Dispõe sobre a necessidade de se conferir prioridade à apreciação das hipóteses de descumprimento de medidas protetivas de urgência e à atuação em rede, com o Ministério Público e os órgãos integrantes da Segurança Pública, para se conferir maior efetividade às medidas protetivas de urgência, e dá outras providências.
Publicado originalmente no DJe/CNJ n° 217, de 25 de agosto de 2021, p. 18-20.
A Secretaria Processual do Conselho Nacional de Justiça comunica a republicação da Recomendação n. 105, de 23 de agosto de 2021, disponibilizada no DJe n. 217, em 25 de agosto de 2021, em razão de erro material: Onde se lê “III – o necessário preenchimento do Formulário Nacional de Avaliação de Risco de que trata a Resolução Conjunta CNJ/CNMP n° 5/2019, para subsidiar a apreciação judicial de pedidos de medida protetiva de urgência e/ou cautelar, e, em último caso, a decretação da prisão preventiva;” Leia-se “III – o necessário preenchimento do Formulário Nacional de Avaliação de Risco de que trata a Resolução Conjunta CNJ/CNMP n° 5/2020, para subsidiar a apreciação judicial de pedidos de medida protetiva de urgência e/ou cautelar, e, em último caso, a decretação da prisão preventiva;”.
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais,
CONSIDERANDO o poder normativo constitucionalmente deferido ao Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, § 4o, inciso I, da CF);
CONSIDERANDO que é dever do Estado criar mecanismos para coibir a violência doméstica (art. 226, § 8o, CF);
CONSIDERANDO que a eliminação da violência doméstica e familiar contra mulheres e meninas em situação de vulnerabilidade é condição indispensável para o seu desenvolvimento afetivo, psíquico, intelectual e laboral, bem como de seus filhos;
CONSIDERANDO o inaceitável aumento do número de feminicídios no Brasil, bem como das diversas modalidades de violência contra mulheres e meninas em situação de vulnerabilidade no ambiente doméstico e familiar;
CONSIDERANDO que a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher ("Convenção de Belém do Pará"), promulgada pelo Decreto no 1.973/1996, determina aos Estados Partes que incorporem na sua legislação interna normas penais, processuais e administrativas para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como que adotem as medidas administrativas e jurídicas necessárias para impedir que o agressor persiga, intimide, ameace ou coloque em perigo a vida ou integridade da mulher, ou danifique seus bens (art. 7o, ”c” e “d”);
CONSIDERANDO que a Recomendação Geral no 35 do Comitê para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) orienta os Estados Partes a “adotar e implementar medidas efetivas para proteger e assistir mulheres autoras e testemunhas de denúncias relacionadas à violência de gênero, antes, durante e após o processo legal”, o que inclui o “fornecimento de mecanismos de proteção apropriados e acessíveis para prevenir a violência futura ou em potencial” (item 31, alínea “a.ii”);
CONSIDERANDO a necessidade de se desenvolverem políticas públicas que “visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (art. 3o, § 1o, da Lei no 11.340/2006);
CONSIDERANDO a possibilidade de decretação da prisão preventiva do agressor, se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência (art. 313, III, Código de Processo Penal);
CONSIDERANDO que constitui crime, previsto no art. 24-A da Lei no 11.340/2006, o descumprimento de decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas na referida lei;
CONSIDERANDO a necessidade de se conferir plena efetividade às normas penais e processuais penais e, notadamente, às medidas protetivas de urgência;
CONSIDERANDO a necessidade de se conferir prioridade à apreciação judicial das hipóteses de descumprimento de medidas protetivas de urgência, no intuito de se evitar a escalada e a intensificação da violência, e de se prevenirem feminicídios;
CONSIDERANDO que “a política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais”, tendo por diretriz “a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação” (art. 8o, I, “a”, da Lei no 11.340/2006);
CONSIDERANDO que a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher - "Convenção de Belém do Pará", promulgada pelo Decreto no 1.973/1996, determina aos Estados Partes que promovam a educação e treinamento de todo o pessoal judiciário e demais funcionários responsáveis pela aplicação da lei, bem como do pessoal encarregado da implementação de políticas de prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher (art. 8o, “c”);
CONSIDERANDO que a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher - "Convenção de Belém do Pará" preconiza que os Estados Partes adotem programas destinados a “promover o conhecimento e a observância do direito da mulher a uma vida livre de violência e o direito da mulher a que se respeitem e protejam seus direitos humanos”, bem como “modificar os padrões sociais e culturais de conduta de homens e mulheres, inclusive a formulação de programas formais e não formais adequados a todos os níveis do processo educacional, a fim de combater preconceitos e costumes e todas as outras práticas baseadas na premissa da inferioridade ou superioridade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a mulher, que legitimem ou exacerbem a violência contra a mulher” (art. 8o, “a” e “b”);
CONSIDERANDO que a Recomendação Geral no 35 do Comitê para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) orienta os Estados Partes a fornecerem capacitação, educação e treinamento obrigatórios, recorrentes e efetivos para membros do Judiciário, para capacitá-los a adequadamente prevenir e enfrentar a violência de gênero contra as mulheres (item 30, alínea “e”);
CONSIDERANDO que, de acordo com a Recomendação Geral no 35 do Comitê para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), a capacitação deve promover a compreensão de como os estereótipos e preconceitos de gênero levam à violência de gênero contra as mulheres e a respostas inadequadas a ela; do trauma e de suas consequências; da dinâmica de poder que caracteriza a violência do parceiro; das diferentes situações em que as mulheres enfrentam diversas formas de violência de gênero, e das formas adequadas de interagir com as mulheres e de eliminar fatores que levem à revitimização e ao enfraquecimento de sua confiança nas instituições e nos agentes do Estado (item 30, alínea “e”);
CONSIDERANDO que a Resolução CNJ no 254/2018, que institui a Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres pelo Poder Judiciário, estabelece que um dos seus objetivos é fomentar a política de capacitação permanente de servidores em temas relacionados às questões de gênero e de raça ou etnia (art. 2o, VI);
CONSIDERANDO a necessidade de atuação sinérgica do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, que também tem enfatizado em atos normativos a imprescindibilidade de se conferir maior efetividade às medidas protetivas de urgência para o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher;
CONSIDERANDO a decisão proferida pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça no julgamento do Procedimento de Ato Normativo no 0006189-86.2021.2.00.0000, na 336ª Sessão Ordinária, realizada em 17 de agosto de 2021;
RESOLVE:
Art. 1o Recomendar a todos(as) os(as) magistrados(as) que atuem em Varas do Júri e em Juizados e Varas que detenham competência para aplicar a Lei no 11.340/2006 que priorizem:
I – a apreciação, no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas, das hipóteses de descumprimento de medida protetiva de urgência, para os fins, se for o caso, de decretação da prisão preventiva do agressor para garantia da execução das medidas protetivas de urgência (art. 313, III, Código de Processo Penal);
II – a tramitação e o julgamento céleres de processos relativos ao crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência (art. 24-A da Lei no 11.340/2006); e
III – a imposição de monitoramento eletrônico ao agressor, nas hipóteses em que, identificado risco de novo ato de violência doméstica e familiar, ainda não justifique a decretação da prisão preventiva.
Art. 2o Para a consecução dos fins previstos no artigo anterior, os órgãos do Poder Judiciário deverão, preservadas a imparcialidade e a independência funcional do(a) magistrado(a), promover a integração operacional com o Ministério Público, a Defensoria Pública e as áreas de segurança pública, de modo a viabilizar:
I – o acesso imediato aos respectivos autos pelos sujeitos processuais;
II – a celeridade de suas respectivas manifestações;
III – o necessário preenchimento do Formulário Nacional de Avaliação de Risco de que trata a Resolução Conjunta CNJ/CNMP no 5/2020, para subsidiar a apreciação judicial de pedidos de medida protetiva de urgência e/ou cautelar, e, em último caso, a decretação da prisão preventiva; (redação dada em razão de republicação. Ver "Observação")
IV – a célere expedição e inclusão dos mandados de prisão no BNMP, com seu imediato encaminhamento físico às autoridades policiais e seus agentes, nos casos de maior urgência, para cumprimento.
Art. 3o Recomendar aos Tribunais de Justiça e aos(às) magistrados(as) de Direito, nas hipóteses de expedição de mandados de prisão, alvarás de soltura e de seus respectivos cumprimentos, bem como de fuga do investigado ou réu preso, nos casos de crimes praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, que a vítima seja imediatamente cientificada desses eventos mediante contato telefônico ou mensagem de texto via Whatsapp ou outro aplicativo similar, certificando-se nos autos.
Parágrafo único. Idêntica providência deverá ser adotada nas hipóteses de decretação ou de indeferimento de prisão preventiva ou medidas protetivas de urgência.
Art. 4o Recomendar aos Tribunais de Justiça que promovam, no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias, a capacitação em direitos fundamentais, desde uma perspectiva de gênero, dos(as) servidores(as), incluindo-se oficiais de justiça, em exercício em Juizados ou Varas que detenham competência para aplicar a Lei no 11.340/2006, neles compreendidas as Varas Criminais, do Júri e de Família.
Parágrafo único. A capacitação de que trata o caput deverá, dentre outros objetivos, possibilitar a compreensão do ciclo da violência e dos fatores de risco a que estão submetidas as mulheres em situação de violência doméstica e familiar; dos estereótipos e preconceitos que levam à violência de gênero; do trauma e de suas consequências; da dinâmica de poder que caracteriza a violência de gênero, e das formas adequadas de interagir com as mulheres e de eliminar fatores que levem à revitimização e ao enfraquecimento de sua confiança nas instituições e nos agentes do Estado.
Art. 5o Esta Recomendação entra em vigor na data de sua publicação.
Ministro LUIZ FUX