Identificação
Resolução Nº 622 de 30/05/2025
Apelido
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Temas
Execução Penal e Sistema Carcerário; Infância/Juventude;
Ementa

Estabelece diretrizes e procedimentos para a transferência interestadual de adolescentes e jovens em cumprimento de medida socioeducativa de internação ou semiliberdade, no âmbito do Poder Judiciário.

Situação
Vigente
Situação STF
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Origem
Presidência
Fonte
DJE/CNJ n. 118/2025, de 3 de junho de 2025, p. 2-5.
Alteração
Legislação Correlata
Observação / CUMPRDEC / CONSULTA

SEI n. 00139/2025

 
Texto
Texto Original
Texto Compilado

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais;

CONSIDERANDO que a Constituição Federal estabelece a prioridade absoluta da garantia dos direitos da criança e do adolescente e o princípio da convivência familiar e comunitária (art. 227), bem como a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e a não submissão à tortura ou tratamento desumano e degradante (art. 5º, III);

CONSIDERANDO a Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças, de 20 de novembro de 1989, que dispõe que todas as crianças privadas de sua liberdade sejam tratadas com a humanidade e com o respeito que merece a dignidade inerente à pessoa humana, e levando em consideração as necessidades de uma pessoa de sua idade (art. 37);

CONSIDERANDO as Regras da Organização das Nações Unidas para Administração da Justiça Juvenil (Regras de Beijing), de 29 de novembro de 1985;

CONSIDERANDO os princípios Orientadores da Organização das Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil (Princípios de Riad), de 1990;

CONSIDERANDO as Regras Mínimas da Organização das Nações Unidas para Proteção de Jovens Privados de Liberdade (Regras de Havana), de 14 de dezembro de 1990;

CONSIDERANDO o disposto no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), Lei nº 12.594/2012, segundo o qual a execução das medidas socioeducativas reger-se-á, dentre outros, pelos princípios da brevidade e do fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários (art. 35, V e IX);

CONSIDERANDO a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus nº 143.988, em 25 de agosto de 2020, que determinou que as unidades de execução de medida socioeducativa não ultrapassem a capacidade projetada e estabeleceu a adoção do princípio numerus clausus como estratégia de gestão para estas unidades, com a liberação de nova vaga na hipótese de ingresso de adolescente;

CONSIDERANDO os procedimentos para melhoria do atendimento socioeducativo dispostos na Resolução CNJ nº 165/2012, que dispõe que nenhum adolescente poderá ingressar ou permanecer em unidade de internação ou semiliberdade sem ordem escrita da autoridade judiciária competente (art. 4º);

CONSIDERANDO as disposições da Resolução CNJ nº 214/2015, que dispõe sobre a organização e o funcionamento os Grupos de Monitoramento e Fiscalização (GMF), incumbindo-os de fiscalizar e monitorar as condições de cumprimento de medidas de internação por adolescentes em conflito com a lei;

CONSIDERANDO a Resolução Conanda nº 119/2006, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo e dá outras providências;

CONSIDERANDO a Resolução Conanda nº 249/2024, que proíbe, em todo território nacional, “o acolhimento, atendimento, tratamento e acompanhamento de crianças e adolescentes em comunidades terapêuticas ou em instituições que prestam serviços de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso, ou dependência de substâncias psicoativas (SPA), em regime de residência, e que utilizam como principal instrumento terapêutico a convivência entre os pares.(comunidades terapêuticas)”, bem como a Resolução CONAD nº 10/2024, que suspende a eficácia da Resolução CONAD nº 3/2020, que regulamentava o acolhimento de adolescentes em comunidades terapêuticas; e dá outras providências;

CONSIDERANDO a deliberação do Plenário do CNJ no Ato Normativo nº 0001691-05.2025.2.00.0000, na 6ª Sessão Virtual, finalizada em 16 de maio de 2025;

 

RESOLVE

 

Art. 1º Estabelecer diretrizes e procedimentos a serem observados pelo Poder Judiciário e seus serviços auxiliares para a transferência interestadual de adolescentes e jovens em cumprimento de medida socioeducativa de internação ou de semiliberdade.

Parágrafo único. A transferência de adolescentes e jovens entre unidades socioeducativas situadas no mesmo estado da federação é regulada pela Resolução CNJ nº 367/2021, aplicando-se, no que couber, os dispositivos da presente Resolução.

Art. 2º São princípios aplicáveis às transferências de que trata a presente Resolução:

I –a prioridade absoluta e a proteção integral;

II – o respeito à dignidade humana, à singularidade e à autonomia progressiva de cada adolescente e jovem;

III – o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento;

IV – a vedação de que seja conferido a adolescente e jovem tratamento mais gravoso do que o conferido à pessoa adulta;

V – a convivência familiar e comunitária;

VI – a garantia a assistência jurídica, a ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal;

VII – a excepcionalidade e a brevidade das medidas socioeducativas privativas de liberdade; e

VIII – a atualidade e temporalidade da medida socioeducativa.

Art. 3º São diretrizes aplicáveis à transferência interestadual de que trata a presente Resolução:

I – a garantia da convivência familiar e comunitária, em ambiente que assegure o desenvolvimento integral de adolescentes

e jovens;

II – a competência do juízo natural para a execução da medida socioeducativa;

III – o respeito ao Plano Individual de Atendimento (PIA), enquanto instrumento de previsão, registro e gestão das atividades a serem desenvolvidas com a pessoa adolescente ou jovem;

IV – a articulação interinstitucional e a cooperação entre os órgãos do Poder Judiciário, nos termos da Resolução CNJ nº 350/2020;

V – as normas gerais da Central de Vagas no Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo, em consonância com a Resolução CNJ nº 367/2021;

VI – o transporte de adolescentes e jovens de forma a respeitar sua integridade física e moral;

VII – o deslocamento em condições dignas e não degradantes, nos termos das Regras de Havana;

VIII – a proibição do uso de algemas, salvo em condições excepcionais, nos termos da Súmula Vinculante 11, do Supremo Tribunal Federal;

IX – a primazia do tratamento de saúde em liberdade;

X – a vedação à internação de adolescentes em comunidades terapêuticas; e

XI – a prevenção a tortura ou tratamento cruel, desumano e degradante, nos termos do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, instituído pela Lei nº 12.847/2013, e da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes de 1989.

Art. 4º A transferência interestadual, desde que fundamentada no Plano Individual de Atendimento (PIA), será autorizada para garantir o direito à convivência familiar e comunitária.

§ 1º Excepcionalmente, a transferência interestadual poderá ser autorizada para a garantia do exercício de outros direitos, desde que devidamente fundamentada e quando não for possível a extinção, substituição por medida menos gravosa ou suspensão da medida socioeducativa privativa de liberdade.

§ 2º A decisão judicial considerará que a transferência interestadual não pode ser utilizada como sanção administrativa por falta disciplinar.

Art. 5º A transferência interestadual, de competência exclusiva do juízo competente para a execução da medida socioeducativa, poderá ser determinada após requerimento formulado:

I – por adolescente, jovem ou seus familiares;

II – pela defesa constituída;

III – pelo Ministério Público; e

IV – pela equipe de acompanhamento da execução da medida socioeducativa.

Parágrafo único. O direito de petição da pessoa adolescente ou jovem será assegurado de maneira efetiva, cabendo aos tribunais receber e processar os requerimentos de transferência, observados os direitos de acesso à justiça e à assistência judiciária gratuita, bem como a instrumentalidade das formas.

Art. 6º Recebido o pedido de transferência interestadual, o juízo designará audiência com a presença da pessoa adolescente ou jovem, da família ou responsável, da defesa constituída e de membro do Ministério Público.

§ 1º Antes de decidir sobre o pedido, o juízo avaliará a possibilidade de extinção, substituição da medida de internação ou semiliberdade por medida em meio aberto ou suspensão da medida socioeducativa.

§ 2º Deferido o pedido de transferência, a decisão será comunicada ao juízo da execução do estado de destino, que solicitará vaga à respectiva Central de Vagas no Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo;

§3º A transferência somente poderá ser negada pelo juízo da execução do estado de destino por ausência de vaga na unidade mais próxima a residência do socioeducando, caso em que a pessoa adolescente ou jovem será colocada em fila de espera.

Art. 7º As transferências serão realizadas de forma a respeitar a dignidade e integridade física e moral das pessoas adolescentes e jovens, observando, especialmente:

I – a garantia do acompanhamento por familiares ou responsáveis no deslocamento;

II – a adequabilidade das condições de iluminação, ventilação, conforto térmico e segurança no transporte, conforme as normas do Código de Trânsito Brasileiro e as Regras de Havana, incluídos a adequação dos assentos e cintos de segurança;

III – a vedação do transporte em compartimento fechado;

IV – a disponibilidade de alimentação e água potável e a realização de parada para refeição e uso de banheiro, considerada a necessidade da pessoa transportada;

V – a garantia de cuidados especiais a adolescente ou jovem gestante, com deficiência, em enfermidade ou que necessite de tratamento médico;

VI – a preservação do anonimato e do sigilo das pessoas transportadas, vedada a exposição pública e a utilização de veículo que indique a condição de adolescente ou jovem em cumprimento de medida socioeducativa; e

VII – a proibição do uso de algemas, salvo em condições excepcionais e devidamente justificado, nos termos da Súmula Vinculante 11, do Supremo Tribunal Federal.

§ 1º Será efetuado o registro da data, da hora de saída da unidade de origem e da hora de chegada na unidade de destino.

§ 2º Haverá a realização de exame de corpo de delito na saída da pessoa adolescente ou jovem da unidade socioeducativa de origem e antes do ingresso na unidade de destino, como forma de prevenir a tortura ou tratamento cruel, desumano e degradante.

§ 3º Compete aos GMFs o monitoramento das transferências, devendo ser comunicados sobre as movimentações para o devido acompanhamento.

§ 4º O transporte de adolescentes ou jovens em condições que lhes causem sofrimentos físicos ou morais poderá ensejar responsabilização administrativa, civil e criminal.

Art. 8º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

 

Ministro Luís Roberto Barroso