Identificação
Resolução Nº 485 de 18/01/2023
Apelido
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Temas
Acesso à Justiça e Cidadania; Infância/Juventude; Responsabilidade Social;
Ementa

Dispõe sobre o adequado atendimento de gestante ou parturiente que manifeste desejo de entregar o filho para adoção e a proteção integral da criança.

Situação
Vigente
Situação STF
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Origem
Presidência
Fonte
DJe/CNJ nº 13/2023, de 26 de janeiro de 2023, p. 2-5.
Alteração
Legislação Correlata
Observação / CUMPRDEC / CONSULTA

Cumprdec 0000577-02.2023.2.00.0000

 

 
Texto
Texto Original
Texto Compilado

A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais,

CONSIDERANDO que a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança dispõe, em seu art. 9º, que a criança tem o direito de não ser separada dos pais contra a vontade dos mesmos, e, em conformidade com o art. 18, segunda alínea, os Estados Partes têm o dever de prestar assistência adequada aos pais para o desempenho de suas funções;

CONSIDERANDO que a mesma Convenção prevê, em seu art. 8º, o direito da criança à preservação da sua identidade e dispõe, em seu art. 21, “a”, que a adoção seja autorizada apenas pelas autoridades competentes, observando a situação jurídica da criança e o consentimento à adoção de quem exerce a responsabilidade parental;

CONSIDERANDO que as Diretrizes sobre Modalidades Alternativas de Cuidados de Crianças, adotadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas, por meio da Resolução n. 64/142, §§ 43 e 44, prescrevem as providências a serem adotadas no sentido de se dar suporte aos pais que manifestam desejo de entregar seus filhos para fins de serem de adotados, visando salvaguardar o direito da criança de permanecer no seio da família biológica ou extensa;

CONSIDERANDO o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, diante de sua vulnerabilidade ao tráfico e exploração;

CONSIDERANDO que a Constituição Federal prevê, em seu art. 227, que é dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à convivência familiar e comunitária;

CONSIDERANDO que, segundo o art. 5º da Lei n. 13.257/2016 – Marco Legal da Primeira Infância (MLPI), é área prioritária para as políticas públicas para a primeira infância a garantia do direito à convivência familiar e comunitária;  

CONSIDERANDO a política pública de proteção da mulher, gestante e puérpera, bem assim da criança, consoante os arts. 7º, 8º e 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA);

CONSIDERANDO que o art. 13, § 1º, do ECA dispõe que serão obrigatoriamente encaminhadas à Justiça da Infância e da Juventude, sem constrangimento, as gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção;

CONSIDERANDO as disposições gerais do art. 19-A do ECA, que estabelecem as providências a serem adotadas pela Justiça da Infância e da Juventude em favor da gestante ou mãe que manifeste interesse em entregar seu filho para adoção, antes ou logo após o nascimento;

CONSIDERANDO a diretriz de atendimento integrado e intersetorial para a garantia do direito à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes, nos termos do art. 88, VI, do ECA;

CONSIDERANDO que o art. 100, parágrafo único, incisos II, III, VI, VII e X, do ECA, estabelece como princípios para a aplicação de medidas, dentre outros, a proteção integral e prioritária, a responsabilidade primária e solidária do poder público, a intervenção precoce e mínima e a prevalência da família, devendo-se prever medidas de suporte à família antes da efetiva entrega da criança;

CONSIDERANDO a Resolução Conanda n. 113/2006, que dispõe sobre os parâmetros para a institucionalização e fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente;  

CONSIDERANDO a Recomendação n. 8/2012, da Corregedoria Nacional de Justiça, que norteia a atuação do Poder Judiciário nos processos de adoção e guarda, estabelecendo a necessidade de garantir a transparência e segurança da entrega perante o Poder Judiciário;

CONSIDERANDO o Provimento n. 36/2014 e o Provimento n. 116/2021, da Corregedoria Nacional de Justiça, que tratam da estruturação das Varas da Infância e da Juventude;

CONSIDERANDO o deliberado pelo Plenário do CNJ no procedimento de Ato Normativo n. 0006474-79.2021.2.00.0000, na 117ª Sessão Virtual, realizada em 16 de dezembro de 2022;

 

RESOLVE:

 

Art. 1º O atendimento, no âmbito do Poder Judiciário, de gestante ou parturiente que manifeste o desejo de entregar o filho para adoção e a proteção integral da criança obedecerá ao disposto nesta Resolução.

Art. 2º Gestante ou parturiente que, antes ou logo após o nascimento, perante hospitais, maternidades, unidades de saúde, conselhos tutelares, Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), Centros de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS), instituições de ensino ou demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos, manifeste interesse em entregar seu filho à adoção, antes ou logo após o nascimento, será encaminhada, sem constrangimento, à Vara da Infância e Juventude, a fim de que seja formalizado o procedimento judicial e seja designado atendimento pela equipe interprofissional.

§ 1º A pessoa gestante ou parturiente deverá ser acolhida por equipe interprofissional do Poder Judiciário.

§ 2º Enquanto não houver equipe interprofissional, poderá a autoridade judiciária, de forma excepcional e provisória, designar servidor qualificado da Vara com competência da Infância e Juventude, em data próxima ao atendimento referido no caput, em espaço que resguarde sua privacidade, oportunidade em que será colhida sua qualificação – identificação, endereço, contatos e data provável do parto - e assinatura, e será orientada sobre a entrega voluntária, sem constrangimentos e sem pré-julgamentos (ECA, art. 151).

§ 3º Na ausência ou insuficiência de equipe técnica interprofissional do Poder Judiciário, em caráter excepcional e provisório, poderão os tribunais:

I – firmar convênios e parcerias com entes públicos e privados para atender aos fins desta Resolução; e

II – proceder à nomeação de perito, na forma do art. 151, parágrafo único, do ECA.

Art. 3º Serão autuadas e registradas na classe “Entrega Voluntária” (15140) as informações instrumentalizadas e respectivos documentos colhidos, assim como relatório técnico, quando possível a realização imediata do atendimento interprofissional, remetendo-se em seguida ao representante do Ministério Público.

§ 1º O procedimento tramitará com prioridade e em segredo de justiça.

§ 2º Caso a pessoa gestante ou parturiente não tenha advogado constituído, ser-lhe-á imediatamente nomeado um defensor público ou, na impossibilidade, advogado dativo para acompanhamento durante o processo e, notadamente, na audiência de que trata o art. 166, § 1º do ECA, possibilitando entrevista prévia com o defensor, em ambiente com privacidade, para receber orientação jurídica qualificada.

§ 3° A pretensão também poderá ser deduzida diretamente em juízo sob o patrocínio da Defensoria Pública ou do advogado.

Art. 4º No relatório circunstanciado a ser apresentado pela equipe interprofissional será avaliado:

I – se a manifestação de vontade da pessoa gestante ou parturiente é fruto de decisão amadurecida e consciente ou se determinada pela falta ou falha de garantia de direitos;

II – se, ressalvado o respeito a sigilo em caso de gestação decorrente de crime, a pessoa gestante foi orientada sobre direitos de proteção, inclusive de aborto legal (art. 128 do Código Penal);

III – se foi oferecido apoio psicossocial e socioassistencial para evitar que fatores socioculturais e/ou socioeconômicos impeçam a tomada de decisão amadurecida;

IV – se as condições cognitivas da pessoa gestante ou parturiente reclamam apoio para a tomada de decisão;

V – se as condições emocionais e psicológicas, inclusive eventuais efeitos do estado gestacional e puerperal, demandam avaliação clínica apropriada e o prazo estimado para tratamento; e

VI – se a pessoa gestante ou parturiente tem conhecimento da identidade e paradeiro do pai e da família paterna, e se necessita suporte para contato e mediação de eventuais conflitos, salvo no caso de requerer sigilo quanto ao nascimento.

Art. 5º A gestante ou parturiente deve ser informada, pela equipe técnica ou por servidor designado do Judiciário, sobre o direito ao sigilo do nascimento, inclusive, em relação aos membros da família extensa e pai indicado, observando-se eventuais justificativas apresentadas, respeitada sempre sua manifestação de vontade e esclarecendo-se sobre o direito da criança ao conhecimento da origem biológica (ECA, art. 48).

§ 1º O direito ao sigilo é garantido à gestante criança ou adolescente inclusive em relação aos seus genitores, devendo, nesse caso, ser representada pelo Defensor Público ou advogado a ela nomeado.

§ 2º Será garantido o sigilo dos prontuários médicos e da finalidade do atendimento à gestante/parturiente nas unidades de saúde, maternidades e perícias médicas de autarquias previdenciárias, notadamente quando noticiada a intenção de entrega para adoção.

§ 3º Caso não haja solicitação de sigilo sobre o nascimento e a entrega do filho, será consultada a pessoa gestante ou parturiente sobre a existência de integrantes da família natural ou extensa com quem ela tenha relação de afinidade para, se possível, e com anuência dela, também serem ouvidos.

§ 4º Na hipótese do parágrafo anterior, a busca de integrantes da família extensa respeitará o prazo máximo de 90 (noventa) dias, prorrogável por igual período por decisão judicial fundamentada.

Art. 6º A equipe técnica deverá informar, ainda, a gestante ou a parturiente, dentre outros, sobre:

I – o direito à assistência da rede de proteção, inclusive atendimento psicológico nos períodos pré e pós-natal, devendo, de plano, a equipe interprofissional fazer os encaminhamentos necessários, caso haja sua anuência;

II – o direito de atribuir nome à criança, colhendo desde logo suas sugestões, bem como a forma como será atribuído esse nome caso ela não o faça;

III – o direito da criança de conhecer suas origens (ECA, art. 48);

IV – o direito da criança de preservação de sua identidade (art. 8º da Convenção sobre os Direitos da Criança);

V – o direito de a genitora ou parturiente deixar informações ou registros que favoreçam a preservação da identidade da criança, seja sobre o histórico familiar, da gestação e de sua decisão de entrega, seja sobre dados que possam ser úteis aos cuidados da criança, como os relativos a históricos de saúde da família de origem, ou outros que lhe pareçam significativo; e

VI – o direito de gozo de licença-saúde após o parto e que a razão da licença será mantida em sigilo.

Art. 7º Os resultados do atendimento realizado pela equipe técnica serão apresentados por meio de relatório técnico.

Art. 8º O magistrado oficiará ao estabelecimento de saúde de referência em que o parto provavelmente ocorrerá, comunicando a intenção da gestante, para que ela receba atendimento humanizado e acolhedor, correspondente à situação peculiar em que se encontra, evitando constrangimentos e resguardando-se o sigilo, requisitando seja o juízo comunicado imediatamente quando de sua internação.

§ 1º Deve o estabelecimento de saúde, inclusive, ser orientado quanto à necessidade de respeitar a vontade da paciente quanto a não ter contato com o recém-nascido.

§ 2º É garantida a lavratura do registro de nascimento e emissão da respectiva certidão, inclusive com a atribuição de nome e incluindo todos os dados constantes na declaração de nascido vivo.

§ 3º Não tendo a genitora atribuído nome à criança, o registro será feito com o prenome de algum de seus avós ou de outro familiar da genitora biológica, conforme dados constantes do relatório da equipe técnica.

§ 4º Inexistindo outros dados, o juiz atribuirá prenome e sobrenome, bem como o nome da mãe, escolhendo-os entre os da onomástica comum e mais usual brasileira.

Art. 9º Comunicado, no processo, o nascimento da criança ou em se tratando de criança já nascida quando da judicialização, a autoridade judiciária:

I – determinará o acolhimento familiar ou, não sendo este possível, o acolhimento institucional da criança, com respectiva emissão da guia de acolhimento no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) tão logo o procedimento se efetive, indicando como ‘Tipo de Processo’ a ‘Entrega Voluntária’; e

II – persistindo o interesse na entrega do recém-nascido para adoção, com base em relatório emitido por equipe técnica interprofissional, e após a alta hospitalar, salvo restrições médicas, designará audiência para ratificação do consentimento sobre a adoção, em até 10 (dez) dias.

§ 1º Caso seja ratificado o desejo de entregar a criança para adoção, a autoridade judiciária homologará a entrega e declarará a extinção do poder familiar (art. 166, § 1º, II do ECA), preferencialmente em audiência, na forma dos arts. 19-A, § 8º e 166, § 5º do ECA.

§ 2º Havendo pai registral ou indicado, também será ouvido em audiência, observadas as mesmas formalidades pertinentes à mãe.

§ 3º A audiência dos genitores, conforme recomendação da equipe técnica, poderá ser realizada por profissional qualificado em processo de escuta, designado pela autoridade judiciária, com registro do depoimento em meio eletrônico ou magnético, devendo a mídia integrar o processo.

Art. 10. O consentimento é retratável até a data da realização da audiência especificada no artigo anterior, e os genitores podem exercer o arrependimento no prazo de 10 (dez) dias, contado da data de prolação da sentença de extinção do poder familiar (art. 19-A, § 8º, e art. 166, § 5º, ambos do ECA).

§ 1º O exercício do direito de retratação e de arrependimento deve ser garantido de forma simplificada e diversificada, mediante mera certidão cartorária ou informação à equipe técnica, dentre outros, e entrega de comprovante de protocolo.

§ 2º Na hipótese do caput, a criança será mantida ou entregue imediatamente aos genitores, salvo decisão fundamentada, e a família será acompanhada por um período de 180 (cento e oitenta) dias (art. 19-A, § 8º do ECA).

Art. 11. Após o decurso do prazo para arrependimento a que faz alusão o art. 166, § 5º do ECA, o juízo determinará a inclusão imediata da criança no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, para adoção por pessoas habilitadas.

Art. 12. A entrega, na forma desta Resolução, dispensa a deflagração de procedimento oficioso de averiguação de paternidade, a que faz menção o art. 2º da Lei n. 8.560/1992.

Art. 13. Os Tribunais de Justiça instituirão, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, após manifestação das respectivas Coordenadorias da Infância e da Juventude e/ou Comissões Judiciárias de Adoção, programas e atos normativos para disciplinar, na perspectiva intersetorial e jurisdicional, o atendimento da gestante ou parturiente que manifestar interesse em entregar seu filho para adoção, consoante o disposto no art. 19-A cc. os arts. 7º, 8º e 13, todos do ECA, observadas as diretrizes desta Resolução.

Art. 14. Os Tribunais de Justiça deverão reconhecer como atividade inerente à função judicial, para efeito de produtividade, a participação de magistrados e servidores na concretização de programas e fluxos de atendimento, orientação e formação de profissionais no atendimento à pessoa gestante ou parturiente e famílias que declarem a intenção de entrega de filhos para adoção.

§ 1º Para fins que alude o caput, os Tribunais de Justiça também reconhecerão como atividade inerente à função judicial, para efeito de produtividade, a realização de campanhas periódicas com ampla divulgação sobre o direito das gestantes e parturientes de entregarem seus filhos para adoção.

§ 2º As Coordenadorias da Infância e da Juventude prestarão suporte aos magistrados na atuação intersetorial na forma do caput e do § 1º.

Art. 15. Os Tribunais de Justiça deverão capacitar magistrados e profissionais que atuem em Varas com competência em Infância e Juventude, mediante convocação, de forma interdisciplinar e continuada, preferencialmente conjunta, para desenvolvimento de competências na atuação intersetorial e procedimental na temática da entrega legal para adoção.

Parágrafo único. Poderão ser incluídos nas capacitações a que alude o caput os atores do Sistema de Garantia de Direitos mencionados no art. 2º desta Resolução.

Art. 16. Os Tribunais de Justiça deverão estimular a realização de pesquisas com pessoas que tenham passado por procedimentos de entrega, visando avaliar qualidade e possibilidades de aprimoramento do atendimento interinstitucional, num enfoque pautado em direitos tanto da criança, quanto dos genitores.

Art. 17. Esta Resolução entra em vigor 60 (sessenta) dias após sua publicação.

 

Ministra ROSA WEBER