Identificação
Resolução Nº 454 de 22/04/2022
Apelido
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Temas
Acesso à Justiça e Cidadania; Gestão e Organização Judiciária;
Ementa

Estabelece diretrizes e procedimentos para efetivar a garantia do direito ao acesso ao Judiciário de pessoas e povos indígenas.

Situação
Vigente
Situação STF
---
Origem
Presidência
Fonte
DJe/CNJ nº 98/2022, de 28 de abril de 2022, p. 4-10.
Alteração
Legislação Correlata
Observação / CUMPRDEC / CONSULTA
 
Texto
Texto Original
Texto Compilado

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais,

CONSIDERANDO que cabe ao CNJ a fiscalização e a normatização do Poder Judiciário e dos atos praticados por seus órgãos (art. 103-B, § 4o, I, II e III, da CF);

CONSIDERANDO o disposto nos arts. 231 e 232 da Constituição Federal, que asseguram aos povos indígenas o reconhecimento da organização social, dos costumes, das línguas, das crenças, das tradições e dos direitos originários sobre as terras tradicionalmente ocupadas, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os bens, assim como reconhecem a legitimidade dos índios, suas comunidades e organizações para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses;

CONSIDERANDO os termos da Convenção no 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) internalizada por meio do Decreto no 5.051/2004, e consolidada pelo Decreto no 10.088/2019; o Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais (PIDESC) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), internalizados pelo Decreto-Legislativo no 226/1991, e consolidados, respectivamente, pelos Decretos no 591 e 592, ambos de 1992, e demais normativas internacionais, bem como as jurisprudências que tratam sobre os direitos dos povos indígenas;

CONSIDERANDO as disposições insertas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), consolidada pelo Decreto no 678/1992; na Convenção para a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, consolidada no Decreto no 65.810/1969; e na Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais da Unesco, internalizada pelo Decreto no 6.177/2007, e consolidada pelo Decreto no 10.088/2019;

CONSIDERANDO que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), promulgada pelo Decreto no 678/1992, em seus arts. 3o, 4o, 5o, 8o, 21, 25 e 26 confere proteção específica aos povos indígenas;

CONSIDERANDO os termos insertos na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e na Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas;

CONSIDERANDO que a Convenção sobre Direitos da Criança estabelece, em seu art. 30, que a criança indígena tenha o direito de, em comunidade com os demais membros de seu grupo, “ter sua própria cultura, professar e praticar sua própria religião ou utilizar seu próprio idioma”;

CONSIDERANDO a necessidade de leitura constitucional, convencional e intercultural do art. 28, § 6o, da Lei no 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), com consideração e respeito à identidade social e cultural dos povos indígenas, seus costumes e tradições, bem como a suas instituições, nos termos já contidos no inciso I do referido parágrafo;

CONSIDERANDO o relatório da missão no Brasil da relatora especial da ONU sobre os povos indígenas de 2016 e recomendações dos Sistemas ONU e Interamericano de Direitos Humanos recomendaram ao Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo que considerem, com urgência, e em colaboração com os povos indígenas, a eliminação das barreiras que os impedem de realizarem seu direito à justiça;

CONSIDERANDO o disposto na Lei no13.123/2015, que trata da proteção do patrimônio genético e dos conhecimentos tradicionais, além do acesso e repartição de benefícios dos conhecimentos tradicionais aos povos indígenas;

CONSIDERANDO o teor do Decreto no 6.040/2007, que institui a política nacional de desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais;

CONSIDERANDO que o processo civil deve ser ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição Federal de 1988 (art. 1o da Lei no 13.105/2015 – Código de Processo Civil);

CONSIDERANDO a Resolução CNJ no 299/2019, disciplinadora do depoimento especial de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, normativo pelo qual este Conselho institui a exigência de se elaborar protocolo que contemple as especificidades dos povos e comunidades tradicionais;

CONSIDERANDO a Resolução CNJ no 287/2019, que estabelece procedimentos ao tratamento das pessoas indígenas acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade e dá diretrizes para assegurar os direitos dessa população no âmbito criminal do Poder Judiciário;

CONSIDERANDO a realidade singular dos povos indígenas isolados, que têm direito a permanecer nessa condição e a viver livremente e de acordo com suas culturas, conforme expresso no artigo XXVI da Declaração Americana dos Direitos dos Povos Indígenas e na Resolução no 44/2020 do Conselho Nacional de Direitos Humanos;

CONSIDERANDO que a política de não contato com os povos indígenas isolados, instituída em 1987 pelo Estado brasileiro, é de especial relevância para a proteção desses povos e serviu como referência para outros países;

CONSIDERANDO que a restrição de uso, em terras com presença de povos indígenas isolados, é um procedimento administrativo fundamental de salvaguarda das condições ambientais e da garantia ao direito à vida e saúde desses povos, bem como para o desenvolvimento de atividades de pesquisa que tenham como objetivo localizá-los;

CONSIDERANDO as peculiaridades dos povos indígenas de recente contato, que são aqueles que mantêm relações de contato ocasional, intermitente ou permanente com segmentos da sociedade nacional, com reduzido conhecimento dos códigos ou incorporação dos usos e costumes da sociedade envolvente, e que conservam significativa autonomia sociocultural;

CONSIDERANDO o detalhamento sobre os parâmetros normativos interamericanos nas recomendações da Comissão Interamericana sobre Direitos Humanos, por meio dos informes “Povos Indígenas em Isolamento Voluntário e contato inicial nas Américas” (2013); “Situação dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas e tribais da Panamazônica” (2019) e “Inf” (2021);

CONSIDERANDO o deliberado pelo Plenário do CNJ no procedimento Ato Normativo no 0009076-43.2021.2.00.0000, na 348ª Sessão Ordinária, realizada em 5 de abril de 2022;

 

RESOLVE:

 

CAPÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1o Estabelecer diretrizes e procedimentos para efetivar a garantia do direito ao acesso ao Judiciário de pessoas e povos indígenas.

Art. 2o Esta Resolução é regida pelos seguintes princípios:

I – autoidentificação dos povos;

II – diálogo interétnico e intercultural;

III – territorialidade indígena;

IV – reconhecimento da organização social e das formas próprias de cada povo indígena para resolução de conflitos;

V – vedação da aplicação do regime tutelar; e

VI – autodeterminação dos povos indígenas, especialmente dos povos em isolamento voluntário.

Art. 3o Para garantir o pleno exercício dos direitos dos povos indígenas, compete aos órgãos do Poder Judiciário:

I – assegurar a autoidentificação em qualquer fase do processo judicial, esclarecendo sobre seu cabimento e suas consequências jurídicas, em linguagem clara e acessível;

II – buscar a especificação do povo, do idioma falado e do conhecimento da língua portuguesa;

III – registrar as informações decorrentes da autoidentificação em seus sistemas informatizados;

IV – assegurar ao indígena que assim se identifique completa compreensão dos atos processuais, mediante a nomeação de intérprete, escolhido preferencialmente dentre os membros de sua comunidade;

V – viabilizar, quando necessária, a realização de perícias antropológicas, as quais devem respeitar as peculiaridades do processo intercultural;

VI – garantir a intervenção indígena nos processos que afetem seus direitos, bens ou interesses, em respeito à autonomia e à organização social do respectivo povo ou comunidade, promovendo a intimação do povo ou comunidade afetada para que manifeste eventual interesse de intervir na causa, observado o disposto no Capítulo II da presente Resolução;

VII – promover a intimação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Ministério Público Federal nas demandas envolvendo direitos de pessoas ou comunidades indígenas, assim como intimar a União, a depender da matéria, para que manifestem eventual interesse de intervirem na causa; e

VIII – assegurar, quando necessária, a adequada assistência jurídica à pessoa ou comunidade indígena afetada, mediante a intimação da Defensoria Pública.

 

Seção I

Da autoidentificação

Art. 4o Compreende-se como autoidentificação a percepção e a concepção que cada povo indígena tem de si mesmo, consubstanciando critério fundamental para determinação da identidade indígena.

§ 1o Para efeitos desta Resolução, indígena é a pessoa que se identifica como pertencente a um povo indígena e é por ele reconhecido.

§ 2o A autoidentificação do indivíduo como pertencente a determinado povo indígena não lhe retira a condição de titular dos direitos reconhecidos a todo e qualquer brasileiro ou, no caso de migrantes, dos direitos reconhecidos aos estrangeiros nessa condição que eventualmente estejam em território nacional.

 

Seção II

Do diálogo interétnico e intercultural

Art. 5o Diálogo interétnico e intercultural consiste em instrumentos de aproximação entre a atuação dos órgãos que integram o Sistema de Justiça, especialmente os órgãos do Poder Judiciário, com as diferentes culturas e as variadas formas de compreensão da justiça e dos direitos, inclusive mediante a adoção de rotinas e procedimentos diferenciados para atender as especificidades socioculturais desses povos.

 

Seção III

Da territorialidade indígena

Art. 6o A territorialidade indígena decorre da relação singular desses povos com os espaços necessários à sua reprodução física e cultural; aspectos sociais e econômicos; e valores simbólicos e espirituais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária, nos termos do art. 231 da Constituição Federal, do art. 13 da Convenção no 169/OIT e do art. 25 da Lei no 6.001/1973

 

Seção IV

Da vedação da aplicação do regime tutelar

Art. 7o A vedação da aplicação do regime tutelar corresponde ao conjunto de ações destinadas à participação e ao reconhecimento da capacidade processual indígena e ao dimensionamento adequado das atribuições dos órgãos e entes responsáveis por políticas indigenistas, os quais não substituem a legitimidade direta dos indígenas, suas comunidades e organizações para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses.

Parágrafo único. A atuação da Funai ou do Ministério Público Federal em causas sobre direitos indígenas não supre a necessidade de manifestação do povo interessado.

 

Seção V

Do respeito aos povos em isolamento voluntário

Art. 8o O Poder Judiciário deve garantir a não aproximação por terceiros aos povos isolados, uma vez que a eventual iniciativa de contato deve partir exclusivamente desses povos, em atenção ao princípio da autodeterminação e ao direito aos usos, costumes e tradições, resguardados pela Constituição Federal.

§ 1o Os povos indígenas isolados e de recente contato estão sujeitos a vulnerabilidades específicas, de ordem epidemiológica, territorial, demográfica, sociocultural e política, que aumentam sobremaneira o risco de morte, devendo tal condição ser considerada no âmbito do processo judicial.

§ 2o A política judiciária destinada a esses povos deve atender as diretrizes e estratégias específicas e respeitar os princípios da precaução e da prevenção, de forma a preservar o contato preconizado no caput deste artigo.

Art. 9o Havendo indícios de que um processo judicial pode afetar povos ou terras tradicionalmente ocupadas por indígenas, a Funai deverá ser instada a informar se o caso atinge, ainda que de forma potencial, os direitos de povos isolados ou de recente contato, assim como se existe restrição de uso vigente no referido território.

Parágrafo único. O questionamento mencionado no caput deste artigo poderá ser igualmente feito a organizações indígenas de âmbito local, regional ou nacional.

 

CAPÍTULO II

DAS ESPECIFICIDADES DO ACESSO À JUSTIÇA DOS POVOS INDÍGENAS

Art. 10. Para os fins desta Resolução, o ingresso em juízo de povos indígenas, suas comunidades e organizações em defesa de seus direitos e interesses independe de prévia constituição formal como pessoa jurídica.

Parágrafo único. Os povos indígenas, suas comunidades e organizações possuem autonomia para constituir advogado ou assumir a condição de assistido da Defensoria Pública nos processos de seu interesse, conforme sua cultura e organização social.

Art. 11. São extensivos aos interesses dos povos, comunidades e organizações indígenas as prerrogativas da Fazenda Pública, quanto à impenhorabilidade de bens, rendas e serviços, ações especiais, prazos processuais, juros e custas, a teor do art. 40 c/c o art. 61 da Lei no 6.001/1973.

Art. 12. Dar-se-á preferência à forma pessoal para as citações de indígenas, suas comunidades ou organizações.

§ 1o A atuação do Ministério Público e da Defensoria Pública nos processos que envolvam interesses dos indígenas não retira a necessidade de intimação do povo interessado para viabilizar sua direta participação, ressalvados os povos isolados e de recente contato.

§ 2o A comunicação será realizada por meio de diálogo interétnico e intercultural, de forma a assegurar a efetiva compreensão, pelo povo ou comunidade, do conteúdo e consequências da comunicação processual e, na medida do possível, observar-se-ão os protocolos de consulta estabelecidos com o povo ou comunidade a ser citado, que sejam de conhecimento do juízo ou estejam disponíveis para consulta na rede mundial de computadores.

§ 3o O CNJ e os tribunais desenvolverão manuais e treinamento dirigido aos magistrados e servidores, em especial aos oficiais de justiça, acerca da comunicação de atos processuais a comunidades e organizações indígenas, contemplando, inclusive, abordagens de Justiça Restaurativa.

§ 4o Não será praticado ato de comunicação processual de indígena ou comunidade indígena, salvo para evitar o perecimento de direito, durante cultos religiosos, cerimônias ou rituais próprios de cada grupo.

§ 5o Será possível o ingresso, a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição, de indígenas, suas comunidades ou organizações em processos em que esteja presente interesse indígena.

§ 6o Aplica-se, no que couber, à intimação, o disposto neste artigo.

Art. 13. Para garantir o devido processo legal e assegurar a compreensão da linguagem e dos modos de vida dos povos indígenas, a instrução processual deve compatibilizar as regras processuais com as normas que dizem respeito à organização social, à cultura, aos usos e costumes e à tradição dos povos indígenas, com diálogo interétnico e intercultural.

Parágrafo único. O diálogo interétnico e intercultural deve ser feito por meio de linguagem clara e acessível, mediante mecanismos de escuta ativa e direito à informação.

Art. 14. Quando necessário ao fim de descrever as especificidades socioculturais do povo indígena e esclarecer questões apresentadas no processo, o juízo determinará a produção de exames técnicos por antropólogo ou antropóloga com qualificação reconhecida.

§ 1o Compreendem-se por exames técnicos antropológicos trabalhos que demandem a produção de pareceres sob forma de relatórios técnico-científicos, perícias e informes técnicos cuja elaboração pressupõe algum tipo de estudo ou pesquisa no âmbito do conhecimento especializado da Antropologia.

§ 2o Na designação de antropólogo ou antropóloga, deve-se priorizar profissional que possua conhecimentos específicos sobre o povo a que se atrela o processo judicial.

§ 3o Os órgãos do Poder Judiciário poderão realizar parcerias com universidades, associações científicas e entidades de classe para garantir a indicação de profissionais habilitados para a elaboração de laudos periciais antropológicos.

§ 4o Os laudos dos exames técnicos previstos no caput deste artigo observarão o seguinte conteúdo mínimo:

I – descrição dos achados, preferencialmente com base no trabalho in loco, que possibilitem a compreensão da pessoa, do grupo ou do povo indígena periciado, com registros de sua cosmovisão, crenças, costumes, práticas, valores, interação com o meio ambiente, territorialidade, interações sociais recíprocas, organização social e outros fatores vinculados à sua relação com a sociedade envolvente;

II – realização de entrevistas com a parte ou comunidade indígena, descrevendo todos os elementos indispensáveis para a certificação das condições socioculturais da pessoa, do grupo ou do povo indígena examinado;

III – relação dos documentos analisados e outros elementos que contribuam para o conjunto probatório;

IV – no caso de processos criminais, os requisitos previstos no art. 6o da Resolução CNJ no 287/2019.

§ 5o Recomenda-se que a admissibilidade do exame técnico-antropológico não seja fundamentada em supostos graus de integração de pessoas e comunidades indígenas à comunhão nacional.

Art. 15. Diante das especificidades culturais dos povos indígenas, devem ser priorizados os atos processuais sob a forma presencial, devendo a coleta do depoimento das pessoas indígenas ser realizada, sempre que possível e conveniente aos serviços judiciários, no próprio território do depoente.

Art. 16. Recomenda-se a admissão de depoimentos de partes e testemunhas indígenas em sua língua nativa.

§ 1o Caso tome o depoimento em língua diversa, o magistrado assegurar-se-á de que o depoente bem compreende o idioma.

§ 2º Será garantido intérprete ao indígena, escolhido preferencialmente dentre os membros de sua comunidade, podendo a escolha recair em não indígena quando esse dominar a língua e for indicado pelo povo ou indivíduo interessado.

Art. 17. O Ministério Público e a Funai serão intimados para manifestar interesse de intervir nas causas de interesse dos povos indígenas, suas comunidades e organizações.

Parágrafo único. Na falta ou insuficiência da representação, a Defensoria Pública será cientificada.

Art. 18. Nas ações judiciais, inclusive possessórias, cuja discussão venha alcançar terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, deve ser dada ciência ao povo indígena interessado, com instauração de diálogo interétnico e intercultural, e oficiados à Funai e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), para que informem sobre a situação jurídica das terras.

Parágrafo único. Recomenda-se à autoridade judicial cautela na apreciação de pleitos de tutelas provisória de urgência que impliquem remoções ou deslocamentos, estimulando sempre o diálogo interétnico e intercultural.

Art. 19. Sempre que for necessário esclarecer algum ponto em que a escuta da comunidade seja relevante, a autoridade judicial poderá recorrer a audiências públicas ou inspeções judiciais, respeitadas as formas de organização e deliberação do grupo.

Parágrafo único. A organização das audiências e das inspeções em territórios indígenas será feita em conjunto com a comunidade, de forma a respeitar seus ritos e tradições, sem prejuízo da observância das formalidades processuais.

 

CAPÍTULO III

DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS INDÍGENAS

Art. 20. Os órgãos do Poder Judiciário observarão o disposto no art. 231 da Constituição Federal, no art. 30 da Convenção sobre Direitos da Criança e no ECA quanto à determinação do interesse superior da criança, especialmente, o direito de toda criança indígena, em comum com membros de seu povo, de desfrutar de sua própria cultura, de professar e praticar sua própria religião ou de falar sua própria língua.

Art. 21. Em assuntos relativos ao acolhimento familiar ou institucional, à adoção, à tutela ou à guarda, devem ser considerados e respeitados os costumes, a organização social, as línguas, as crenças e as tradições, bem como as instituições dos povos indígenas.

§ 1o A colocação familiar deve ocorrer prioritariamente no seio de sua comunidade ou junto a membros do mesmo povo indígena, ainda que em outras comunidades.

§ 2o O acolhimento institucional ou em família não indígena deverá ser medida excepcional a ser adotada na impossibilidade, devidamente fundamentada, de acolhimento nos termos do parágrafo § 1o deste artigo, devendo ser observado o mesmo para adoção, tutela ou guarda em famílias não indígenas.

§ 3o Na instrução processual, deverão ser observadas as disposições da Resolução CNJ no 299/2019 sobre as especificidades de crianças e adolescentes pertencentes a povos e comunidades tradicionais, vítimas ou testemunhas de violência.

 

CAPÍTULO IV

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 22. Na hipótese em que o CNJ seja instado a atuar para a implementação de deliberações e recomendações da Corte Interamericana de Direitos Humanos e outros órgãos internacionais de direitos humanos, os povos e as comunidades indígenas afetados serão ouvidos pela Unidade de Monitoramento e Fiscalização instituída pela Resolução CNJ no 364/2021, com a finalidade de compreender a sua perspectiva em relação aos pontos que são objeto do litígio.

Art. 23. O CNJ elaborará Manual voltado à orientação dos tribunais e magistrados quanto à implementação das medidas previstas nesta Resolução.

Art. 24. Para o cumprimento do disposto nesta Resolução, os tribunais, em colaboração com as escolas de magistratura, promoverão cursos destinados à permanente qualificação e atualização funcional dos magistrados e serventuários, notadamente nas comarcas e seções judiciárias com maior população indígena.

Parágrafo único. A Presidência do CNJ encaminhará à Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) proposta de inclusão do presente ato normativo e das Resoluções CNJ no 287/2019 e 299/2019, no conteúdo programático obrigatório dos cursos de ingresso e vitaliciamento na magistratura.

Art. 25. As informações relativas aos povos isolados e de recente contato, disponibilizadas pela Funai por meio de dados abertos, passarão a integrar o painel interativo nacional de dados ambiental e interinstitucional (SireneJud), instituído pela Resolução Conjunta CNJ/CNMP no 8/2021, para consulta pela autoridade judicial.

Art. 26. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

 

Ministro LUIZ FUX