Identificação
Nota Técnica Nº 10 de 17/08/2010
Apelido
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Temas
Ementa

Projeto de Lei do Código de Processo Penal nº 156/2010.

Situação
Vigente
Situação STF
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Origem
Presidência
Fonte
DJE/CNJ nº 160/2010, em 01/09/2010, pág. 2-4.
Alteração
Legislação Correlata
Observação / CUMPRDEC / CONSULTA
Texto
Texto Original
Texto Compilado

CONSIDERANDO o compromisso constitucional estabelecido pelo artigo 103B, § 4°, II, em zelar pela observância do princípio da eficiência na atuação do Poder Judiciário, determinada pelo caput do artigo 37 da Constituição Federal;

CONSIDERANDO que, conforme o disposto no artigo 19, XV de seu Regimento Interno, compete ao Conselho se pronunciar sobre anteprojetos de lei quando caracterizado o interesse do Poder Judiciário;

CONSIDERANDO os termos da Portaria CNJ n° 126, de 17 de junho de 2010, que instituiu Grupo de Trabalho para elaborar Nota Técnica sobre o Projeto de Lei de Reforma do Processo Penal;

CONSIDERANDO a existência do Projeto de Lei de Reforma do Código de Processo Penal (PLS 156/2009);

O Conselho Nacional de Justiça vem dirigir-se ao Senado Federal e posicionar-se sobre o referido Projeto.

I - RESUMO DA PROPOSTA

1. O Projeto de Lei n° 156/2009, que visa à aprovação do novo Código de Processo Penal, foi concebido com o escopo de atualizar a legislação processual penal em vigor, de forma a compatibilizar alguns institutos com a ordem Constitucional surgida a partir de 1988.

2. A exposição de motivos do Projeto valoriza a proteção das garantias individuais, destacando que isso não inviabiliza a celeridade dos procedimentos e a almejada efetividade do Direito Penal.

3. O Projeto aguarda inclusão na Ordem do Dia para a terceira sessão de discussão, em turno único, no Senado Federal.

II - CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE DE EXPEDIÇÃO DE NOTA TÉCNICA

4. A matéria objeto da proposta do Projeto de Código de Processo Penal interessa a todo o Poder Judiciário porquanto afeta, direta ou indiretamente, o exercício da função jurisdicional, inserindo-se, assim, no âmbito de competências constitucionais expressas do Conselho Nacional de Justiça, quanto ao controle da eficiência (CF, art. 103-B, § 4º, II).

5. Doutra parte, este Conselho aprovou na 100ª Sessão Ordinária o Plano de Gestão e Funcionamento de Varas Criminais e de Execução Penal. Cuida-se de um conjunto de medidas que visam à modernização do sistema penal e processual penal brasileiro, algumas de cunho administrativo e outras pendentes de alteração legislativa, mas todas destinadas a dar mais eficiência e celeridade ao processo penal. Importante registrar, ainda, que o III Encontro Nacional do Poder Judiciário estabeleceu o ano de 2010 como o Ano da Justiça Criminal.

6. Assim e considerando o que estabelece a Portaria nº 126 da Presidência, mostra-se conveniente e oportuna a tomada de posição institucional do Conselho Nacional de Justiça quanto ao Projeto de Lei referido.

III - ANÁLISE DA PROPOSTA

7. O Projeto de Lei 156/2009, ao pretender imprimir mais eficiência ao processo penal, deve observar, no que tange aos procedimentos investigatórios e ao processo parcial ou totalmente eletrônico, a aplicação da Lei nº 11.419/2006. É imperioso registrar que o Conselho Nacional de Justiça está desenvolvendo, juntamente com outros Tribunais brasileiros, o Processo Judicial Eletrônico (PJe) com previsão de implantação gradativa no território nacional a partir do primeiro semestre de 2011.

8. O Projeto, preocupando-se com a consolidação de um modelo acusatório, institui a figura do ‘juiz das garantias’, que será o responsável pelo exercício das funções jurisdicionais alusivas à tutela imediata e direta das inviolabilidades pessoais, sob duas preocupações básicas, segundo a exposição de motivos, a saber: a de otimizar a atuação jurisdicional criminal e a de manter o distanciamento do juiz incumbido de julgar o processo. Contudo, a consolidação dessa ideia, sob o aspecto operacional, mostra-se incompatível com a atual estrutura das justiças estadual e federal. O levantamento efetuado pela Corregedoria Nacional de Justiça no sistema Justiça Aberta revela que 40% das varas da Justiça Estadual no Brasil constituem-se de comarca única, com apenas um magistrado encarregado da jurisdição. Assim, nesses locais, sempre que o único magistrado da comarca atuar na fase do inquérito, ficará automaticamente impedido de jurisdicionar no processo, impondo-se o deslocamento de outro magistrado de comarca distinta. Logo, a adoção de tal regramento acarretará ônus ao já minguado orçamento da maioria dos judiciários estaduais quanto ao aumento do quadro de juízes e servidores, limitados que estão pela Lei de Responsabilidade Fiscal, bem como no que tange ao gasto com deslocamentos e diárias dos magistrados que deverão atender outras comarcas. Ademais, diante de tais dificuldades, com a eventual implementação de tal medida haverá riscos ao atendimento do princípio da razoável duração do processo, a par de um perigo iminente de prescrição de muitas ações penais. Também é necessário anotar que há outros motivos de afastamentos dos magistrados de suas unidades judiciais, como nos casos de licença, férias, convocações para Turmas Recursais ou para composição de Tribunais.

9. Impõe-se a tramitação direta do inquérito policial entre os órgãos de persecução (com a supressão dos incisos IV e XIV do artigo 14), retomando-se a redação originária do projeto, possibilitando-se o arquivamento do procedimento no âmbito interno do Ministério Público, com posterior controle do ato por seu Conselho Superior.

10. É recomendável a alteração do artigo 31 do Projeto, estabelecendo-se o prazo de duração máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias para conclusão do Inquérito quando o investigado estiver solto, findo o qual deverá ser oferecida a denúncia ou arquivado o procedimento. Uma vez extrapolado o prazo, a investigação poderá prosseguir no máximo por igual prazo, a requerimento do Ministério Público, mediante decisão fundamentada do juiz, diante de caso de complexidade probatória ou com número excessivo de investigados. Exaurido o prazo da prorrogação deverá ser oferecida a denúncia ou arquivado o procedimento, salvo se a investigação depender de cooperação internacional ou justificação especial.

11. É louvável a iniciativa de se extinguir a ação penal privada, instituto que não se coaduna com o princípio do direito penal mínimo.

12. O rol das motivações que levam à suspeição, no artigo 54 do projeto, não deve ser taxativo e sim exemplificativo, pois situações outras poderão surgir e dar ensejo ao prudente afastamento do julgador do processo.

13. Em relação às regras referentes à intervenção de parte civil no processo criminal, nos termos em que está colocado no projeto ocorrerá uma excessiva dilação do processo, comprometendo a razoável duração da ação penal, além de gerar uma contaminação de interesses civis no processo penal, razão pela qual se recomenda uma revisão das medidas propostas (arts. 78-81).

14. É conveniente a reintrodução da citação por hora certa no processo penal, tal como concebido pela reforma de 2008, desde que atenda às especificidades do processo penal e não faça referência às regras de processo civil. Faz-se necessária uma disciplina mais criteriosa quanto a essa forma de comunicação de ato.

15. Sugere-se a modificação da redação do artigo 155, II, para estabelecer que a nulidade também ocorre quando originada de suspeição ou impedimento dos demais sujeitos processuais para os quais as exceções são previstas.

16. O artigo 164 do Projeto aborda o procedimento a ser adotado em matéria de prova ilícita. Contudo, por tratarem das exceções às provas ilícitas por derivação de modo tecnicamente equivocado, o que gera uma extensão tão grande para o âmbito da exceção que chega a invalidar a norma constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita, o Grupo propõe a exclusão do parágrafo terceiro do aludido dispositivo, à unanimidade e, por maioria, a exclusão do parágrafo segundo do mesmo artigo.

17. A matéria relativa à interceptação telefônica até hoje foi objeto de lei própria (Lei 9.296/96). Releva ressaltar que a proposta de inserção da matéria no Projeto de Código de Processo Penal, primeiramente, destoa da sistemática, porquanto outras técnicas especiais de investigação como colaboração premiada, ação controlada, captação ambiental e infiltração de agentes são tratados em lei extravagante (Lei 9.034/95). Em segundo lugar, a proposta deixou de analisar uma lacuna existente quanto à disponibilização comercial de criptografia na comunicação telefônica, o que tem se mostrado uma grande barreira para a obtenção de informações relevantes para a investigação criminal. Esse ponto, bem como o atual desenvolvimento, pela Polícia Federal, de sistema que garantirá maior segurança e facilitará esse tipo de atividade, devem ser alvo de um grande debate na legislação específica, entre Anatel, empresas de telefonia, fabricantes de aparelhos telefônicos, polícia e sociedade civil. Em terceiro plano, cumpre referir que o projeto também não aborda a imposição de restrições à comercialização de instrumentos tecnológicos (equipamentos e programas) que digam respeito diretamente a ingerências sobre direitos fundamentais do cidadão. A medida é tão necessária quanto o controle da venda de armas e outros produtos de uso restrito no Brasil e encontra paralelo em outros países. Assim, é conveniente excluir do projeto a regulamentação da interceptação telefônica, relegando o tema a amplo debate em legislação extravagante. Registre-se, ademais, que há vários projetos tramitando a respeito da matéria no Congresso Nacional.

18. No que tange ao Livro Do Processo e Procedimento, na linha da reforma processual penal aprovada pelo Congresso em 2008, impõe-se algumas considerações. Sugere-se a alteração do artigo 261, inciso III, para que o juiz seja apenas comunicado dos afastamentos do réu, sem necessidade de emissão de autorização.

19. Não há justificativa jurídica para deixar de aplicar à Justiça Militar os ritos estabelecidos neste Código. Nessa linha, é oportuna a inclusão dos crimes submetidos à Justiça Militar entre os casos passíveis de suspensão do processo, bem como a ampliação para dois anos da pena mínima de infração para os efeitos da suspensão do processo, cumulado ou não com multa, conforme proposta do Conselho Nacional de Justiça já enviada ao parlamento. Deve ser prevista, ainda, a possibilidade de transação penal no âmbito da Justiça Militar.

20. O Projeto, como se percebe, busca a conformidade com o modelo acusatório constitucional. No entanto, a previsão contida no artigo 415 destoa desse escopo. O pedido de absolvição equivale ao não-exercício da pretensão acusatória, isto é, o acusador está abrindo mão de proceder contra alguém. Como conseqüência, não pode o juiz condenar, sob pena de exercer o poder punitivo sem a necessária invocação, no mais claro retrocesso ao modelo inquisitivo. O poder punitivo é condicionado à existência de uma acusação. Assim, se o acusador deixar de exercer a pretensão acusatória – pedindo a absolvição –, cai por terra a possibilidade de o Estado-Juiz exercer o poder punitivo.

21. Em relação à matéria recursal, deve ser mantida como regra a irrecorribilidade da decisão interlocutória, nos termos da sistemática recursal atual, apenas com a mudança da nomenclatura para agravo, como consta do Projeto, porém, dispensando-se o mesmo tratamento dado ao agravo no processo civil atual. O agravo seria cabível, apenas, quanto às medidas interlocutórias que tenham reflexo no andamento do processo e no que se refere às cautelares reais. Não é concebível a hipótese de interposição de agravo nas situações em que é cabível habeas corpus na sistemática atual.

22. No tocante à repercussão geral, em que pese o aspecto positivo da proposição, o texto acrescenta novos critérios para consideração de existência de repercussão, consistentes em questões relevantes “do ponto de vista social, jurídico ou grave violação de direitos humanos”. Mais adequada, todavia, é a repetição do rol previsto no atual Código de Processo Civil (Art. 543 – A, § 1º: “...questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa...”), pois os termos nele utilizados são mais abrangentes, abarcando todas as hipóteses em que possa haver repercussão geral. Assim, a proposta, ao inovar nos termos, acabaria por trazer mais dificuldades de aplicação, pois traz elementos (grave violação de direitos humanos) sobre os quais a jurisprudência ainda teria de delimitar a abrangência, além de restringir as possibilidades de aplicação do instituto na esfera penal.

23. No que se refere ao tema das Medidas Cautelares, deve ser ressaltada a importância de se manter no Projeto a aglutinação das medidas cautelares pessoais e reais em um único Livro, com disposições gerais (arts. 523 a 637).

24. Por questão de proporcionalidade, em razão da possibilidade de imposição de tratamento hospitalar ou ambulatorial ao imputado, é recomendável incluir no artigo 525 do Projeto a vedação de aplicação de medida cautelar mais grave do que a medida de segurança decorrente de sentença.

25. São extremamente importantes as medidas introduzidas de suspensão do exercício de profissão, atividade econômica e função pública, bem como a medida de suspensão de atividades da pessoa jurídica. No entanto, sugere-se a regulamentação mais criteriosa quanto ao estabelecimento de prazos de duração e quanto à extensão da medida (arts. 531 e 594).

26. A fim de possibilitar que o preso conheça imediatamente os motivos determinantes da prisão e para viabilizar o pronto exercício da defesa, sugere-se a inclusão da necessidade de envio de cópia da decisão que decretou a prisão juntamente com o mandado, para conhecimento do investigado/acusado (arts. 536, 537, 538 e 539).

27. No que se refere aos novos fundamentos introduzidos no Projeto para decretação da prisão preventiva, impõe-se a modificação na redação dada ao inciso V do art. 554, para deixar claro que a prisão deve ocorrer apenas para evitar a reiteração de conduta para o futuro. Sugere-se, ainda, o aperfeiçoamento do conceito de “ordem pública”, para uma definição conceitual.

28. Sugere-se a previsão expressa da possibilidade de progressão de regime depois do trânsito em julgado de decisão condenatória para o Ministério Público, além da observação da proporcionalidade diante da pena já aplicada, de forma que a medida cautelar não deve ser mais gravosa do que pena que venha a ser definitivamente aplicada (art. 556).

29. Com intuito de tornar mais precisa a redação dada ao artigo 620 do Projeto, sugere-se a alteração para “ação e omissão dolosa”, porquanto pode haver situações, principalmente no que se refere ao mercado financeiro, em que a redução dos bens tornados indisponíveis pode se dar em razão de seu próprio risco intrínseco, que poderia ser evitado caso o investigado ou acusado pudesse agir, mas está proibido em razão do disposto no artigo 615.

30. Uma vez decretado o seqüestro, impõe-se a inclusão da necessidade de imediata avaliação do bem, notadamente porque, de acordo com o artigo 625, poderá haver a alienação antecipada do bem, a pedido do Ministério Público (art. 623).

31. A previsão da possibilidade de realização de alienação antecipada dos bens seqüestrados é salutar e consta de outros projetos de lei apoiados por este Conselho. Para melhor disciplina do instituto, entretanto, é apropriado que se faça a inversão do procedimento descrito no Projeto, com a realização da avaliação no momento anterior à manifestação das partes. Havendo decisão determinando a alienação antecipada de bens, o agravo de instrumento deve ter efeito suspensivo (Art. 625).

32. Também visando à técnica mais refinada, sugere-se a alteração da terminologia empregada nos artigos 627 a 628 para, ao invés de ‘hipoteca legal’, utilizar-se ‘especialização da hipoteca’. As medidas descritas em tais dispositivos devem visar, também, à quantificação do dano material, considerando a preocupação demonstrada pelo legislador a respeito do tema em outras partes do Projeto.

33. Impende registrar que o Sistema Nacional de Bens Apreendidos (SNBA) mantido pelo Conselho Nacional de Justiça identificou dificuldades dos magistrados quanto à gestão dos bens seqüestrados. Assim, é importante que o ordenamento processual penal estabeleça a previsão de utilização de bens por parte do Estado, ou crie ferramentas de gestão, inclusive, com a possibilidade de manutenção dos bens pelo próprio investigado/acusado, quando for conveniente ou necessário.

34. Considerando a importância do tema para a investigação de crimes transnacionais, é apropriado que a questão da cooperação internacional direta seja estabelecida em lei específica. Contudo, considerando que o novo Código de Processo Penal deve abranger os novos institutos de colaboração judicial, sugere-se a inserção de dispositivo que abarque a previsão de outros instrumentos de cooperação além da tradicional Carta Rogatória, fixando-se a competência para o Juiz de primeiro grau, como de sorte já ocorre hoje.

35. Por fim, insta registrar que no Plano de Gestão e Funcionamento de Varas Criminais e de Execução Penal aprovado por este Conselho consta a proposta de que, por ocasião da imposição de regime fechado na sentença condenatória, deverá o juiz, motivadamente, examinar se é hipótese de decretação da prisão preventiva ou não.

IV - CONCLUSÃO

Em conclusão, e por tais motivos, considera o Conselho Nacional de Justiça necessários os ajustes elencados para o aperfeiçoamento do PL 156/2009.

A presente Nota Técnica foi aprovada, por unanimidade, pelo Plenário do Conselho Nacional da Justiça na sessão realizada nesta data, conforme certidão anexa. Encaminhe-se cópia desta ao Presidente do Senado Federal, ao Presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, à Casa Civil da Presidência da República, à Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e à Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça.

Brasília, 17 de agosto de 2010.


Ministro Cezar Peluso
Presidente