Identificação
Resolução Nº 512 de 30/06/2023
Apelido
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Temas
Concurso, Promoção e Disciplina; Direitos Humanos;
Ementa

Dispõe sobre a reserva aos indígenas, no âmbito do Poder Judiciário, de ao menos 3% (três por cento), das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e de ingresso na Magistratura. 

Situação
Alterado
Situação STF
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Origem
Presidência
Fonte
DJe/CNJ nº 183/2023, de 15 de agosto de 2023, p. 2-4.
Alteração
Legislação Correlata
Observação / CUMPRDEC / CONSULTA

SEI n. 00040/2023.

 
Texto
Texto Original
Texto Compilado

A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais,

CONSIDERANDO que cabe ao CNJ a fiscalização e a normatização do Poder Judiciário e dos atos praticados por seus órgãos (art. 103-B, § 4º, I, II e III, da CF);

CONSIDERANDO os termos da Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), internalizada por meio do Decreto n. 5.051/2004 e consolidada pelo Decreto n. 10.088/2019; o Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais (PIDESC) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), internalizados pelo Decreto Legislativo n. 226/1991, e consolidados, respectivamente, pelos Decretos n. 591 e 592, ambos de 1992, e demais normativas internacionais, bem como as jurisprudências que tratam sobre os direitos dos povos indígenas;

CONSIDERANDO as disposições insertas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), consolidada pelo Decreto n. 678/1992; na Convenção para a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, consolidada no Decreto n. 65.810/1969; e na Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais da Unesco, internalizada pelo Decreto n. 6.177/2007, e consolidada pelo Decreto n. 10.088/2019;

CONSIDERANDO que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), promulgada pelo Decreto n. 678/1992, em seus arts. 3º, 4º, 5º, 8º, 21, 25 e 26 confere proteção específica aos povos indígenas;

CONSIDERANDO os termos insertos na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e na Declaração Americana sobre os Direitos dos povos indígenas;

CONSIDERANDO a necessidade de leitura constitucional, convencional e intercultural do art. 28, § 6º, da Lei n. 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), com consideração e respeito à identidade social e cultural dos povos indígenas, seus costumes e tradições, bem como a suas instituições, nos termos contidos no inciso I do referido parágrafo;

CONSIDERANDO o relatório da missão no Brasil da relatora especial da ONU sobre os povos indígenas de 2016 e recomendações dos Sistemas ONU e Interamericano de Direitos Humanos ao Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo que considerem, com urgência, e em colaboração com os povos indígenas, a eliminação das barreiras que os impedem de realizarem seu direito à justiça;

CONSIDERANDO o teor do Decreto n. 6.040/2007, que institui a política nacional de desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais;

CONSIDERANDO a Resolução CNJ n. 454/2022, que estabelece diretrizes e procedimentos para efetivar a garantia do direito ao acesso ao Judiciário de pessoas e povos indígenas;

CONSIDERANDO que os povos indígenas são grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, além de possuírem formas próprias de organização social;

CONSIDERANDO que a presença de Magistrados e Magistradas indígenas fortalecerá a legitimidade e a confiança das comunidades indígenas no sistema judicial e a superação de estereótipos e preconceitos contra os povos originários;

CONSIDERANDO que a Constituição Federal destaca o pluralismo político (art. 1º, V) como fundamento da República e não hierarquiza os modos de vida dos grupos sociais que compõem a sociedade brasileira;

CONSIDERANDO que a luta global contra o racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata e todas as suas formas e manifestações é uma questão de prioridade para a comunidade internacional, nos termos da Declaração e Programa de Ação de Durban;

CONSIDERANDO que a diversidade é um valor fundamental para a democracia e que a ampliação da participação dos povos indígenas no Poder Judiciário contribui para a construção de uma sociedade mais justa e plural;

CONSIDERANDO que o Censo Nacional de Educação indica que entre os anos de 2011 e 2021, de um total de 10.780 indígenas ingressantes no curso de Direito, 5.133 (cinco mil cento e trinta e três) concluíram;

CONSIDERANDO os dados apurados no relatório do Perfil Sociodemográfico dos Magistrados e Magistradas brasileiros, em que, do total de 18.168 Juízes e Juízas ativos, no que se refere ao perfil étnico-racial, a maioria se declara branca (80,3%), 18,1% negros (16,5% pardos e 1,6% pretos), 1,6% de origem asiática (amarelo) e apenas 11 Magistrados ou Magistradas se declararam indígenas;

CONSIDERANDO as sugestões apresentadas por ocasião da Consulta Pública realizada no período de 07 a 17/11/2022;

CONSIDERANDO o deliberado pelo Plenário do CNJ no procedimento Ato Normativo 0007920-83.2022.2.00.0000, na 10ª Sessão Ordinária, realizada em 20 de junho de 2022;

 

RESOLVE:

 

Art. 1º A reserva de vagas aos indígenas nos concursos públicos para provimentos de cargos efetivos nos órgãos do Poder Judiciário, inclusive de ingresso na magistratura, dar-se-á nos termos desta Resolução.

Art. 2º Nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e de ingresso na Magistratura serão reservados a indígenas ao menos 3% (três por cento), das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos do quadro de pessoal dos órgãos do Poder Judiciário (arts. 92, I-A, II, III, IV, V, VI e VII, da Constituição Federal), podendo os Tribunais elevarem-no, diante de suas particularidades locais, desde que devidamente justificada a alteração e comunicada à Presidência do CNJ.

§ 1º A reserva de vagas de que trata o caput será aplicada sempre que o número de vagas oferecidas em qualquer concurso público for igual ou superior a 10 (dez).

§ 2º Em caso de quantitativo fracionado para o número de vagas reservadas a candidatos ou candidatas indígenas, esse será aumentado para o primeiro número inteiro subsequente, em caso de fração igual ou maior que 0,5 (cinco décimos); ou diminuído para número inteiro imediatamente inferior, em caso de fração menor que 0,5 (cinco décimos).

§ 3º É vedado o estabelecimento de nota de corte ou qualquer espécie de cláusula de barreira para os candidatos ou candidatas indígenas na prova objetiva, bastando o alcance da nota 6,0 (seis), para que o candidato ou a candidata seja admitido nas fases subsequentes.

§ 3º É vedado o estabelecimento de qualquer espécie de cláusula de barreira para os candidatos indígenas, bastando o alcance de nota 20% inferior à nota mínima estabelecida para aprovação dos candidatos da ampla concorrência, ou nota 6,0 para os concursos da magistratura, para que os candidatos cotistas sejam admitidos nas fases subsequentes. (redação dada pela Resolução n. 549, de 18.3.2024)

Art. 3º Os órgãos indicados no caput do art. 2º poderão, além da reserva das vagas, instituir outros mecanismos de ação afirmativa com o objetivo de garantir o acesso de indígenas a cargos no Poder Judiciário, inclusive de ingresso na Magistratura, bem como no preenchimento de cargos em comissão, funções comissionadas e vagas para estágio.

Art. 4º A reserva de vagas a candidatos ou candidatas indígenas constará expressamente dos editais dos concursos públicos dos órgãos do Poder Judiciário indicados na forma do art. 2º.

Parágrafo único. Os editais de que trata o caput deverão especificar o total de vagas correspondente à reserva para cada cargo oferecido.

Art. 5º Os candidatos ou candidatas indígenas que optarem pela reserva de vagas concorrerão simultaneamente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com sua classificação no concurso.

§ 1º Os candidatos ou candidatas indígenas aprovados dentro do número de vagas oferecido para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas.

§ 2º Além das vagas de que trata o caput, os candidatos ou candidatas indígenas poderão optar por concorrer às vagas reservadas a pessoas com deficiência, se atenderem a essa condição, de acordo com a sua classificação no concurso.

§ 3º Os candidatos ou candidatas indígenas aprovados para as vagas a eles destinados e às reservadas às pessoas com deficiência, convocados concomitantemente para o provimento dos cargos, deverão manifestar opção por uma delas.

§ 4º Em caso de desistência de candidato ou candidata indígena aprovada em vaga reservada, a vaga será preenchida pelo candidato ou candidata indígena, em sua respectiva cota, subsequentemente classificada.

§ 5º Na hipótese de não haver candidatos ou candidatas indígenas aprovados em número suficiente para ocupar as vagas reservadas, as remanescentes serão revertidas para a cota étnico racial e, posteriormente, para a vaga reservada para pessoas com deficiência. Na impossibilidade também de preenchimento dessas últimas, as vagas ainda remanescentes serão revertidas para a ampla concorrência e serão preenchidas pelos demais candidatos ou candidatas aprovados, observada a ordem de classificação.

Art. 6º A nomeação dos candidatos ou candidatas aprovados respeitará os critérios de alternância e proporcionalidade, que consideram a relação entre o número de vagas total e o número de vagas reservadas a cotas étnico-raciais ou a pessoas com deficiência.

Art. 7º Poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos ou candidatas indígenas aqueles que se autodeclararem como tais, no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), independentemente de o candidato ou a candidata residir ou não em terra indígena.

§ 1º A autodeclaração terá validade somente para o concurso público aberto, não podendo ser estendida a outros certames.

§ 2º A autodeclaração do candidato ou da candidata será verificada pela comissão de heteroidentificação, a qual compete confirmar ou não a condição de indígena identificada no ato da inscrição preliminar (ADI 41/STF), sem prejuízo da apuração de responsabilidades administrativa, civil e penal, na hipótese de constatação de declaração falsa.

§ 3º A não homologação da autodeclaração do candidato ou da candidata implica na eliminação do concurso, e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação do mencionado ato, após procedimento administrativo em que lhe seja assegurado o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

Art. 8º Os candidatos ou candidatas autodeclarados indígenas serão entrevistados presencialmente por comissão de heteroidentificação, constituída por 5 (cinco) pessoas de notório saber na área, indicadas pelo respectivo Tribunal, das quais, ao menos 3 (três), serão necessariamente indígenas.

§ 1º A comissão, no processo de avaliação de que trata este artigo, levará em conta, entre outros parâmetros para a identificação étnica, o pertencimento etnoterritorial calcado em memória histórica ou linguística ou, ainda, em reconhecimento do povo indígena, do qual integra.

§ 2º Além da autodeclaração, o candidato ou candidata deve apresentar declaração de pertencimento ao respectivo povo indígena.

§ 3º A declaração de pertencimento a comunidade indígena deverá ser assinada por, pelo menos, 3 (três) integrantes indígenas da respectiva etnia.

Art. 9º O Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça (DPJ) deverá avaliar e fazer publicar, no mínimo há cada 3 (três) anos, os resultados dessa política de ação afirmativa para o efetivo aumento da participação do indígena nos cargos efetivos do Poder Judiciário, inclusive de Magistratura, apresentando os mencionados resultados e sugestões à Presidência do CNJ.

Art. 10. Esta Resolução entra em vigor no prazo de 60 (sessenta) dias após a sua publicação e não se aplica aos concursos cujos editais tiverem sido divulgados antes de sua vigência.

 

Ministra ROSA WEBER