Dispõe sobre a política permanente de enfrentamento a todas as formas de violência contra a mulher, no âmbito das atribuições da Corregedoria Nacional de Justiça; adota protocolo específico para o atendimento a vítimas e recebimento de denúncias de violência contra a mulher envolvendo magistrados, servidores do Poder Judiciário, notários e registradores; cria canal simplificado de acesso a vítimas de violência contra a mulher na Corregedoria Nacional de Justiça e dá outras providências.
Lei Complementar n. 35, de 14 de março de 1979 - (Lei Orgânica da Magistratura Nacional).
Código de Ética da Magistratura Nacional
Princípios de Bangalore de Conduta Judicial
Código Ibero-Americano de Ética Judicial
Resolução n. 135, de 13 de julho de 2011
Decreto n. 1.973, de 1º de agosto de 1996 - Convenção de Belém do Pará
Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006
Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990
Recomendação n. 102, de 19 de agosto de 2021
Resolução n. 254, de 4 de setembro de 2018
Resolução n. 492, de 17 de março de 2023
Resolução n. 67, de 3 de março de 2009 - (Regimento Interno)
Lei n. 14.245, de 22 de novembro de 2021
Lei n. 14.321, de 31 de março de 2022
SEI n. 07146/2023.
O CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições legais e regimentais;
CONSIDERANDO que compete ao Conselho Nacional de Justiça - CNJ zelar pelo cumprimento dos deveres funcionais dos membros do Poder Judiciário e pela observância do Estatuto da Magistratura e, para tanto, expedir atos regulamentares, bem como receber e conhecer as reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, nos termos do art. 103-B da Constituição Federal;
CONSIDERANDO o disposto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional, no Código de Ética da Magistratura Nacional, na Resolução CNJ n. 135/2011, nos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial, no Código Ibero-Americano de Ética Judicial e na Lei Federal n. 8.112/1990;
CONSIDERANDO ser dever do Estado assegurar a assistência a todos os integrantes da família, bem como criar mecanismos voltados à harmonização e pacificação em casos de litígio, nos termos do art. 226, § 8º, da Constituição Federal;
CONSIDERANDO ser atribuição do poder público desenvolver políticas para garantia dos direitos fundamentais das mulheres nas relações domésticas e familiares, resguardando-as contra práticas de discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, nos termos do art. 3º, § 1º, da Lei nº 11.340/2006;
CONSIDERANDO que o Brasil é signatário da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher – “Convenção de Belém do Pará” (promulgada pelo Decreto n. 1.973, de 1º de agosto de 1996), por meio do qual se comprometeu a incorporar, na legislação interna, normas penais, civis, administrativas e de outra natureza que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como a adotar as medidas administrativas adequadas que forem aplicáveis;
CONSIDERANDO que o art. 4º, alínea “g”, da Convenção de Belém do Pará assegura à mulher o “direito a recurso simples e rápido perante tribunal competente que a proteja contra atos que violem seus direitos”;
CONSIDERANDO o que dispõe a Recomendação Geral n. 33 sobre o acesso das mulheres à Justiça, do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres;
CONSIDERANDO a Diretriz Estratégica 8 para o ano de 2023, da Corregedoria Nacional de Justiça, aprovada no XI Encontro Nacional do Poder Judiciário, que dispõe: “Informar à Corregedoria Nacional as medidas adotadas para o cumprimento da Recomendação n. 102/2021 (adoção do protocolo integrado de prevenção e medidas de segurança voltado ao enfrentamento à violência doméstica praticada contra magistradas e servidoras)”;
CONSIDERANDO, por fim, a necessidade de adequação do recebimento de denúncias de violência contra a mulher, pela Corregedoria Nacional de Justiça, à Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (Resolução CNJ n. 254/2018) e às diretrizes adotadas pelo Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero (Resolução CNJ n. 492/2023),
RESOLVE:
Art. 1º Estabelecer a política permanente de enfrentamento a todas as formas de violência contra a mulher, no âmbito das atribuições da Corregedoria Nacional de Justiça, com a adoção de protocolo específico para o atendimento de vítimas e recebimento de representações por violência contra a mulher envolvendo magistrados, servidores do Poder Judiciário e prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público.
Art. 2º A política permanente de enfrentamento a todas as formas de violência contra a mulher será guiada pelos seguintes princípios:
I – respeito aos direitos fundamentais da vítima, em especial à sua privacidade, o que impõe o sigilo das informações constantes em procedimentos que versem sobre violência contra a mulher;
II – consentimento livre e esclarecido da mulher vítima de qualquer forma de violência;
III – eliminação de todas as noções preconcebidas e estereotipadas sobre as respostas esperadas da mulher à violência sofrida e sobre o padrão de prova exigido para sustentar a ocorrência da agressão;
IV – acesso desburocratizado da vítima aos procedimentos de competência da Corregedoria Nacional de Justiça e atendimento humanizado condizente com as condições peculiares da mulher em situação de violência;
V – não revitimização da ofendida, evitando-se sucessivas inquirições sobre o mesmo fato, bem como questionamentos desnecessários sobre sua vida privada;
VI – enfrentamento da subnotificação dos casos de violência contra a mulher quando a apuração se inserir na competência da Corregedoria Nacional de Justiça, o que impõe ampla publicidade dos canais de acesso disponíveis à vítima e das diversas redes de proteção à mulher;
VII – capacitação de magistrados e servidores da Corregedoria Nacional de Justiça com vistas ao enfrentamento de todas as formas de violência contra a mulher e à atuação segundo o protocolo de julgamento com perspectiva de gênero; e
VIII – interlocução permanente com ouvidorias, fóruns, núcleos e comitês correlatos do CNJ e dos tribunais da Federação.
Art. 3º Sem prejuízo da atuação dos respectivos Tribunais e Corregedorias locais, poderão ser reportadas à Corregedoria Nacional de Justiça, na forma estabelecida por este Provimento, situações de violência contra a mulher praticadas por:
I – magistrados, relacionadas ou não com o exercício do cargo;
II – servidores do Poder Judiciário, quando violadoras de deveres e proibições funcionais (arts. 116 e 117 da Lei n. 8.112/1990);
III – prestadores de serviços notariais e de registro, quando relacionadas ao exercício do serviço delegado.
Parágrafo único. Aplicam-se as disposições deste artigo a outras situações de violência quando:
a) embora não tenham sido praticadas diretamente por magistrados, haja indicativo de omissão quanto aos deveres de cuidado pela integridade física e psicológica da vítima, na forma da Lei n. 14.245/2021 e da Lei n. 14.321/2022 (violência institucional); e
b) de alguma forma, possam repercutir no pleno exercício das atribuições de magistradas e servidoras do Poder Judiciário, observado o previsto no § 3º do artigo 4º.
Art. 4º Será criado, no sítio eletrônico do CNJ (no âmbito da Corregedoria Nacional de Justiça), portal específico da política permanente de enfrentamento a todas as formas de violência contra a mulher, o qual deverá conter, no mínimo:
I – formulário simplificado para encaminhamento de representações à Corregedoria Nacional de Justiça por violência contra a mulher, nos limites estabelecidos no art. 3º deste Provimento; e
II – conteúdo informativo acerca das atribuições da Corregedoria Nacional de Justiça no enfrentamento a todas as formas de violência contra a mulher.
§ 1º A possibilidade de formulação de representações prevista no inciso I não exclui outras formas tradicionais de peticionamento no âmbito da Corregedoria Nacional de Justiça.
§ 2º O formulário de que trata o inciso I deverá conter, além de linguagem simplificada e humanizada, dados que permitam a formulação de estudos estatísticos acerca do perfil das demandas, observado o sigilo previsto no inciso I do art. 2º.
§ 3º Caso a apuração dos fatos reportados não seja de competência da Corregedoria Nacional de Justiça, a vítima receberá orientação acerca das vias adequadas para a formulação de sua demanda.
§ 4º Será disponibilizado link para acesso direto ao formulário de que trata o art. 4º, inciso I, à Ouvidoria Nacional da Mulher e ao Comitê de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral e do Assédio Sexual e da Discriminação no Poder Judiciário, bem como aos demais comitês e comissões que tratem do tema da violência contra a mulher no âmbito do CNJ, visando à adoção das medidas previstas neste Provimento de forma célere e eficaz.
Art. 5º As representações por violência contra a mulher recebidas pela Corregedoria Nacional de Justiça, por quaisquer vias, receberão tratamento específico conforme protocolo de julgamento com perspectiva de gênero (Resolução CNJ n. 492/2023), com a adoção, entre outras, das seguintes diretrizes:
I – não será exigida prova pré-constituída dos fatos alegados como requisito de procedibilidade da representação;
II – o procedimento poderá ser integralmente instruído no âmbito da Corregedoria Nacional de Justiça, com colheita de documentos, arquivos e oitiva de testemunhas indicadas pela representante e demais interessados;
III – a representante será sempre indagada se deseja ser ouvida previamente, de preferência, por uma juíza auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, para reportar os fatos com maior detalhamento;
IV – em caso de necessidade e concordância da vítima, esta poderá ser encaminhada a atendimento de apoio psicossocial oferecido por um órgão judicial de sua preferência, que poderá elaborar estudo a respeito da dinâmica de violência a que estiver exposta, dos riscos porventura ainda existentes e de quaisquer outros aspectos relevantes à compreensão dos fatos alegados;
V – instaurado procedimento a partir do formulário de que trata o art. 4º, inciso I, constará na autuação a Corregedoria Nacional de Justiça como requerente, com imputação de sigilo em todos os casos.
§ 1º Na oitiva de que trata o inciso III, o(a) magistrado(a) que conduzir o ato auxiliará a vítima, se for o caso, a preencher o Formulário de Avaliação de Risco aplicável, conforme as diretrizes da Resolução Conjunta CNJ/CNMP n. 5/2020 e da Lei n. 14.149/2021.
§ 2º A oitiva da vítima, das testemunhas e do agressor será registrada em meio eletrônico, devendo a mídia integrar os autos do procedimento.
Art. 6º Sem prejuízo do poder de requisição previsto no art. 8º, inciso VII, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça - RICNJ, a Corregedoria Nacional de Justiça poderá celebrar termos de cooperação com os tribunais ou outros órgãos públicos para o compartilhamento de pessoal e de serviço psicossocial ou multidisciplinar especializados em violência contra a mulher, para fins do que dispõe o inciso IV do art. 5º deste Provimento.
Art. 7º Recebida a representação e analisados os elementos colhidos pela Corregedoria Nacional de Justiça, não sendo caso de arquivamento, o procedimento tramitará conforme a Resolução CNJ n. 135/2011 e o RICNJ.
Art. 8º Este provimento entra em vigor na data de sua publicação.
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO
Corregedor Nacional de Justiça