prisões (Regras de Bangkok), assim como a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (art. 4º) e a Convenção sobre Direitos da Criança de 1989 (art. 3º);

CONSIDERANDO as disposições do art. 35, I, da Lei nº 12.594/2012 e do item 54 das Diretrizes das Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil – Diretrizes de Riad, no sentido de que adolescentes e jovens não podem receber tratamento infracional ou socioeducativo mais gravoso que adultos;

CONSIDERANDO o enunciado da Súmula Vinculante no 56 do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE nº 641.320/RS;

CONSIDERANDO o acórdão proferido pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal no HC nº 143.641, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, em que foi concedida ordem de habeas corpus coletivo para determinar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar – sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP – de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas, mães e responsáveis por crianças e deficientes, enquanto perdurar tal condição, bem como às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica situação, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, devidamente fundamentadas;

CONSIDERANDO o acórdão proferido pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal no HC nº 165.704, Relator Ministro Gilmar Mendes, em que foi concedida ordem de habeas corpus coletivo para determinar a substituição da prisão cautelar dos pais e responsáveis por crianças e pessoas com deficiência, observadas as condicionantes nele apontadas, bem como a comunicação da ordem ao DMF/CNJ para acompanhamento da execução;

CONSIDERANDO a Resolução CNJ nº 252/2018, que estabelece princípios e diretrizes para o acompanhamento das mulheres mães e gestantes privadas de liberdade, bem como o disposto no art. 11 da Resolução CNJ nº 254/2018, que trata do Cadastro Nacional de Presas Grávidas e Lactantes, e no art. 10 da Resolução CNJ nº 348/2020, no sentido de que os direitos assegurados às mulheres deverão ser estendidos às mulheres lésbicas, travestis e transexuais e aos homens transexuais, no que couber;

CONSIDERANDO a importância de que os sistemas informatizados do Poder Judiciário forneçam suporte ativo à prestação jurisdicional, a fim de assegurar objetividade e eficiência às análises processuais e ao planejamento das políticas judiciárias, nos termos da Resolução CNJ nº 335/2020;

CONSIDERANDO a Recomendação CNJ nº 62/2020, que orientou aos tribunais e magistrados a respeito da adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus – Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo.

CONSIDERANDO a decisão plenária tomada no julgamento do Ato Normativo nº 0010001-73.2020.2.00.0000, na 79ª Sessão Virtual, realizada em 18 de dezembro de 2020;

 

RESOLVE:

 

Art. 1º Estabelecer procedimentos e diretrizes para a substituição da privação de liberdade de gestantes, mães, pais e responsáveis por crianças e pessoas com deficiência, nos termos dos arts. 318 e 318-A do Código de Processo Penal, e em cumprimento às ordens coletivas de habeas corpus concedidas pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal nos HCs nº 143.641/SP e nº 165.704/DF.

Parágrafo único. Esta Resolução aplica-se também aos adolescentes e jovens apreendidos, processados por cometimento de ato infracional ou em cumprimento de medida socioeducativa, observadas as disposições da Lei nº 8.069/90 e da Lei nº 12.594/2012.

Art. 2º Os sistemas e cadastros utilizados na inspeção de estabelecimentos penais e socioeducativos na tramitação e gestão de dados dos processos, incluídas asfases pré-processual e de execução, contemplarão informações quanto à:

I – eventual condição gravídica ou de lactação, com indicação de data provável do parto, no primeiro caso;

II – circunstância de ser pai ou mãe, com especificação quanto à:

a) quantidade de filhos;

b) data de nascimento de cada um deles; e

c) eventual condição de pessoa com deficiência.

III – eventual situação de responsável por pessoa, de quem não seja pai ou mãe, com a indicação de:

a) data de nascimento; e

b) eventual condição de pessoa com deficiência.

IV – prática de crime contra filho ou dependente.

§ 1º Os sistemas e cadastros deverão assegurar a proteção dos dados pessoais e o respeito aos direitos e garantias individuais, notadamente à intimidade, privacidade, honra e imagem, nos termos da legislação aplicável.

§ 2º As adaptações necessárias nos sistemas e cadastros observarão os conceitos previstos no art. 4º da Resolução CNJ nº 335/2020, que institui política pública para a governança e a gestão de processo judicial eletrônico e integra os tribunais dopaís com a criação da Plataforma Digital do Poder Judiciário Brasileiro – PDPJ-Br.

§ 3º Os tribunais manterão atualizadas as informações de que trata este artigo nos sistemas e cadastros eletrônicos.

Art. 3º Os sistemas e cadastros relativos ao processo e à execução penais, ao procedimento de apuração de ato infracional e à execução de medida socioeducativa deverão fornecer à autoridade judicial alerta automático em caso de:

I – custodiada gestante, mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, indicativo da necessidade de analisar a possibilidade de substituição de prisão preventiva por prisão domiciliar, e o cabimento de saída antecipada do regime fechado ou semiaberto, conforme Súmula Vinculante nº 56;

II – custodiado que seja pai ou responsável por criança ou pessoa com deficiência, a fim de indicar a necessidade de analisar a possibilidade de substituição de prisão preventiva por prisão domiciliar, nos termos do art. 318, III e VI, do Código de Processo Penal, ou de saída antecipada do regime fechado ou semiaberto, conforme Súmula Vinculante nº 56.

III – custodiada gestante, mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência que já tenha cumprido um oitavo da pena no regime prisional, indicativo da necessidade de análise de progressão de regime, nos termos do art.112, § 3º, da Lei de Execução Penal.

Parágrafo único. O alerta de que trata este artigo também deverá ser acessível ao Ministério Público, à Defesa e à pessoa custodiada, acusada, ré, condenada ouprivada de liberdade.

Art. 4º Incumbe à autoridade judicial, na análise do caso concreto e emcumprimento às ordens coletivas de habeas corpus concedidas pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal nos HCs nº 143.641 e 165.704:

I – averiguar, por perguntas e visualmente, hipóteses de gravidez ou existência defilhos, dependentes ou outra pessoa sob cuidados da pessoa custodiada, com informações referentes à idade e a eventual deficiência destas;

II – consultar, se entender necessário, sistemas eletrônicos de registro civil, devendo conferir credibilidade à palavra da pessoa custodiada em caso de indisponibilidade do sistema e em relação à guarda do filho, criança ou pessoa com deficiência que esteja sob sua responsabilidade; e

III – consultar a equipe multidisciplinar, a fim de colher subsídios para a decisão e para os encaminhamentos de proteção social necessários à pessoa apresentada e aos filhos, criança ou pessoa com deficiência que esteja sob sua responsabilidade.

§ 1º Na audiência de custódia, caso a prisão em flagrante tenha sido regular, e se entender necessária e adequada a segregação cautelar da pessoa que se encontre nas hipóteses previstas no art. 1º desta Resolução, o juiz poderá determinar suaprisão domiciliar, sem prejuízo da imposição de medida cautelar prevista no art. 319 do Código de Processo Penal, nos casos em que haja estrita necessidade.

§ 2º Eventual imposição de prisão domiciliar ou de medida cautelar diversa da prisão deverá ser fundamentada nos termos do art. 315 do Código de Processo Penal, cabendo ainda examinar sua compatibilidade com os cuidados necessáriosao filho ou dependente. 

§ 3º A aplicação de medidas cautelares diversas da prisão compreenderá a estipulação de prazos para seu cumprimento e para a reavaliação de sua manutenção, conforme art. 9º da Resolução CNJ nº 213/2015.

§ 4º Na audiência de custódia, o juiz questionará a pessoa apresentada sobre a profissão declarada e os vínculos de emprego, que deverão ser considerados na fundamentação sobre a prisão domiciliar e/ou na imposição de medidas cautelares diversas.

§ 5º Caso a presa mãe, gestante ou responsável por criança ou pessoa com deficiência não possua emprego, atividade lícita e nem condições imediatas de trabalho, o magistrado deverá avaliar a possibilidade de inclusão em projetos sociais e de geração de trabalho e renda compatíveis com a sua situação particular.

§ 6º A decretação da prisão preventiva de pessoa que se encontre nas hipóteses previstas no art. 1º desta Resolução deve ser considerada apenas nos casos previstos no rol taxativo decidido pelo STF nos Habeas Corpus nº 143.641 e 165.704:

I – crimes praticados mediante violência ou grave ameaça;

II – crimes praticados contra seus descendentes;

III – suspensão ou destituição do poder familiar por outros motivos que não a prisão;

IV – situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas, considerando:

a) a absoluta excepcionalidade do encarceramento de gestantes, mães, pais e responsáveis por crianças e pessoas com deficiência, em favor dos quais as ordens de habeas corpus foram concedidas;

b) a presunção legal de indispensabilidade dos cuidados maternos;

c) a presunção de que a separação de mães, pais ou responsáveis, de seus filhos ou dependentes afronta o melhor interesse dessas pessoas, titulares de direito à especial proteção; e

d) a desnecessidade de comprovação de que o ambiente carcerário é inadequado para gestantes, lactantes e seus filhos.

§ 7º Na hipótese excepcional de manutenção da privação de liberdade, o acompanhamento das mulheres mães e gestantes obedecerá aos princípios e diretrizes previstos na Resolução CNJ nº 252/2018.

Art. 5º Até o trânsito em julgado de eventual decisão condenatória, a autoridade judicial poderá se valer das providências previstas no art. 4º para reavaliar a necessidade de manutenção da medida privativa de liberdade, ou designar audiência, em caso de dúvida sobre a prova documental carreada aos autos acerca dos requisitos do art. 318 do CPP.

Art. 6º Incumbe à autoridade judicial responsável pela execução penal analisar, em caráter emergencial, a possibilidade de concessão de saída antecipada do regime fechado ou semiaberto, nos casos elencados na Recomendação CNJ nº 62/2020.

Art. 7º Os tribunais, em colaboração com as escolas de magistratura, deverão promover estudos, pesquisas e cursos de formação continuada, divulgar estatísticas e outras informações relevantes referentes ao tratamento de pessoas custodiadas, acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade que sejam gestantes, lactantes, mães, pais ou responsáveis por crianças e pessoas com deficiência, para qualificação permanente e atualização funcional dos magistrados e serventuários em atuação nas varas criminais, juizados especiais criminais, juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher, varas de execução penal e varas da infância e da juventude.

Art. 8º Os tribunais, por meio do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF) e da Coordenadoria da Infância e da Juventude (CIJ), deverão:

I – estabelecer fluxo para rastreamento e acompanhamento das decisões que tratem da substituição de prisão preventiva, bem como da saída antecipada dos regimes fechado e semiaberto;

II – sistematizar e divulgar os dados, decisões judiciais e informações correlatas ao objeto dos Habeas Corpus nº 143.641 e 165.704, remetendo relatório ao DMF, trimestralmente.

Parágrafo único. Os GMFs e as CIJs poderão designar servidores ou magistrados, sem prejuízo de suas atribuições, para acompanhamento específico do cumprimento do disposto neste artigo.

Art. 9º Fica instituída, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, Comissão Permanente Interinstitucional para acompanhamento e sistematização em nível nacional dos dados referentes ao cumprimento das ordens coletivas de habeas corpus concedidas pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal nos HCs nº 143.641 e 165.704 e à implementação das demais medidas previstas nesta Resolução.

§ 1º A composição da Comissão Permanente Interinstitucional será definida por a toda Presidência do CNJ, a ser publicado no prazo de 30 dias, assegurada a equidade de gênero nas indicações e a participação de representantes da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério Público, da Defensoria Pública e de, no mínimo, duas organizações ou instituições da sociedade civil que se dediquem ao objeto desta Resolução.

§ 1º A composição da Comissão Permanente Interinstitucional será definida por ato da Presidência do CNJ, a ser publicado no prazo de 30 dias, assegurada a equidade de gênero nas indicações e a participação de representantes da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério Público, da Defensoria Pública e de, no mínimo, duas organizações ou instituições da sociedade civil que se dediquem ao objeto desta Resolução. (Republicado no DJe n. 30, de 8.02.2021 em razão de erro material)

§ 2º Será criado painel público para monitoramento dos dados referentes à implementação desta Resolução, hospedado na página eletrônica do Conselho Nacional de Justiça.

Art. 10. O acompanhamento do cumprimento desta Resolução contará com o apoio técnico do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça (DMF).

Parágrafo único. O DMF elaborará, no prazo de até 180 dias:

I – manual voltado à orientação dos tribunais e magistrados quanto àimplementação do disposto nesta Resolução;

II – formulário eletrônico para monitoramento da implementação desta Resolução, a ser preenchido trimestralmente pelos tribunais.

Art. 11. Os sistemas e cadastros utilizados na inspeção de estabelecimentos penais e socioeducativas na tramitação e gestão de dados dos processos penais serão adequados ao disposto nesta Resolução no prazo de noventa dias.

Parágrafo único. O Departamento de Tecnologia da Informação do Conselho Nacional de Justiça fornecerá o suporte técnico necessário à implementação da presente Resolução.

Art. 12. O Conselho Nacional de Justiça e os tribunais poderão realizar acordos e parcerias para viabilizar a implementação dos dispositivos da presente Resolução, notadamente para disponibilizar aos juízes acesso eletrônico para consulta ao sistema de registro civil.

Art. 13. Esta Resolução entra em vigor na data da sua publicação.

 

Ministro LUIZ FUX