Identificação
Resolução Nº 646 de 26/09/2025
Apelido
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Temas
Ementa

Institui o Protocolo de Crise Socioambiental do Poder Judiciário.

Situação
Vigente
Situação STF
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Origem
Presidência
Fonte
DJe/CNJ n. 212/2025, de 29 de setembro de 2025, p. 4-7.
Alteração
Legislação Correlata
Observação / CUMPRDEC / CONSULTA

SEi n. 00139/2025

 
Texto
Texto Original
Texto Compilado

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições constitucionais e regimentais,

CONSIDERANDO os impactos das mudanças socioambientais na continuidade da prestação jurisdicional e no acesso à justiça;

CONSIDERANDO a necessidade de fortalecer a resiliência institucional do Poder Judiciário frente a desastres ambientais;

CONSIDERANDO as recomendações constantes de estudos técnicos sobre o tema, em especial os resultados do projeto “Fortalecimento de capacidades do Poder Judiciário para promoção do acesso à Justiça por populações estruturalmente vulnerabilizadas a partir do caso das enchentes no Rio Grande do Sul”;

CONSIDERANDO a deliberação do Plenário do CNJ no julgamento do Ato Normativo nº 0006874-54.2025.2.00.0000, na 2ª Sessão Virtual Extraordinária, finalizada em 26 de setembro de 2025.

 

RESOLVE:

 

CAPÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º Instituir o Protocolo de Crise Socioambiental do Poder Judiciário, a ser observado por todos os tribunais.

Parágrafo único. Para fins desta Resolução, considera-se:

I – crise socioambiental: situação de degradação ou desequilíbrio ambiental, agravada por vulnerabilidades sociais e institucionais, que compromete ou ameaça comprometer direitos fundamentais e a prestação jurisdicional, ainda que não caracterizada como desastre nos termos da legislação de proteção e defesa civil; e

II – desastre: resultado de evento adverso, natural, antrópico ou socionatural, que, ao incidir sobre cenários vulneráveis,

cause danos humanos, materiais ou ambientais e prejuízos sociais e econômicos, nos termos do art. 2º, VII, do Decreto nº 10.593/2020 – Política Nacional de Proteção e Defesa Civil.

Art. 2º São objetivos do Protocolo de Crise Socioambiental do Poder Judiciário:

I – garantir a continuidade da atuação judicial, incluindo a prestação jurisdicional, em contextos de crise socioambiental e de desastre;

II – prevenir riscos e mitigar impactos adversos, tanto sobre a infraestrutura e os serviços judiciais quanto sobre populações e territórios vulnerabilizados;

III – assegurar o acesso à justiça, em especial de populações vulnerabilizadas, em contextos de crise socioambiental e de desastre;

IV – orientar a atuação do sistema de justiça nas fases de prevenção, resposta, recuperação e reparação em situações de crise socioambiental e de desastre;

V – promover a cooperação interinstitucional e a transparência na gestão de situações de crise socioambiental e de desastre.

Art. 3º O Protocolo de Crise Socioambiental do Poder Judiciário compreende medidas organizadas em fases interdependentes, que devem ser observadas de forma articulada pelos tribunais:

I – prevenção e preparação, voltadas à redução de riscos futuros, ao fortalecimento institucional e à criação de instrumentos para assegurar a continuidade da prestação jurisdicional;

II – resposta emergencial, voltada à atuação imediata diante da ocorrência de crises socioambientais ou desastres, com foco na proteção de vidas e na continuidade mínima dos serviços essenciais;

III – continuidade jurisdicional e recuperação, voltadas ao restabelecimento da normalidade institucional, à reparação dos danos sofridos por populações vulnerabilizadas e à consolidação de aprendizados para fortalecimento de capacidades futuras.

Parágrafo único. Os tribunais podem adotar medidas complementares ou integradas, para além das indicadas, de acordo com suas especificidades locais e institucionais.

 

CAPÍTULO II

DA PREVENÇÃO E PREPARAÇÃO

Art. 4º Cada tribunal deverá elaborar Plano de Contingência Socioambiental, contendo, no mínimo:

I – medidas de diagnóstico e planejamento;

II – medidas relativas à infraestrutura e prédios judiciais;

III – medidas voltadas a sistemas digitais e tecnológicos;

IV – medidas de atuação judicial e atendimento à população.

Art. 5º São medidas de diagnóstico e planejamento, entre outras:

I – mapeamento de vulnerabilidades territoriais e populacionais, com atenção especial a grupos vulnerabilizados;

II – planos de comunicação e informação acessível à população, inclusive com acessibilidade digital;

III – fluxos de articulação com a Defesa Civil, Defensorias Públicas, Ministérios Públicos, OAB e demais instituições, em protocolos interinstitucionais de prevenção e resposta;

IV – constituição de comitês internos permanentes ou salas de situação para monitoramento de riscos; e

V – inclusão do tema da gestão de riscos socioambientais nos planejamentos estratégicos e relatórios de sustentabilidade dos tribunais.

Art. 6º São medidas relativas à infraestrutura e prédios judiciais, entre outras:

I – protocolos de segurança para servidores, magistrados e usuários, abrangendo avaliação predial, evacuação, acessibilidade e funcionamento em emergências;

II – inclusão de critérios de resiliência climática e sustentabilidade em obras e reformas prediais; e

III – manutenção de pelo menos uma sede regional ou estrutura de apoio fora de zonas de risco climático.

Art. 7º São medidas voltadas a sistemas digitais e tecnológicos, entre outras:

I – estratégias de proteção a dados e sistemas judiciais, incluindo servidores em nuvem, backups distribuídos geograficamente, cibersegurança e planos de contingência digital;

II – realização de auditorias, testes e simulações periódicas de segurança e integridade dos sistemas judiciais;

III – mecanismos orçamentários, incluindo fundo emergencial permanente e reserva de recursos logísticos, para garantir a continuidade da prestação jurisdicional e apoio à população atingida.

Art. 8º São medidas de atuação judicial e atendimento à população, entre outras:

I – elaboração de protocolos processuais padronizados e normas situacionais para atuação em crise socioambiental e desastre;

II – previsão de designação temporária de magistrados e plantões especializados em crise socioambiental e desastre;

III – planos de contingência judicial e priorização processual voltados a demandas de populações vulnerabilizadas em territórios de risco;

IV – fortalecimento de projetos de justiça itinerante e outras iniciativas voltadas à garantia de acesso à justiça em contextos de crise socioambiental e desastre;

V – capacitação periódica de magistrados, servidores e equipes técnicas sobre justiça climática, interseccionalidade e gestão de riscos socioambientais; e

VI – realização de exercícios simulados regulares de resposta a desastres, com participação de magistrados, servidores e demais atores institucionais.

 

CAPÍTULO III

DA RESPOSTA A CRISES SOCIOAMBIENTAIS E DESASTRES

Art. 9º Na ocorrência de crise socioambiental ou desastre que exponha populações a risco ou comprometa a continuidade dos serviços judiciais ou o acesso à justiça, os tribunais deverão aplicar imediatamente as medidas de resposta emergencial previstas neste Capítulo, que incluem:

I – medidas de proteção de vidas e continuidade institucional;

II – medidas de garantia de acesso à justiça e documentação;

III – medidas de suporte institucional e tecnológico; e

IV – medidas de comunicação e articulação social.

Art. 10. São medidas de proteção de vidas e continuidade institucional, entre outras:

I – suspensão ou adaptação imediata de atividades presenciais em áreas de risco;

II – suspensão excepcional de prazos processuais e atos de cobrança de dívida ativa em localidades atingidas;

III – criação de Central de Plantão Extraordinário para atendimento emergencial;

IV – autorização excepcional para magistrados(as) de plantão apreciarem quaisquer matérias de urgência, incluindo certidões, RPVs, precatórios e levantamento de valores.

Art. 11. São medidas de garantia de acesso à justiça e documentação, entre outras:

I – instalação de unidades móveis ou itinerantes de atendimento, como justiça itinerante, caravanas de direitos e centrais de cidadania;

II – emissão célere e gratuita de documentos essenciais, incluindo certidões, registros civis e alvarás, por meio de mutirões emergenciais;

III – viabilização de peticionamento e intimação por e-mail ou outros meios excepcionais em demandas urgentes;

IV – localização e identificação de pessoas desaparecidas, com padronização de procedimentos e elaboração e divulgação de manual informativo de direitos.

Art. 12. São medidas de suporte institucional e tecnológico, entre outras:

I – articulação com órgãos públicos para uso de equipamentos e apoio logístico emergencial;

II – destinação rápida de recursos emergenciais, inclusive por meio de comitês temporários de apoio e monitoramento;

III – celebração de acordos de cooperação judiciária para atuação de magistrados(as) de outros estados;

IV – migração emergencial de sistemas judiciais para servidores em nuvem, garantindo a continuidade dos serviços.

Art. 13. São medidas de comunicação e articulação social, entre outras:

I – comunicação pública acessível e transparente sobre o funcionamento das unidades judiciárias;

II – realização de mutirões interinstitucionais, em conjunto com órgãos públicos e entidades da sociedade civil, para atendimento direto às populações atingidas e encaminhamento de demandas urgentes.

Art. 14. A atuação prevista neste Capítulo deverá priorizar a proteção e o atendimento específico de grupos vulnerabilizados, incluindo:

I – pessoas idosas, com deficiência, crianças e adolescentes, com especial atenção às vítimas de separação familiar e desaparecimento;

II – populações indígenas, quilombolas, ribeirinhas, migrantes e em situação de rua;

III – mulheres, em especial vítimas de violência doméstica e mães solo, com oferta de abrigos emergenciais e proteção integral;

IV – população LGBTQIAPN+.

 

CAPÍTULO IV

DA RECUPERAÇÃO E AVALIAÇÃO

Art. 15. Superada a fase emergencial, a recuperação consiste no conjunto de medidas destinadas a restabelecer a continuidade da atuação judicial, assegurar a reparação dos danos e promover a retomada das condições de normalidade institucional e social.

Parágrafo único. As medidas de recuperação e avaliação compreendem, no mínimo:

I – medidas de reconstrução e retomada institucional;

II – medidas de proteção de direitos e de apoio às populações atingidas;

III – medidas de participação social e proteção de grupos vulnerabilizados;

IV – medidas de fortalecimento institucional e de governança.

Art. 16. São medidas de reconstrução e retomada institucional, entre outras:

I – avaliação dos danos humanos, materiais, ambientais e financeiros suportados pelo Poder Judiciário em decorrência da crise socioambiental ou do desastre;

II – restabelecimento das unidades judiciárias e de seus serviços, priorizando a restauração das condições de acessibilidade e segurança;

III – garantia da infraestrutura e de recursos contínuos para a atuação jurisdicional e administrativa em campo, inclusive com apoio logístico emergencial;

IV – elaboração e execução de protocolos para a retomada gradual das atividades presenciais, de acordo com critérios técnicos de segurança.

Art. 17. São medidas de proteção de direitos e de apoio às populações atingidas, entre outras:

I – promoção de atendimento jurídico descentralizado e integrado, inclusive por meio de programas com oferta de serviços de registro civil, Defensoria Pública, Ministério Público, Polícia Federal e órgãos de proteção social;

II – criação e execução de fluxo específico para tramitação e decisão célere de pedidos relacionados aos auxílios, incluindo mecanismos de conciliação e acordos de rápida homologação;

III – construção de acordos em ações civis públicas em parceria com a Defensoria Pública da União e a Advocacia-Geral da União, visando à desjudicialização e à efetiva reparação dos danos às populações atingidas;

IV – articulação com órgãos públicos responsáveis pela gestão de benefícios sociais, como a Dataprev, para assegurar a rápida liberação de auxílios e prestações emergenciais.

Art. 18. São medidas de participação social e de proteção a grupos vulnerabilizados, entre outras:

I – definição de padrões mínimos de atendimento à população resgatada ou em processo de reconstrução, garantindo ambientes seguros, canais de denúncia confidenciais, respeito à identidade de gênero e acessibilidade para pessoas com deficiência;

II – criação e manutenção de abrigos emergenciais, com atenção especial a mulheres, mães solo, pessoas idosas, crianças, adolescentes, pessoas com deficiência, populações indígenas, quilombolas, ribeirinhas, migrantes e demais grupos em situação de vulnerabilidade;

III – promoção de espaços permanentes de escuta e diálogo social, mediante realização de audiências públicas e mesas de negociação com a participação de comunidades atingidas.

Art. 19. São medidas de fortalecimento institucional e de governança, compreendendo, entre outras:

I – destinação rápida de recursos emergenciais pelo Conselho Nacional de Justiça ou por comitês temporários de apoio e monitoramento, assegurando transparência e eficiência na gestão;

II – articulação com órgãos do Executivo e de outras instâncias do Poder Judiciário para garantir resposta coordenada e efetiva às crises;

III – implementação das diretrizes da Nota Técnica Conjunta CNJ/PNUD nº 001/2024, priorizando a articulação interinstitucional e a prevenção da litigiosidade massiva;

IV – sistematização e divulgação de relatórios públicos sobre as demandas recebidas, os atendimentos realizados e as lacunas identificadas, com vistas ao aprimoramento contínuo do Protocolo.

Art. 20. O CNJ será responsável por:

I – monitorar a implementação do Protocolo;

II – consolidar dados nacionais sobre impactos socioambientais no Judiciário;

III – propor revisões do Protocolo, em consonância com diretrizes nacionais e internacionais de gestão de riscos.

 

CAPÍTULO V

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 21. Este Protocolo integra e complementa a Política Nacional do Poder Judiciário para o Meio Ambiente, instituída pela Resolução CNJ nº 433/2021.

Art. 22. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

 

Ministro Luís Roberto Barroso